quinta-feira, 24 de junho de 2010

A CORRUPÇÃO NOSSA DE CADA DIA

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Deixei passar alguns dias, para não ser levado pelo momento, mas, depois que o Sport TV, na terça-feira, 22, elegeu o gol (aquele!) do Luis Fabiano como um dos três mais bonitos da segunda rodada da Copa do Mundo (aliás, o mesmo canal que durante o seu noticiário esportivo coloca uma apresentadora, com a bandeira dos Estados Unidos tremulando atrás, como parte do cenário), não pude deixar de escrever as mal traçadas, que seguem.

     Como jornalista, sei que esta profissão é a que mais influencia na formação de opiniões, e formar opiniões em um país como o Brasil, com milhões de pessoas que não sabem ler ou escrever e outros tantos milhões de analfabetos funcionais (pessoas que sabem ler e escrever, mas não entendem claramente aquilo que está escrito, com mínima capacidade de decodificar frases, sentenças e textos), é uma imensa responsabilidade. Maior, ainda, esta responsabilidade, se levarmos em conta as péssimas condições de ensino, principalmente após a celebração do acordo MEC/USAID, durante a ditadura militar, o que fez dos nossos estudantes robôs alienados sob a tutela da cultura estadunidense.

     Pior, muito pior ainda, se lembrarmos que esse processo de aculturação, além de tornar os jovens (e, até, muitos adultos) imbecilizados, enfraquece as raízes da nossa cultura e nos torna subservientes, mentalmente, a tudo o que venha dos Estados Unidos... E acrescente-se a tudo isso o fato de que os principais meios de comunicação brasileiros (senão toda a mídia) pertencem a grupos de empresários estreitamente aliados a grupos estadunidenses, cujo único interesse é fazer do Brasil uma filial cultural dos Estados Unidos, teremos uma idéia, mesmo que pequena e superficial, do que acontece com a mente dos brasileiros, todos os dias, no momento em que ligam uma televisão, abrem seus jornais e revistas, ouvem rádio ou entram na Internet.

     De alguns anos para cá temos assistido a uma intensa atividade da Polícia Federal, que, cumprindo a sua missão, tem prendido as mais diferentes quadrilhas de corruptos. (É claro que nem todos continuam presos, como no caso Daniel Dantas, que ficou notório). Muitos interpretam mal essa atividade, pensando que os casos de corrupção estão acontecendo agora. A verdade é o contrário: agora é que a PF brasileira tem agido com seriedade, apesar das múltiplas pressões que sofre. E porque tem agido assim, aparece parte da nossa realidade corrupta.

     Mas o que a maioria das pessoas não se pergunta é porque o Brasil tornou-se um país sinônimo de corrupção.

     Se analisarmos com isenção a história do Brasil, veremos que a corrupção nasce nas classes dominantes, dentro dos grupos de poder, desde a época do Império, passando pela República Velha, com um breve recuo na Era Vargas, que tentou ser nacionalista, mas recrudescendo após JK e intensificando-se durante os anos da ditadura militar e até agora. 

     A corrupção nasceu dentro dos grupos de poder, ou seja, dentro daqueles grupos que detêm o capital, usufruindo de latifúndios, construindo indústrias, monopolizando os meios de comunicação, manipulando os seus representantes no poder constituído. E a luta entre esses grupos, que depois se dividiram oficialmente em partidos políticos, sempre teve como fator comum a deslealdade. E a deslealdade leva à corrupção. Quem tem mais dinheiro, ganha. E, é claro, sempre devido à semi-escravidão do povo, porque nada pode ser construído sem a força do trabalhador, não existe agricultura sem o camponês ou estâncias sem peões. Junte-se a isso a favelização e marginalização dos desempregados e temos um feio retrato do Brasil.

     Mas este nosso Brasil ficou mais feio ainda quando a cultura da corrupção se espraiou para as classes mais baixas. Aquelas classes que deveriam ser as responsáveis pelas mudanças nas estruturas do poder, passaram a se espelhar nas atitudes dos donos desse poder. E isto é clássico no capitalismo, pela falta de opções dos pobres que procuram seguir o exemplo das classes possuidoras. E mais ainda em países, como o nosso, em que o povo absorve diariamente lições de autofagia, através dos meios de comunicação (ao passarem a idéia, de maneira explícita ou subliminarmente, que somos um povo inferior, com cultura mesquinha), que vendem a cultura importada como sendo a única boa e verdadeira.

     Dentro da nossa “cultura popular”, surgiu o “jeitinho brasileiro”. Foi quando as pessoas passaram a acreditar que, se não podem conseguir as coisas legalmente, sempre haverá um jeito de alcançar os seus objetivos. E esse jeito passa pela pilantragem, pela esperteza. Aquele que consegue passar a perna no outro é considerado melhor, mais inteligente. Com o “jeitinho brasileiro”, surgiu a cultura da malandragem e até foi criada a figura do malandro: finório, bem falante, arrumadinho, eternamente não-empregado, mas ganhando dinheiro à custa da boa-fé do próximo, figura que foi encampada e promovida imediatamente pelos Estados Unidos, quando Walt Disney criou o “Zé Carioca” como estereótipo do brasileiro.

     Aqueles que manipulam as mentes dos brasileiros gostaram muito daquela “criação”. Afinal, a partir de então encontraram uma boa desculpa para a pobreza do povo no Brasil: o brasileiro é que é preguiçoso, não quer trabalhar, não se esforça e gosta de bancar o malandro. Uma desculpa que vem se eternizando e até é aceita por pessoas engajadas, como parte do que entendem por cultura brasileira.

     É a lei da repetição aplicada à nossa realidade. Se você repetir uma mentira constantemente, as pessoas passarão a acreditar que é uma verdade. E pegou. De tanto ser repetida pelos midiáticos de plantão, grande parte dos brasileiros passaram a acreditar que quando cometem uma infração que dá certo, não é um erro de comportamento, mas uma esperteza, uma malandragem. Até a palavra “malandro” é malandra – pressupõe uma pessoa esperta, que lesa os outros por culpa dos lesados. Assim, surgiu a palavra “otário”, que seria aquele ingênuo que se deixa levar pela lábia do malandro. Daí, para maiores corrupções é um passo. A inversão de valores leva a pensar que o verdadeiro, o correto, é ser malandro. E ser malandro é ser corrupto.

     Temos no Brasil a cultura da malandragem, que nada mais é que a cultura da corrupção. Há casos famosos, como o de Ademar de Barros, que, quando acusado de corrupção, teria dito: “eu roubo, mas faço”. E o povo adorou. Ademar de Barros sempre foi bem votado. E tantos outros, que, se eu fosse nominar agora não terminaria nunca este texto. Mas vou citar apenas mais um exemplo. Conversando com uma pessoa de fora de minha cidade, perguntei como estava indo a política do seu prefeito. Ela respondeu que o prefeito parecia bom, mas que o anterior tinha sido melhor, mais esperto, porque tinha comprado duas estâncias em outro país, enquanto o atual ainda não tinha feito nada parecido. E completou: “que se saiba, é claro, hehe...”. O prefeito anterior tinha virado herói; o atual, quem sabe...

     Devido a esta cultura da malandragem, que faz com que o Brasil não seja um país sério – como disse Charles De Gaulle, certa vez – é que eu entendo porque os ícones da mídia futebolística, que tem uma audiência gigantesca, quase estão idolatrando o Luis Fabiano porque fez um gol usando os dois braços. A desculpa é que: “mesmo assim, foi um golaço!”. Uma total inversão de valores, porque o que é errado, irregular, não pode ser belo ou bom.

     E assim eles vão deseducando o povo brasileiro, com pequenas frases, expressões jogadas ao acaso, sem pensarem nas conseqüências do que dizem, ou, em outras vezes, de caso pensado.

     E o povo brasileiro está à mercê dessa mídia, não só dos especialistas em futebol, mas, também, os de outros setores. Observem como eles dizem “a seleção americana” e não “a seleção estadunidense” - que é o correto. É de caso pensado e não um mau hábito, como fica insinuado. Vejam aquela propaganda em que o locutor diz: “Vai Brasil”, quando está escrito “Go Brasil”. É por acaso? A verdadeira dominação somente acontece quando a língua do dominador passa a ser a língua oficial. E eles, os jornalistas da chamada “grande mídia”, trabalham para que isso venha a acontecer. São pagos para isso, pelos seus patrões. Estão dentro do esquema – ou deverei dizer: “dentro do establisment”?

POR FAUSTO BRIGNOL  

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