Mordaça contra Suplicy
Carlos Alberto
Lungarzo
23 de
fevereiro de 2013
Durante a
visita ao Brasil da infoativista cubana Yoani
Sánchez Cordero, bacharel em linguística (filologia) e fundadora do Blog
Geração Y, sua passagem por diversos locais foram detonadores para
manifestações contrárias, algumas delas de volume desproporcional ao “dano” que
a visitante poderia produzir, e foi acompanhada de críticas e imprecações em
blogs e outros meios que são percebidos (ou, melhor auto-percebidos) como sendo
“de esquerda”.
Sánchez é
atacada pelas críticas que faz contra o governo cubano, o que entra em colisão
com setores políticos (alguns de partidos no poder) que consideram que qualquer
indicação de algo imperfeito nos herdeiros da Revolução Cubana, deve ser
considerado como sabotagem, aliança com o imperialismo americano, conivência ou
clientelismo com a CIA, e até uma espécie de “heresia bolivariana”.
Esse destempero
não tem, em si mesmo, a menor relevância, mas sim é relevante a forma procaz em
que seus autores tentaram denegrir a figura do senador Eduardo Matarazzo
Suplicy.
Conheço a
Suplicy, acompanho sua carreira desde que eu cheguei ao Brasil, e me orgulho de
ter podido colaborar com ele em várias ações, especialmente na defesa de Cesare
Battisti, através da qual o conheci há quatro anos.
Mas, quero
fazer uma breve análise sobre a relação de Suplicy com os DH e o socialismo e sobre
sua intervenção para que o governo cubano autorizasse a Sánchez a sair do país,
um direito que já os antigos romanos conheciam e (quase sempre) respeitavam.
Suplicy e o Caso Battisti
Suplicy não
tinha poder de decisão no caso Battisti, como teve o ministro Tarso Fernando
Herz Genro, que usou esse poder de maneira corajosa e honesta, deixando uma
marca de honra para o país, apesar de que, de maneira algo análoga ao que
acontece com Suplicy, fora criticado pela falsa esquerda, pelo populismo
oportunista e pelos setores da situação, interessados em negócios em não em
vidas.
Mas, em sua qualidade
de parlamentar influente e do senador mais prestigiado da América Latina,
Suplicy se comportou humildemente como o mais ativo, eficiente e constante
voluntário da causa de Cesare Battisti, ao extremo que ainda hoje deve sofrer
pressões e atos denigrativos por continuar, cinco anos depois, apoiando o
escritor italiano em seus problemas cotidianos.
Estes assuntos
estão brevemente destacados por mim na página 291 da edição brasileira de Os cenários ocultos do Caso Battisti, e
no capítulo 16 da versão francesa (algo maior que a brasileira).
O caso Battisti
é, desde que conheço o Brasil, o único que, como disse Tarso Genro num artigo
recentemente publicado, colocou a prova a qualidade da esquerda brasileira.
Pessoalmente, acredito ainda mais: foi o único caso que dividiu de maneira
límpida a verdadeira esquerda dos grupos que, por razões diversas, pensam sê-lo
e, na realidade, apoiam governos populistas (um pouco melhores, em alguns
aspectos, que as velhas oligarquias), porque isso lhes permite as vantagens de
estar na situação e não na oposição.
Idêntica doação
pessoal foi vista no caso Pinheirinho, quando Suplicy se debateu quase sozinho,
enquanto altos dignitários do governo federal e até responsáveis pelos direitos
humanos se limitavam a balbuciar alguns lugares comuns: barbaridade, absurdo, etc, em voz bem baixa
para não irritar a gangue fascista que governa o Estado onde aconteceu o
massacre.
Suplicy e a Política Exterior
Quando Suplicy
defendeu o direito da senhora Sánchez de sair de Cuba e vir ao Brasil, o ponto
evidente foi o respeito a dois direitos humanos básicos: o direito à liberdade
de expressão e o direito ao livre movimento, entrada e saída de um país,
permanência, etc. Isso foi repetido numerosas vezes, e ficou evidente em
inúmeros foruns. Por outro lado, é consistente com a posição equânime de
Suplicy em relação a Cuba.
Quando o
presidente Lula se referiu com desprezo à vida do dissidente cubano Zapata,
morto por greve de fome em 2010, a voz serena de Suplicy se vez ouvir por cima
das mais desumanas e ridículas considerações. Por exemplo, houve
“revolucionários” brasileiros que acusaram a Zapata de receber dinheiro da CIA para se suicidar, uma invenção delirante feita
pela agência Prensa Latina. (Ninguém explicou como usaria Zapata o dinheiro no
inferno, já que certamente não iria ao céu, pois o governo cubano é grande
amigo do Vaticano).
Nesse momento,
Suplicy teve a elegância de dizer que o presidente Lula deveria aproveitar sua
visita a Cuba para ensinar democracia e direitos humanos ao governo cubano.
Quem quer colocar a mordaça?
Existem várias
maneiras de entender a democracia. Uma maneira é a que atualmente defende o
capitalismo e a direita em geral, como se fosse a única forma: um governo
eleito por voto universal, onde os candidatos são, na maioria dos casos,
membros das elites que representarão, no parlamento, seus interesses. Quando
esses representantes sentem dificuldade em impor o poder da burguesia, esta
elimina a democracia com golpes de estado, como no Paraguai e em Honduras.
Por isso, no
Brasil, até partidos claramente fascistas, que defendem o trabalho escravo, a
expulsão de refugiados, o racismo, a xenofobia, os genocídios policiais, etc. podem
assinar usando a palavra “democracia” ou seus derivados. Assim também acontece
quando os partidos políticos de América Latina que defendem mais profundamente
um estado explorador, antipopular e repressor, se autodenominam
“socialdemocracias”. Mas não confundamos
os nomes com as coisas mesmas.
Apesar destes
usos impróprios, há um senso progressista de democracia, como governo que tenta
representar, pelo menos teoricamente, a vontade popular.
Democracia não é necessariamente de esquerda,
mas toda esquerda deve ser democrática. Não existe esquerda totalitária por
definição.
Talvez uma
minoria dos que se percebem como de esquerda, acredite na possibilidade de uma
esquerda não democrática. Mas, os que pensam que devem lutar pela ditadura do proletariado e pisar sobre
todas as condições democráticas e humanitárias deveriam entender duas coisas:
1º.
O que permanece vivo do Marxismo, como acontece com outras teorias científicas,
é a estrutura fundamental de conceitos e teses sobre realidade social, e não necessariamente as predições de fatos
futuros.
2º. Quando Marx fala da ditadura do
proletariado, não está falando de uma ditadura no sentido de tirania. Talvez os que pensam isto ficariam
surpresos se soubessem que, nos mais de 30 volumes das obras completas de Marx
e Engels, a palavra “ditadura do proletariado” aparece de maneira casual,
apenas três vezes, e não como uma categoria fundamental, mas como uma
referência secundária à luta do proletariado da Comuna de Paris.
O conceito de
“ditadura do proletariado” com sua carga autoritária surge depois da crise da
Revolução Bolchevista, quando Lev Trotsky foi expulso do partido e depois
perseguido. É aí que Dimitrov e Stalin tornam famoso o termo “ditadura do
proletariado”. Mas, inclusive na versão pós-marxista
do conceito de ditadura do proletariado,
que aparece estudada em detalhe num trabalho de Lênin (Estado e Revolução), não se fala do poder de um indivíduo ou uma
família que domina num país, mas da hegemonia do proletariado na sociedade,
substituindo a hegemonia da burguesia. Mesmo o conceito leninista de “ditadura
do proletariado”, que é pragmático e se baseia na utilidade política, não
identifica essa “ditadura” com “autoritarismo”. Muito menos ainda pode
encontrar-se esta identificação em Marx, Engels, ou os socialistas da época.
Os
que dizem defender o socialismo ou comunismo verdadeiros, mas tentam proibir ou punir a liberdade de opinião
estão cometendo um ato contraditório. Com efeito, qual é a vantagem para eles
de colocar uma mordaça em Sánchez e em Suplicy?
Querer
cercear a liberdade de expressão só faz sentido para as mensagens de ódio, que,
por sua simples repetição, podem desencadear grandes danos sociais, como
aconteceu no genocídio nazista, no de Ruanda, nas ações dos neofascistas, etc.
A
blogueira Sánchez pede a liberdade de expressão em Cuba, independentemente de
quaisquer outras posições que defenda. Eu acreditava que os autodenominados
militantes de esquerda também pediriam isso!
Direita e Falsa Esquerda
Os
setores de esquerda que repudiaram a presença de Sánchez fizeram um enorme
benefício à direita brasileira, uma das mais intrigantes e truculentas do
continente. É isso o que queriam? Ao
ameaçar e injuriar a Suplicy, animados com a “coragem” que sempre dá o linchamento
em grupo, desprezaram a proposta dele de discutir as coisas cara a cara.
É
verdade que a mídia e as gangues políticas que compram seus serviços, iam dar a
maior difusão a qualquer afirmação da blogueira que pudesse atingir o governo
cubano. Mas estava aberta a possibilidade de discutir com ela, como aconteceu
em outros lugares e na própria Cuba. Uma discussão carece de sentido quando é
notória a falsidade das afirmações de um dos contendentes. Nesse caso, a
polêmica pode contribuir a promover mentiras.
Entretanto,
no blog de Sánchez há pontos escuros, cuja veracidade ou falsidade não é
evidente, e que os defensores do regime de Cuba, se estivessem bem informados,
poderiam esclarecer numa polêmica bem fundada.
Se
estes grupos fizessem uma refutação razoável das acusações de Sánchez contra o
governo cubano, estariam dissipando as sombras que muitas pessoas neutras têm
sobre o governo que, alguma vez fora a tocha da esquerda no meio à escuridão do
fascismo latino-americano. Por que não tentaram?
Costumamos
dizer que a grande mídia não dá espaço para a dissidência, e isso é verdade.
Agora, uma figura como Suplicy, que a grande mídia tenta ignorar e distorcer,
mas deve respeitar parcialmente porque seu prestígio é grande demais, ofereceu
uma oportunidade de discussão aberta e democrática que foi repudiada pela
força.
Estes
episódios têm três consequências:
1.
Com respeito a blogueira Sánchez, o ataque a sua presença
vai deixar uma imagem ruim da “esquerda brasileira” nas comunidades da esquerda
independente e realmente marxista, que existem
mesmo, e que sempre defenderam as conquistas sociais do povo cubano,
sempre se opuseram ao terrorismo praticado pela CIA contra a ilha, e
continuamente reclamam o fim do bloqueio. Estas pessoas podem pensar que os
revolucionários latinoamericanos têm medo de discutir, e só sabem linchar. Ou
seja, vocês, companheiros, não prejudicaram à blogueira, mas a nós, que temos
convicções de esquerda e podemos ficar enlameados por este ataque vandálico. Ao
mesmo tempo, beneficiaram figuras asquerosas da direita brasileira, que
chegaram a pedir até a expulsão do embaixador cubano.
2.
Com respeito a Suplicy, os atacantes se estão somando
as agressões que ele recebe da direita há muito tempo e, o que é pior, da
direita do próprio PT. Há três décadas, ele representa a parte civilizada da
política brasileira e, dentro de seu partido, representa um setor racional e
ativo, que soube resistir com dignidade às obstruções e a sabotagem a sua
atividade e suas candidaturas.
3.
Com respeito ao governo Brasileiro, os colocadores de
mordaça estimulam a infâmia dos bloques parlamentares da direita, que conseguem
mais consenso para apoiar a blogueira. Como sua enorme miopia, estes setores
não entendem que estão ajudando a sabotar os elementos progressistas que ainda
estão no governo.
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