Saudades da Febem
Carlos A.
Lungarzo
AIUSA 9152711
Sete instituições de Direitos Humanos
que assinam a Nota Pública reproduzida neste post repudiam a transferência
ilegal de adolescentes a penitenciaria de Espírito Santo.
Este é mais um dos milhares de casos
de crueldade, barbárie prisional e sadismo descontrolado, com que as elites
brasileiras executam, de maneira permanente, seus planos de faxina social,
tentando destruir psicológica e fisicamente os jovens que, acossados pela
brutalidade do sistema social, são empurrados à infrações contra o sistema.
Estes fatos se repetem porque, mesmo
as pessoas bem intencionadas, parecem sentir medo de denunciar estes genocídios
aos organismos internacionais, e de pressionar para que o clube de algozes que
produzem estes fatos rocambolescos sejam punidos.
O mais odioso desse sistema foi o da
FEBEM de São Paulo, considerado o mais truculento centro de torturas e
genocídio induzido de Ocidente, inclusive em comparação com lugares terríveis
com as prisões para jovens de Guatemala e Colômbia.
Em meados de
julho de 2000, a Anistia Internacional divulgou em Londres um documento sobre a
FEBEM (Fundação do Bem Estar do
Menor), uma masmorra de São Paulo para menores marginalizados, que se tornou
marca internacional de sadismo carcerário. Nela são empilhadas crianças e
adolescentes que cometeram infrações triviais ou moravam nas ruas. As condições
de vida são tão atrozes, que nem o medo a represálias e tortura consegue
inibir as rebeliões frequentes.
Isso foi o
que aconteceu em julho de 2000, quando uma revolta de internos foi afogada em
sangue, e matou quatro cativos. O fato mereceu lamúrias do governador, mas,
apesar das fotografias e testemunhos vivos, não foi permitida nenhuma
investigação independente, e a repressão continuou crescendo. ONGs de direitos
humanos já tinham denunciado que umas 100 crianças por mês eram objeto de
tortura pelos guardas e “educadores”. A violência foi considerada pior que a
praticada pela ditadura do período 1964-1985. Cinco ONGs de direitos humanos
foram obrigadas a apresentar solicitações de visita muito antecipadas, para
dificultar a visão de atos ou rastos de sevícia. Todas as queixas dirigidas ao
TJSP para que ordenasse investigações foram rejeitadas.
Após o
assassinato dos quatro jovens, a Anistia Internacional publicou em Londres uma
documentada denúncia no dia 12 de julho de 2000, dentro de seu estilo cauteloso
e moderado, que, por exemplo, se referia à evidente cumplicidade entre juízes e
torturadores, com o gentil termo de “semicumplicidade”. Na noite seguinte, o
presidente do TJSP, Márcio Martins Bonilha, lançou um comunicado onde
injuriava a organização com desespero, a acusando até de violar as leis sobre a
“proteção da imagem do menor”, ao reproduzir fotos de crianças espancadas. Ele
não disse, mas a causa desta indignação era clara: os meninos tinham o direito
de serem torturados na intimidade de sua masmorra, sem estar obrigados a posar
para fotografias.
Apesar de seu
tamanho, vale a pena reproduzir a declaração do TJSP contra Anistia
Internacional[i]. Todos os grifos são meus.
A propósito de manifestação da Anistia
Internacional [...]
É inaceitável que
entidade internacional, sabidamente marcada por inclinação ideológica, possa interferir em matéria de soberania
nacional, imiscuindo-se em tema relativo à prestação jurisdicional, neste Estado
[...]
É inconcebível essa crítica suspeita e infundada, em relação ao
Judiciário, confundindo-se ação governamental própria com atuação independente
da Justiça. [...]
Admite-se a crítica construtiva, no plano elevado [sic!] das idéias, sob o
prisma jurídico ou dos conceitos abstratos, mas, jamais, a censura e os ataques
gratuitos e injustificados de entidade que se arvora (mas não em relação a todos os países [sic] o que, no mínimo, é
curioso), em censora de Poder de julgar constituído. Em nosso Estado, sob a
pena de se aceitar passivamente a interferência em parcela da soberania
nacional, representada pelo Poder Judiciário [...].
O que se lamenta é a conduta de alguns
elementos de setores inconformados, que, ao invés de buscar soluções no âmbito
interno, na ânsia de figurar sob os
holofotes da mídia [sic],
levam para o exterior um retrato deformado
da realidade [...] para alcançar notoriedade, e sensibilizar organismos
internacionais, em triste desserviço à Nação. A contribuição dessa natureza,
com fornecimento a terceiros de ilustração fotográfica de menores em rebelião,
configura afronta ao art. 247 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, diante da exigência da observância do
princípio do sigilo legal, especialmente, em relação à imagem do menor, o que
bem revela a leviandade de comportamento,
nesse particular.
Os membros da opinião pública com
mais capacidade de mobilizar devem pronunciar-se face ao risco de tornar-se
cúmplices de um tratamento dado a crianças, que, salvo pela quantidade, não
difere essencialmente ao que foi dado durante a 2ª. Guerra Mundial, aos
adolescentes presos pelas SS nos campos de concentração. As razões eram
semelhantes também. Os nazistas tinham um leque de inimigos muito grandes, mas
entre eles predominava o ódio racial, igual ao que acontece em alguns estados
brasileiros com os jovens afro-descendentes.
Os que preferem não tornar-se
cúmplices não têm outra alternativa que o confronto com os estados genocidas
que aplicam estas faxinas, como São Paulo e Espírito Santo. Esta prática
sistemática de tortura e genocídio não se supera com medidas mornas, junto a um
sistema judiciário que é cúmplice e, às vezes, instigador destes fatos. É
necessário mobilizar todos os recursos internacionais que sejam possíveis.
A continuação segue a íntegra da NOTA
PÚBLICA.
Pedimos a nossos amigos da Internet que difundam esta
nota a todos seus contatos e redes sociais.
Nota Pública
de Repúdio à transferência ilegal de adolescentes a penitenciária no Espírito
Santo
As organizações abaixo assinadas vêm
por meio desta manifestar seu veemente repúdio aos recorrentes episódios de
violência que aconteceram nas últimas semanas na Unidade Metropolitana de
Internação Socioeducativa de Xuri e que culminaram na transferência ilegal de
65 adolescentes para uma unidade do sistema penitenciário em Linhares/ES, no
dia 6 do corrente mês.
A transferência dos adolescentes para
uma Unidade do Sistema Prisional Humanos, ainda que em caráter provisório,
viola frontalmente os princípios que regem o SINASE (Sistema Nacional de
Atendimento Sócio Educativo), tendo em vista que o padrão arquitetônico e a
ausência de projeto pedagógico são inadequados para o atendimento
socioeducativo.
Ao transferir ilegalmente
adolescentes para o sistema prisional, o Governo do Estado fere a Declaração
Universal dos Direitos Humanos que completa amanhã 63 anos e descumpre as
medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA que
determina que desde fevereiro desse ano o Estado garanta a vida e a integridade
física dos adolescentes e funcionários sob a responsabilidade do IASES.
As organizações que assinam essa nota
exigem que os 65 adolescentes sejam imediatamente abrigados em unidades
socioeducativas compatíveis com a legislação nacional e convenções
internacionais de proteção à integralidade dos direitos das crianças e
adolescentes.
Vitória e Rio de Janeiro, 9 de
dezembro de 2011
Centro de Defesa dos Direitos Humanos da
Serra
Pastoral do Menor do Estado do Espírito
Santo
Justiça Global
Movimento Nacional de Direitos
Humanos/ES
Centro de Apoio aos Direitos Humanos
Valdício Barbosa dos Santos
Centro de Defesa Dom Tomás Balduíno
Centro de Defesa Regional Pedro Reis
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