terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Por que falar em defesa da democracia? (por Margarida Lacombe Camargo)


Por que falar em defesa da democracia? (por Margarida Lacombe Camargo)

https://www.sul21.com.br/jornal/por-que-falar-em-defesa-da-democracia-por-margarida-lacombe-camargo/

Margarida Lacombe Camargo (*)
Apostar em uma sentença condenatória com a quantidade de erros e absurdos como a do ex-presidente Lula, conforme já fartamente desqualificada pela crítica dos especialistas, só se explica por uma vontade muito grande de inviabilizar a participação da principal liderança da esquerda do país nas eleições de 2018.  Erros e absurdos que agora podem vir a ser confirmados, em prazo recorde, pelo tribunal de segunda instância.
O processo de criminalização da política, capitaneado pela grande mídia ao, diuturnamente, incutir no cidadão brasileiro que os políticos são corruptos por definição e não por circunstâncias diversas conduz ao total descrédito da via política partidária como arena de discussão e deliberação de questões de interesse público. E isso leva à judicialização da política, ou seja, recorre-se ao Judiciário para que este poder, não eleito, resolva problemas que deveriam decorrer de negociações onde os efeitos pragmáticos preponderam. Uma vez desacreditados os poderes legislativo e executivo, sede da vida política do país, abre-se o flanco para que o judiciário passe a protagonizar a cena política nacional. É o ativismo judicial que ganha espaço e procura creditar legitimidade na esperança já construída no cidadão, de que dias melhores dependem da vestal da moralidade, como passou a ser visto o judiciário nacional.
Mas não são apenas juízes e tribunais que adquirem força. Também os órgãos que colaboram com a atuação da justiça, em especial o Ministério Público, estabelecendo-se toda uma engenharia institucional de colaboração entre o órgão que acusa e aquele que responde à sua provocação, que é o Poder Judiciário. Mas quando os cidadãos concentram suas esperanças unicamente nessas instâncias, é que elas se sentem legitimadas a decidir até mesmo em desacordo com a lei. Estabelece-se, assim, o chamado Estado de Exceção, uma vez que os governantes, ou quem detém o poder decisório, no caso o Judiciário, busca amparo direto em uma opinião pública circunstancialmente construída, desprezando as regras do Estado de Direito. E daí a configuração do arbítrio, considerado, ao menos pelos juristas, como o pior dos males. A abertura para a total insegurança jurídica, tal como estamos experimentando, ao menos em matéria penal, que culmina na pena privativa da liberdade, é algo que faz uma sociedade regredir em anos de conquistas civilizatórias.
Por que, então, falamos em defesa da democracia? Porque estamos às vésperas de uma possível manipulação judicial relativa às eleições gerais de 2018 (desprovida de base jurídica e probatória) para manejar quem entra e quem não entra na disputa.
É nas urnas onde a soberania popular se expressa direta e legitimamente para a escolha dos seus governantes.  Não é o Poder Judiciário que deve decidir sobre os destinos políticos de uma nação. Não foi um poder institucionalmente traçado para esta finalidade e não há, nos limites possíveis do ativismo judicial, legitimidade que dê conta de tamanha pretensão.  Defender a democracia, neste momento é, portanto, berrar contra a decisão do juiz Sérgio Moro e contra a possibilidade de ela ser confirmada por um tribunal com grandes chances de agir corporativamente.
Lutemos para que a política se faça nas urnas e para que o povo tenha o direito de escolher os seus governantes. Subtrair-lhe o direito de eleger aquele que desponta nas pesquisas de popularidade, por meio de artifícios jurídicos já denunciados e, ao que tudo indica, em prol de interesses ideológicos divergentes, é estrangular o povo, retirando-lhe uma de suas principais forças, que é a expressão da soberania popular.
(*) Professora de Direito da UFRJ.



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