Missoni levou os ‘Pussy Hat” à passarela. Getty
O vocabulário feminista que todos já deveriam estar dominando em 2017
O que é sororidade? E cultura do estupro? Solucionamos todas as dúvidas neste pequeno dicionário
Sororidade: apesar de ser usado há mais de 40 anos, se você procurar esse termo em um dicionário, ela o remeterá para “sonoridade”, depois de afirmar que aquela palavra não está cadastrada. O que para alguns continua a ser uma espécie de erro é, na verdade, um conceito que acaba com todos os preconceitos segundo os quais as mulheres não conseguem ser amigas, que são rivais entre si por natureza ou que são mais cruéis entre elas. Nos anos 70, a escritora norte-americana Kate Millett cunhou o termo sisterhood e depois disso as feministas francesas começaram a usar sororité. Atualmente, a antropóloga e política mexicana Marcela Lagarde, uma das maiores divulgadoras do conceito em língua espanhola, o define como “o apoio recíproco entre as mulheres para se conseguir o poder para todas”. É uma aliança entre as mulheres, que proporciona a confiança, o reconhecimento mútuo da autoridade e o apoio. “Trata-se de pactuar de maneira limitada e pontual algumas coisas com cada vez mais mulheres. Somar e criar vínculos. Assumir que cada uma é um elo no encontro com muitas outras”, escreve Lagarde.
Cultura do estupro: Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma mulher é estuprada a cada 11 minutos. E esse dado se repete no mundo todo. Esse conceito se refere a uma sociedade que permite e tolera as agressões sexuais, se culpa a vítima, se banaliza o estupro ou se considera que não se trata de estupro quando o autor é o companheiro da vítima. Uma sociedade na qual o desejo masculino parece estar a cima de todos os demais e na qual, internacionalmente, apenas 5% dos julgamentos por estupro acabam em condenação, segundo o Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACDH) das Nações Unidas, dirigido por Louise Arbour. Coisas do tipo “é isso que acontece quando você fica bêbada ou por se mostrar demais”, os juízes que perguntam se você “fechou bem as pernas” ou os policiais que questionam as mulheres que ousam fazer uma denúncia, todos esses são exemplos de como a cultura do estupro se perpetua.
Objetificação: Reduzir uma pessoa à condição de coisa. Costuma ser utilizado em referência à objetificação sexual feminina, que não é outra coisa do que tratar as mulheres como objetos, limitando-as a seus atributos sexuais e à sua beleza física, sem levar em conta sua personalidade e sua existência como pessoa. Quando a publicidade exibe as mulheres como objetos de desfrute e de prazer para os homens, ela as objetifica. Quando os programas de televisão contratam moças deslumbrantes que apenas posam ao lado de um apresentador sem dizer nada, as estão objetificando. Quando as mulheres aparecem reduzidas a seus seios e seus traseiros, sem importar aquilo que pensam, estão sendo objetificadas.
Pussy Hat: O famoso gorro rosa com orelhinhas se popularizou durante as marchas pelos direitos das mulheres realizadas no mundo inteiro no começo deste ano. A ideia partiu de Krista Suh e Jayna Zweiman, uma roteirista de comédia e uma arquiteta fãs de tricô que decidiram transformar a marcha das mulheres em Washington em um rio de gorros de lã cor de rosa. Seu projeto, chamado de Pussyhat Project, em resposta ao grab them from the pussy (pegá-las pela buceta) dito por Trump em uma polêmica gravação, acabou se espalhando em nível global, e até mesmo marcas como Missoni o levaram às passarelas.
Empoderamento: além de ter sido uma das palavras mais procuradas em 2016, o verbo empoderar se tornou uma palavra-chave para contribuir para o avanço social em busca da igualdade entre homens e mulheres. Costuma ser usado em referência à tomada de consciência do poder que as mulheres ostentam individual e coletivamente e que tem a ver com o resgate de sua própria dignidade como pessoa. Na Conferência Mundial das Mulheres, realizada em Pequim em 1995, criou-se um programa em prol do empoderamento da mulher para reforçar o aumento da participação feminina nos processos de tomada de decisões e no acesso ao poder.
Feminicídio: Assassinato de uma mulher em função de seu sexo. Trata-se de um crime de ódio contra mulheres e meninas pelo simples fato de elas serem mulheres ou meninas. Diana Russel foi pioneira no seu uso (‘femicide’, em inglês) e se costuma distinguir entre feminicídio íntimo (cometido por uma pessoa com quem a vítima tinha ou havia tido uma relação sentimental) e não íntimo (perpetrado por uma pessoa ou grupo de pessoas com quem a vítima não tinha ou não havia tido nenhuma relação sentimental ou parentesco). A campanha #NiUnaMenos, que se tornou viral em poucos meses, denuncia os crimes cometidos contra mulheres em países como Argentina ou México depois dos assassinatos, especialmente dramáticos, de Daiana garcía e Yésica Muñoz.
Masculinismo: Movimento que procura a igualdade entre o homem e a mulher da perspectiva masculina. Os masculinistas se queixam de que o feminismo busca a igualdade do ponto de vista da mulher e pretendem obtê-la defendendo os direitos e necessidades dos homens, assim como os valores e atitudes consideradas como tipicamente masculinas. Miguel Lorente, em artigo publicado no Huffpost, faz esta interessante reflexão: “A estratégia atual do machismo é o post-machismo, essa tentativa de revestir de neutralidade as suas exigências e reivindicações a fim de criar a confusão necessária que gere dúvida, passividade e faça com que tudo continue igual. E o post-machismo sabe que a batalha da linguagem é essencial para defender posições e definir realidades, daí o seu interesse, desde o começo, de se contrapor ao feminismo dizendo que este era o mesmo que o machismo. Depois de fracassar com essa comparação grosseira, inventaram a palavra hembrismo [algo como femeanismo] e ao mesmo tempo a usaram acompanhada de palavras como feminazi e mangina, para que a crítica não se limitasse às ideias e chegasse às pessoas que as propunham [...] Agora, falam em masculinismo, que aparece neutro e comparável, no seu sentido, ao conceito de feminismo. Dessa maneira, embora suas palavras cheias de ataques contra a igualdade sejam as mesmas, sua imagem é diferente, e elas se apresentam como mais proativas na busca por essa ‘igualdade real’ que se supõe dirigir as mesmas ações para homens e mulheres e, desse modo, manter a desigualdade atual, sem falar no significado histórico que deu origem à mesma”.
Mansplaining: Quando um homem explica algo a uma mulher, e o faz de maneira condescendente porque dá como certo que sabe mais do que ela, podemos falar de mansplaining. Rebecca Solnit cunhou esse termo em 2008 no seu ensaio Os Homens Explicam Tudo para Mim (Cultrix) para dar nome a uma situação que ela havia vivido numa festa: um homem tentando lhe esclarecer do que se tratava um livro que ela mesma tinha escrito. Como relatava Noelia Ramírez neste artigo, “um exemplo clássico de mansplaining é o tuiteiro aleatório que explicou o que é ciência a uma astronauta da NASA. É só um, mas há muitíssimos outros. O mansplaining está tão enraizado socialmente que até a própria Solnit, uma reputada ensaísta e escritora com mais de duas dezenas de livros publicados, se flagrou duvidando do seu conhecimento e procurando na Internet dados sobre o movimento das mulheres pela paz (sobre o qual ela tinha pesquisado previamente) só porque algumas horas antes um homem a menosprezou, afirmando taxativamente que uma de suas teorias era mentira (não era)”.
Manspreading: Diz-se de quando um passageiro (homem) abre tanto as pernas ao estar sentado no transporte público que ocupa o espaço do passageiro sentado ao seu lado. Em castelhano, poderia ser traduzido como despatarre, e há alguns dias o termo ganhou destaque na imprensa porque a Empresa Municipal de Transportes de Madri anunciou a instalação de adesivos nos ônibus advertindo contra o “despatarre masculino”. Desde 2013, diversas contas do Tumblr reúnem imagens destes homens esparramados no transporte público, como forma de denunciar seu comportamento e a invasão do espaço pessoal. O imperdível Tumblr chamado One Bro,Two Seats vai um passo além, colocando, graças ao Photoshop, qualquer objeto imaginável entre as pernas dos folgados. O termo surgiu em 2014, quando um blog de notícias de Nova York decidiu batizar essa postura como Man Spread.
Disparidade de gênero: O Instituto Andaluz da Mulher a define como a diferença entre as taxas masculina e feminina dentro de uma variável, e se calcula subtraindo taxa feminina da taxa masculina. Ou seja, quanto menor for o índice de disparidade entre homens e mulheres, mais perto estaremos da igualdade. Normalmente se fala em brecha salarial de gênero (refere-se às diferenças salariais entre mulheres e homens, tanto no desempenho de trabalhos iguais como a decorrente da menor remuneração paga a trabalhos tidos como femininos) e desigualdade tecnológica de gênero (designa as desigualdades entre mulheres e homens na formação e no uso das novas tecnologias). Em poucas palavras, é a razão pela qual uma mulher ganha 18,8% menos que seu colega de trabalho homem fazendo exatamente o mesmo.
Androcentrismo: É a visão de mundo que situa o homem como centro de todas as coisas. O macho ocupa uma posição central na sociedade, na cultura e na história. O conceito está muito relacionado com o patriarcado, mas também com a discriminação contra a mulher. Por exemplo, quando em português utilizamos palavras no masculino para nos referirmos conjuntamente a homens e mulheres, estamos sujeitos a uma visão androcêntrica que nos faz interpretar o masculino como universal.
Teto de vidro: conforme a definição da argentina Mabel Burin no artigo Uma hipótese de gênero: o teto de vidro na carreira profissional, trata-se da limitação velada à ascensão profissional das mulheres no interior das organizações. É um obstáculo invisível na carreira das mulheres, difícil de superar, que as impede de chegar a cargos de maior responsabilidade e liderança. É invisível porque não existem leis ou dispositivos sociais estabelecidos e oficiais que imponham uma limitação explícita ao desenvolvimento profissional das mulheres. O termo surgiu nos Estados Unidos na década de 1980 (glass ceiling barriers) e é o motivo pelo qual na maioria das empresas os cargos de responsabilidade continuam sendo monopolizados por homens.
Teste de Bechdel: É um método para avaliar se um roteiro de filme, série, HQ ou outra representação artística cumpre os padrões mínimos contra a brecha de gênero. Foi cunhado quando da publicação do álbum em quadrinhos Dykes to Watch Out For (“Sapatas a observar”) e deve seu nome à sua autora, Alison Bechdel. A roteirista estabeleceu as bases para reconhecer o sexismo na cultura (atualmente, seu teste é muito usado no cinema) na tira The Rule (1985), em que uma mulher diz a outra que só vai ver filmes que cumpram três requisitos: precisam ter no mínimo duas mulheres, as duas personagens precisam conversar entre elas em algum momento do filme, e quando isso acontece elas não podem estar falando sobre um homem. Aplicar a regra a qualquer filme demonstra a proeminência do discurso masculino e revela que grande parte das personagens femininas só existe como escada do protagonista homem.
Feminazi: Popularizada pelo conservador Rush Limbaugh em 1992 para criticar o feminismo militante, essa palavra é usada em sentido pejorativo para se referir a feministas tachadas como radicais, sob o argumento de que o feminismo não procura a igualdade entre homens e mulheres. Em seu livro The Way Things Ought to Be (“Como as coisas deveriam ser”), Limbaugh compara as feministas pró-aborto aos nazistas, referindo-se ao movimento como um “holocausto moderno”. Atualmente, é um insulto frequente na boca de quem pretende desprestigiar o feminismo, e muitas mulheres que lutam pelos direitos femininos são chamadas de feminazis.
Sexismo: Discriminação das pessoas em razão do sexo. Embora o termo seja utilizado para se referir à discriminação contra ambos os sexos, o fato é que as práticas sexistas afetam principalmente as mulheres, dada a vigência de crenças culturais que as consideram naturalmente inferiores ou desiguais aos homens. Por exemplo, quem acha que as mulheres têm menos capacidade de tomar decisões ou de ocupar postos de liderança está sendo sexista. Também é sexista a atitude de impor uma noção de masculinidade (gênero) aos homens (sexo) e uma noção de feminilidade (gênero) às mulheres (sexo).
Machismo: O machismo pressupõe que as mulheres são por natureza seres inferiores aos homens. Também poderíamos dizer que é um conjunto de crenças, práticas sociais, condutas e atitudes que promovem a negação da mulher como sujeito em diversos âmbitos. Os âmbitos nos quais o gênero feminino é marginalizado podem variar (econômico, familiar, sexual, legislativo…), e, em algumas culturas, dão-se todas as formas de marginalização ao mesmo tempo. Certas vozes apontam que o feminismo não é necessário porque já não vivemos numa sociedade machista. Embora tenham ocorrido grandes avanços em termos de igualdade, vivemos uma miragem. O machismo é a razão pela qual as mulheres não chegam aos cargos de responsabilidade ou pela qual não ganham o mesmo que seus colegas. Também é o motivo que leva as mulheres a serem maltratadas e assassinadas. Porque o machismo mata.
Misoginia: É o ódio ou aversão a mulheres e meninas. Embora sua manifestação mais evidente seja a violência machista (seja física, psicológica ou simbólica), também a humilhação, a discriminação, a marginalização e a objetificação sexual da mulher são formas de misoginia.
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