sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O SECRETO PROTESTO DOS INTELECTUAIS CONTRA BELO MONTE


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Disseram-me que os Intelectuais vão protestar, sim, contra Belo Monte. Estariam se preparando para um grande protesto. Não só um abaixo-assinado, talvez até uma marcha para o local do floresticídio.

     ‘Marcha’ é força de expressão. Perdoem-me. A demora é porque alguns estariam preparando os seus aviões particulares; outros estão com a solene dúvida se irão com os seus carros ou de ônibus. Provavelmente escolham ônibus. É mais povo. E “todo artista tem que saber aonde o povo está”1 – uma frase célebre que revela que artista não é povo. O povo agradece, penhorado.

     E quando escrevo ‘intelectuais’, por favor, entendam que estou a me referir àqueles incensados pela mídia – que eles fingem desprezar – e, muitas vezes aliados do sistema – que fingem repudiar.

     Poderiam ser chamados de intelectuais endêmicos ao biossistema governamental. Mas existe vida no sistema governamental? Ou, ao menos, amor pela vida? A insistência com a construção de Belo Monte parece ser uma coisa mais vampiresca do que humana. E depois, a frase acima – “intelectuais endêmicos...” – está me cheirando a coisa de intelectual. Vamos deixar por intelectuais orgânicos do governo. Fica mais simples e mais objetivo. Aqueles intelectuais que ficam sempre à volta dos governos – sejam quais forem os governos. Conseguem empregos pra um e pra outro, às vezes jogam futebol com presidentes e presidenciáveis... Gente boa... Com um intelecto!

     Fico imaginando quem teria inventado a palavra “intelectual”... Deve ter sido alguém que se considerava tão superior, mas tão superior aos demais seres pensantes que considerou urgente encontrar uma palavra que indicasse, desvelasse a sua suprema inteligência – atribuindo-a a todos aqueles que considerava tão superiores quanto ele. Talvez um dicionarista.

     Daí, para se formar a expressão “classe intelectual” foi um passo. Todos os escolhidos adoraram.

     Pois os intelectuais estão se organizando para protestar contra Belo Monte. Secretamente, como convém. Como vocês sabem, intelectuais fazem tudo meio escondido, com olhares significativos e sorrisos esfíngicos. Inclusive, produzem em segredo. Porque intelectual não trabalha: produz.

     Essa notícia chegou lá do Maranhão – onde mora o Sarney - o dono do Senado e da Academia Brasileira de Letras. Veio chegando devagarzinho, como quem não quer nada, na sua tênue timidez de notícia quase secreta. Bateu na porta, aqui em casa, eu abri e ela disse:

     - Eu sou uma notícia que vem lá do Maranhão.
     - Você tá me parecendo é um pedaço de letra do Milton Nascimento.
     - É que eu não posso demorar...
     - Pois não demore.
     - Os intelectuais... Belo Monte...
     - Entendi.
     - Era só isso. Não espalhe.
     - Claro.

     Foi-se. Sabe-se lá para onde. Pareceu uma notícia fofoqueira, dessas que batem de porta em porta.

     Mas fiquei feliz. Os intelectuais e não só o Sarney, nem apenas o Milton... Quem sabe até o Chico! Fiquei feliz que nem lambari em dia de chuva calma.

     Pensei: “Eles estão percebendo que devem não só pensar e escrever e sabe-se mais o que... Mas participar do mundo que os cerca. Não ficarem como ostras fechadas que acreditam que guardam uma pérola e que o seu mundo é somente em torno dessa pérola...”

     E assim fiquei divagando por um bom tempo até me dar conta que os intelectuais deveriam ainda estar se organizando.

     Aí desesperei! Intelectual, quando resolve se organizar para alguma ação que não seja o bebericar do fim de tarde, leva anos. Ficam analisando prós e contras; tese, antítese e síntese... O que Proust pensaria; o que Nietzsche diria... Quantas calças de brim devem levar, como estará o clima no Pará, quantos shoppings devem existir em Belém, e, principalmente, o que a Dilma diria caso eles realmente fizessem algo contra Belo Monte – mesmo que fosse um simples manifesto...

     Se for um manifesto devem deixar claro para a sua presidente que não é nada pessoal, é só coisa de intelectual...

     E poderia ser assim:

     “Querida companheira e irmã de lutas renhidas.

     “Viver é lutar e estamos juntos com a companheira em todas as suas lutas, mas há algo que nos entorpece as noites e nos faz pensar menos. Chama-se Belo Monte.

     “Será que a companheira poderia, ao menos, adiar por alguns meses a escavação daquele buraco de 500 quilômetros quadrados que será tomado e coberto pelas belas águas do Xingu? Pelo menos, até baixar a poeira?

     “Atenciosamente.

     “Os Intelectuais.”

     Seria um texto simples e honesto.

     Não. Os intelectuais são intelectuais e agirão como intelectuais. Organicamente. Se eles escrevessem algo como o texto acima, não teriam mais a confiança do governo e isso os faria perder empregos, favores especiais, desesperar. Não apareceriam mais na mídia. E não aparecer na mídia é terrível para um intelectual.

     Mais fácil, mais intelectual e mais estratégico será um forte protesto – com choro, ranger de dentes, buzinas e bater de címbalos – logo após a construção da hidrelétrica.

     Todos reconhecerão que até os Intelectuais ficaram indignados com a mortandade dos bichos da floresta, com a devastação da natureza. Mas será fato consumado e eles continuarão amigos da Dilma e favorecidos pela mídia.

     Enquanto isto, enquanto as escavadeiras já estão lá no Xingu, devastando e triturando tudo o que encontram pela frente, graças ao IBAMA da Dilma, que deu uma licença espúria para liquidar a floresta e tudo o que existe dentro dela, e enquanto o Brasil inteiro geme por outras fúrias, os intelectuais se preparam – lenta e secretamente – para o seu histórico protesto.

     Uma dúvida cruel acelera as suas mentes em constante crescimento (além do “ser ou não ser”): antes ou depois?

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1 - Verso de Milton Nascimento.

Fausto Brignol.

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