Os Cenários Ocultos do Caso Battisti
(entrevista com o autor)
Carlos Alberto
Lungarzo
1 de
fevereiro de 2013
O seguinte texto contém a entrevista
que fora feita comigo pela assessoria de imprensa da própria Geração Editorial.
Agradeço às assessoras Priscila e Adriana pela caprichada reprodução.
A entrevista, junto com a sinopse, o
histórico do processo e outras informações sobre o livro, foi publicada no blog da Editora Geração, cuja página da
web tem este link:
A continuação reproduzo a entrevista
na íntegra.
Entrevista com o autor
O que te motivou a escrever o livro?
Sou ativista de direitos humanos há muito tempo. Quando
tomei conhecimento de que tinha sido capturado um exilado político italiano no
Brasil pensei que a extradição seria rapidamente negada. De fato, o STF tinha
recusado a extradição de outros quatro italianos em condições similares e até
piores que a de Battisti. O último caso de negativa de extradição foi em 2005.
Não tinha motivos para duvidar que o STF continuaria nessa mesma linha.
Entretanto, em 2008 comecei a me preocupar pela enorme campanha de linchamento
orientada pela grande mídia e por outros setores da sociedade e decidi
colaborar com o escritor Celso Lungaretti, que na época publicava grande
quantidade de posts em defesa do italiano.
Qual a sua relação com Cesare Battisti?
Eu nunca tinha ouvido falar dele, nem
do grupo específico – chamado PAC – ao qual ele pertencia. Conhecia com
bastante detalhe os grandes grupos antifascistas da Itália como Poder Operário,
Autonomia Operária e Luta Contínua, mas não o PAC. Quando me embrenhei no
problema dele me aproximei do senador Suplicy, que foi a pessoa pública brasileira
mais ativa na defesa do escritor. Desde 2009, passei a visitar
Battisti na prisão de Papuda, no DF. Fiz diversas visitas e acabei me
identificando com ele, não apenas como vítima de perseguição, mas com o ser
humano bom, generoso e digno que é, além de excelente escritor. Dessa
identidade humanista nasceu uma fraterna amizade. Essa amizade não influi neste
livro porque o projeto dele estava traçado já nessa época. Antes de conhecer
Battisti eu já tinha absoluta certeza de que o STF atuava com parcialidade,
animosidade e em pleno acordo com o Estado Italiano. Ele era o principal
executor de um verdadeiro “linchamento anunciado”.
Você teve acesso a algum material
exclusivo? Por quanto tempo pesquisou o caso?
Durante mais de três anos consegui
levantar amplo material de pesquisa. Recebi relatórios da Anistia Internacional
de 1977 a 1982, além de vasto material de diversas entidades da Itália e da
França, como Antigone (Itália) e Liga dos Direitos Humanos (França). Destaco o
material semiexclusivo, que só era conhecido por um pequeno número de ativistas
franceses:
a) A sentença 1981 e 1983, com um total
de 1500 páginas, que a Itália não pode evitar mostrar à França porque foi
exigida como condição para a extradição. Nela, percebe-se que os delitos de Battisti
foram políticos: formação de quadrilha, porte de armas, assaltos para
financiamento de ações, etc. Não figura nem a menor suspeita de homicídio, nem
cumplicidade neles.
b) Outro material praticamente
exclusivo foi a documentação usada por uma perita grafológica francesa que
analisou as procurações que os juízes italianos usaram para argumentar que
Battisti tinha advogados. Mas, foi possível provar que essas procurações foram
falsificadas. Com as provas reunidas fiz uma apresentação e depois um vídeo onde
reproduzo como a magistratura, ou pessoas a ela submetidas, falsificaram esses
documentos.
c) Outros materiais semiexclusivos
foram relativos às negociações de Chirac com o Estado Italiano, em que fica
evidente a entrega de Battisti em troca de que a Itália assinasse um novo
documento sobre a Integração Europeia que aumentaria o prestígio de Chirac.
d) Recebi informação oral semiexclusiva
sobre os debates entre membros dos poderes públicos brasileiros sobre o caso,
que menciono no livro protegendo a fonte. O que não pude descobrir foi o
aporte financeiro da Itália para sustentar essa campanha, salvo
uma notícia menor, sem muita relevância, de um escritor que escreveu um livro
contra Battisti e recebeu uma propina bastante modesta: algo entre 20 e 30 mil
euros. Mas não pude saber quanto a Itália usou para subornar pessoas poderosas,
grandes mídias, etc. Embora tenha recebido informações de alguns dos melhores
especialistas europeus em parapolítica italiana, terrorismo de estado,
corrupção, etc., ninguém tinha informações concretas, que se pudesse
comprovar, e, portanto, acrescentar em meu livro. Segundo vários deles, no caso
de suborno a pessoas importantes o sigilo é tão absoluto que dificilmente um
jornalista consegue furar. Quanto à despesa total da Itália em propinas ouvi
boatos variados, que não se pode confirmar, mas alguns falaram de um total de
10 milhões de euros e outros citaram que seria entre 20 e 30 milhões de euros,
sem contar as despesas legais, como advogados.
Na sua opinião, houve uma conspiração
contra Battisti? Por que tamanha mobilização contra ele?
Sim, é bastante evidente que se trata
de uma conspiração, observando os materiais que estão em meu site e que
menciono no livro. Na Itália, a conspiração consistiu no acordo anti-Battisti
de todos os setores políticos e jurídicos. Vocês sabem que a Itália é um dos
poucos países que não têm esquerda parlamentar. Rifondazione Comunista, que era
um grupo de esquerda, perdeu, há alguns anos, todos os seus parlamentares. A
primeira conspiração foi entre os fascistas, como La Russa, Fini, Del Corato, e
outros, com restos decadentes e corruptos do que já fora o pós-estalinismo,
como o Partito Democrático de Sinistra. Ele se denomina “esquerda” (sinistra)
para fingir certo pluralismo, mas se nutre de oportunistas políticos, racistas,
xenófobos e especialistas em peculato. Há algumas exceções, muito poucas, nos
cargos menos poderosos, como vereadores de pequenas cidades, mas eles vivem sob
permanente ameaça.
O terceiro elemento na conspiração
foram as sociedades secretas, como a Máfia e a Igreja, mas, aparentemente, elas
tiveram um papel menor. Muitos defensores de Battisti sobre-estimaram o papel
de Berlusconi. No meu entender ele simplesmente aproveitou o ódio contra
Battisti para tentar ganhar popularidade e dinheiro. Mas o linchamento se
originou especialmente entre os fascistas e os antigos stalinistas.
Essa conspiração italiana procurou e
obteve a cumplicidade de um amplo setor da política brasileira, da classe alta
e média-alta do Sul e do Sudeste brasileiro, da magistratura e, sobretudo e de
maneira quase absoluta, da grande mídia.
A mobilização contra Battisti foi
produto da manipulação dos setores poderosos e teve causas diferentes. Na
Itália foi um sentimento de vingança, misturado com outros problemas que eu
analiso com detalhe no capítulo 20 de meu livro e é impossível fazer um resumo
de algumas linhas. Chamo a atenção para a palavra “vingança”, que em italiano é
vendeta. Essa palavra está incorporada a várias outras línguas devido ao
seu papel especial na cultura italiana.
No Brasil a classe média baixa e as
camadas mais populares não prestaram a mínima atenção ao assunto. Se indagados
diziam que não tinham opinião formada, mas, mesmo as pessoas mais humildes, mas
minimamente informadas, se sentiram agredidas pelos insultos da Itália contra o
governo e o povo brasileiro.
Realmente, no Brasil foi uma
mobilização das elites. Por quê?
Bom, o STF usou o caso para coagir o
governo e continuar seu plano de golpe branco contra o governo do PT, que vem implementando
políticas sociais e gerando avaliações extremamente positivas e vitórias
em processos eleitorais. Também para assustar o resto da esquerda do
continente. Outros se mobilizaram por dinheiro ou por alguns minutos de fama,
comum em intelectuais e profissionais medíocres, professores descerebrados,
advogados mercenários, enfim, habitantes do fundo da fossa moral.
O que nunca foi revelado do caso? O que
sempre esteve oculto durante o processo?
Algo que não foi revelado e que eu tampouco consegui apurar
foi o que disse acima: quanto dinheiro foi gasto em propinas e quanto recebeu
cada um. Outras coisas que foram mantidas ocultas no Brasil pela mídia e por
parte do STF são:
1.
Que os assassinatos atribuídos a
Battisti tinham autores conhecidos e que todos eles já haviam sido julgados e
condenados.
2.
Que os atos de violência da guerrilha
urbana na Itália foram uma reação contra a tortura, os massacres, os genocídios
feitos pelos fascistas e o pelo aparato do Estado.
3.
Que a própria Itália, ao julgar
Battisti, o definiu em 34 parágrafos como autor de delitos políticos e não
como preso comum, e que a Itália pedia sua extradição como preso comum. Dos
juízes, o único que revelou isto foi Marco Aurélio de Mello, mas, apesar da
precisão de sua fala, isso nunca foi divulgado pela mídia brasileira.
4.
Que o STF tinha negado extradição a
várias pessoas com perfil semelhante ao de Battisti: os quatro italianos que já
mencionei, e alguns latino-americanos (todos citados no livro).
5.
Que os deputados da União Européia que
apoiaram a Itália foram menos de 10% do total.
6.
Que no julgamento italiano, com
ausência do réu, não foi apresentada nenhuma prova material, nenhum relatório
de balística, e nenhuma testemunha do caso (das mais de 20 que foram arroladas)
que tenha visto Battisti perto do local dos homicídios.
7.
Que o principal delator de Battisti,
Pietro Mutti, nunca mais foi visto, e que as duas reportagens feitas pela
revista italiana Panorama foram falsas.
8.
Que calcula-se que entre 70% e 80% do
processo foi mantido oculto pelo tribunal de Milão. O material que eu consegui
foi obtido através de pessoas influentes na França e de importantes entidades
de direitos humanos na Europa.
Há ainda outros detalhes que estavam
ocultos para quem não teve acesso a parte do processo e que desvendo e
apresento no livro.
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