quinta-feira, 10 de junho de 2010

AS CHUTEIRAS NA PÁTRIA

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Está começando o espetáculo. Durante quatro anos todos se prepararam para ver a seleção brasileira de futebol entrar em campo, jogar e ganhar. O Hexa! Dunga foi o menino escolhido para escolher os outros meninos que darão tanta glória à pátria. Ficaremos tão felizes com esta sexta conquista! Aqueles denodados jogadores, que chegaram de tão longe para tão mais longe irem - tão fortes e tão habilidosos, tão sorridentes e alegres, tão eufóricos e confiantes, tão patriotas – terão a missão honrosa de zelar pelos brios da pátria que conheceram um dia, quando ainda muito mais jovens, e da qual ainda lembram com aquele sorriso de carnaval e samba, e com a qual tanto se preocupam a ponto de darem o seu sangue – se preciso for – nas arenas da mãe África, como modernos gladiadores, apenas pelo amor à pátria, sem nada pedir que não mereçam - como os seus milionários contratos com as multinacionais para calçarem determinadas marcas de chuteiras –, nada que não seja extremamente merecido pelo seu esforço hercúleo de jogar futebol – como os salários pantagruélicos que recebem em seus clubes de origem e que serão aumentados com prêmios homéricos, caso tragam a Santa Taça graálica –, nada que não esteja ao alcance de qualquer brasileiro que jogue futebol em países tão distantes; que culpa eles tem se os outros brasileiros optaram por profissões menos rendosas, ou, em sua maioria, nem profissão tem, vivendo nas vilas-favelas e desertos-caatingas, trabalhando nas fábricas como robôs limitados ao salário tão mínimo, nas florestas-malária, nos pântanos, em palafitas ou nas cidades - subumanos lugares de múltiplas desilusões, assassinatos, injustiça social, degradação moral e opressão? Eles são heróis e sabem disso, acima das mazelas da pátria-mãe que tão grande PIB ostenta para os miseráveis que dormem nas ruas, os pedintes crianças que fazem malabarismos para ganhar as suas diárias moedas de escárnio, os catadores de papel e plástico que vivem do lixo dos menos pobres, os sem terra que só querem plantar, os sem teto que só querem um lugar para morar sob este céu anil – enquanto as Bolsas dos mercadores do sangue brasileiro estufam nos diabólicos pregões onde se vende, diariamente, o país, ao preço do dia. Eles, os futeboleiros da seleção, são os ungidos, graça aspergida pela nação, através daqueles jornalistas somente dedicados à realidade brasileira futebolística, que tanto amor tem à pátria quando gritam o gol anestesiante, orgásmico e eufórico que a todos faz vibrar, esquecer e sonhar com aquelas chuteiras no coração do brasileiro, que as prefere ao cotidiano tiro perdido, à voz dos demagogos e politiqueiros charlatães e a este dia a dia cada vez mais transgênico e fraudado.

FAUSTO BRIGNOL

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