segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Caso Battisti: Novo Libelo





Caso Battisti: Novo Libelo


Versão Atualizada e corrigida

Carlos A. Lungarzo

AIUSA 9152711

Recentemente, a revista brasileira Carta Capital publicou um conjunto de argumentos contra Cesare Battisti, assinados pelo magistrado Walter F. Maierovitch. A revista publica desde 2008 numerosos textos destinados a acusar Battisti dos supostos crimes que se lhe atribuem na Itália, a reforçar a posição do judiciário italiano e uma parte do judiciário brasileiro, e a denegrir todos aqueles que questionam a culpabilidade do escritor italiano, e/ou a performática vingança que os peninsulares tentam impingir.

Até onde eu pude ver, a maioria desses artigos são altamente redundantes e, embora muitas vezes falem dos autos e das sentenças, nunca tenho visto nenhuma citação concreta dos mesmos, muito menos alguma referência contextual que permita que o leitor verifique se as afirmações dos autores são o não verdadeiras. Tenho evitado sempre a discussão deste assunto, por entender que o caráter emocional, não fundamentado e tendencioso destes libelos transformaria em objeto respeitável de polêmica um conjunto de mensagens de ódio. Além disso, os ativistas de direitos humanos devem, na minha opinião, tentar desvendar a verdade e não estimular a diatribe alienante. Portanto, um conjunto de afirmações só deve ser discutido quando sua falsidade pode ser demonstrada.

Como este libelo recente parece tentar forçar uma decisão contrária a Battisti e ao decreto contra a extradição assinado pelo presidente Lula, quero convocar os leitores à verificação dos argumentos propostos pelo libelista. Deixo claro que coloco a disposição de todos os autos do processo que pudemos obter e outros documentos, em meu site:

http://sites.google.com/site/lungarbattisti

O artigo em discussão foi intitulado Battisti e o Decálogo às Avessas, e está dividido em duas partes, que apareceram em dois números consecutivos de Carta Capital.

Primeira Parte

A primeira parte pode ver-se em vários lugares, por exemplo, num link de Itamaraty:

http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/selecao-diaria-de-noticias/midias-nacionais/brasil/carta-capital/2011/02/14/battisti-e-o-decalogo-as-avessas-parte-1

(Para variar, o MRE não perdeu uma oportunidade de fazer propaganda de libelos de ódio contra Battisti.)

Na análise, vou seguir a ordem dos parágrafos nos quais o autor do artigo apresenta seus argumentos.

Com ou Sem Violência?

A primeira afirmação do autor do artigo, de que Battisti tenha negado qualquer prática da violência, é inexata. Deve lembrar-se que, no dia 19 de fevereiro de 2009, numa carta lida pelo Senador Suplicy, Battisti pediu perdão ao povo italiano, reconhecendo ter feito parte "de uma página da história que foi escrita a sangue, suor e lágrimas". Os fatos sobre os quais ele jamais admitiu responsabilidade são os 4 homicídios cujo apreço é o assunto da extradição 1085. Devemos diferenciar com calma entre cometer atos violentos, mesmo quando injustificados, e executar crimes contra a vida.

Sugiro reler algumas das versões dessa carta, por exemplo:

http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI3587496-EI306,00-Battisti+pede+perdao+apela+por+lado+cristao+de+italianos.html

O articulista afirma um fato autêntico, quando diz que Battisti foi preso no apartamento de Silvana Marelli (na Via Castelfi¬dardo, perto dos bastiões de Porta Nova, uma reconstrução das antigas muralhas romanas em Milão), mas comete um erro ao afirmar que ambos formavam um casal que administrava um depósito de armas. Eles tinham apenas uma relação de conhecimento circunstancial. Tendo Silvana uma situação mais estável, em seu domicílio dormiam com freqüência membros dos PAC, sendo que no dia da prisão de Battisti estavam aí Bergamin, Lavazza, Falcone e Giacomini. (SENTENCA de 1981, p. 376). Durante a repressão na América Latina, sempre as pessoas que tínhamos um status mais tranqüilo oferecíamos hospitalidade aos ativistas perseguidos.

A afirmação de que Silvana fosse condenada por 2 homicídios a 20 anos de prisão padece de alguns erros, pelo menos quantitativos. Ela foi condenada a 13 ANOS, (vide pág. 425 da SENTENÇA DE 1981), mas não pela participação em crimes contra a vida, mas pela posse de armas e propaganda ideológica. Este fato é enfatizado na página 413 da mesma sentença, nas linhas 14 a 18.

Tenuto conto della quantità di armi e materiali ideologici [...] contenuto na sua abitazione...

(Como curiosidade, desejo destacar que um grupo armado capturado durante uma das ditaduras argentinas (1966-1973), no domicílio de um casal, com 7 SW tipo Parabellum e algumas granadas, foi condenado a um ano de prisão.)

Nos documentos publicados pela justiça italiana não aparece nenhuma referência à Marelli que a vincule com assassinatos, pelo menos, de acordo com as SENTENÇAS DE 81 E 83. (Sabemos que mais de um 70% dos documentos não são acessíveis à defesa, mas se o articulista teve acesso a documentos sigilosos, deveria pelo menos, revelar isto. Já faz 32 anos de tudo isso, e citar documentos, mesmo secretos, robusteceria suas afirmações.)

O autor está certo ao denunciar que nesse apartamento foram encontradas armas, cujo elenco aparece na SENTENÇA DE 81: um fuzil AXM 7.62, uma Browning e uma Beretta, ambas de 9 mm, dois revólveres, um 38 e um 357, e duas granadas de mão, todos eles aptos para o uso, mas, segundo a perícia da época, ainda não utilizados.

Em diversas oportunidades, a menção deste conjunto de armas na mídia italiana e na brasileira, teve por objetivo (1) vincular Battisti com a luta armada, e/ou (2) acusar Battisti de tê-las usado para matar. Se o objetivo do autor do artigo é o (1), devemos esclarecer que jamais ninguém da defesa de Battisti negou que ele estivesse envolvido com uso de armas. Aliás, este fato foi a causa de sua condenação a 13 anos de prisão, em 1981, reduzidos a 12 anos e 10 meses, quando já estava foragido. A posse de armas por Battisti no ano 79 não é um dos argumentos para o pedido de extradição e sua citação nesse contexto é extemporânea.

Se o intuito é o 2º, devemos advertir que as armas curtas empregadas nos 4 homicídios não podem pertencer a esta dotação. Com efeito:

Santoro recebeu tiros de Glisenti 20, segundo a SENTENÇA DE 1988, um fato que foi admitido pelo próprio voto do ministro Peluso na pag. 127. Ninguém, de qualquer posição, pode suspeitar que o ministro Peluso tivesse a mínima tendência para tornar menos extrema a situação de Battisti. Logo, se ele não citou nenhuma das armas da dotação, é quase impossível que alguma delas tenha sido utilizada. (É verdade que Peluso copia, quase sempre, as afirmações da Itália sem evidente entendimento das mesmas, e talvez tenha acreditado que entre as armas apreendidas no apartamento de Silvana havia uma Glisenti. O senhor relator talvez deva revisar seus conhecimentos de balística.)

Sabbadin (SENT 1988, p. 447 lin. 1-4) foi atacado com uma pistola semi-automática 7.65 do arsenal pessoal de Giacomini. A arma que matou Torregiani e Campagna era sim, do calibre de uma das encontradas, 357. Entretanto, os magistrados italianos acreditam que a arma seja a mesma em ambos os casos, de propriedade de Memeo, e, segundo parece, seria uma Phiton, registro 98257E (p. 246), roubada da loja de armas Liosi, mas não aquela encontrada na casa de Silvana.

São necessárias algumas observações sobre o caso do médico Diego Fava, ferido pelos PAC, e sobre o juiz Luigi de Liguori, supostamente alvo de uma cilada dos PAC que não atingiu sucesso.

No interrogatório de 08/02/1982 (SENT 88, p. 212) Pietro Mutti atribui o ataque contra Fava a ele próprio, a Cavallina, Sebastiano Masala, Lavazza e Battisti, mas posteriormente (p. 214, SENT. 88) acrescenta o nome de Roberto Silvi. Em seu peculiar estilo de afirmações e retificações, Mutti responde aos juízes que não denunciou Silvi antes, porque desejava poupá-lo, por causa de sua personalidade sensível. Mutti disse também que a pistola de Battisti não funcionava, o que foi sua única declaração explícita envolvendo Battisti no atentado, sem determinar, no entanto, qual foi o grau de responsabilidade do “romano” nas feridas de Fava.

As principais fontes italianas que atribuem a Battisti o atentado contra o magistrado Luigi de Liguori são os artigos de Giuseppe Cruciani e a Revista Panorama. Não há referências explícitas nos autos disponíveis. Em português, há numerosas matérias, pouco diferentes uma da outra, todas em Carta Capital.

As restantes histórias contadas pelo articulista no parágrafo seguinte, como o caso Barbetta, foram repetidas dúzias de vezes pelos próprios autores, e replicadas por centenas de panfleteiros. Cabe destacar, como sempre, que Barbetta contou uma “fofoca” que Battisti lhe teria contado sobre sua participação na morte de Santoro, o que, não é equivalente a afirmar que a jovem professora foi testemunha do delito.

Pesquisadora ou Inventora?

A teoria das procurações falsas não é um invento, mas uma descoberta, da arqueóloga Fred Vargas, que submeteu os documentos a Evelyne Marganne, perita grafóloga do Tribunal de Recursos de Paris. Ela não conhecia ninguém do grupo de Cesare, nem mesmo Fred, e não tinha motivos para mentir. Aliás, como perita da alta corte, Marganne poderia ter sido seriamente punida se oferecesse um laudo falso. Ela, de fato, encontrou outras fraudes nas procurações, como envelopes adulterados, algarismos falsificados, nomes modificados, etc. A perita mora em Paris, tem o telefone, 01 55 43 51 06, e nunca recusou até agora uma consulta sobre o assunto Battisti. Qualquer pessoa identificável pode tentar contato com ela.

A entrevista feita por Andrei Netto, no Jornal O Estado de São Paulo, para a qual fui gentilmente consultado por telefone desde Paris, é a primeira difusão pública da falsificação feita pela mídia. O fato tampouco mereceu atenção do judiciário, que se negou a submeter os documentos a uma perícia em solo brasileiro, com peritos oficiais da justiça nacional. Aliás, dois membros da Corte receberam esta proposta de Fred Vargas, que visava esclarecer a verdade no caso, como intromissão nas atividades do tribunal. O reforço do devotado senador Suplicy no caso foi alvo de sarcasmo por parte da imprensa marrom jurídica. Os juízes que assim reagiram mostravam sua repulsa pela verdade e, além disso, a crença de que a vida e liberdade das pessoas é assunto privado da magistratura. Pelo contrário, vários magistrados honestos e membros de governo se interessaram pela informação de Vargas. Aliás, até algum alto funcionário italiano perdeu seu posto por acreditar na acusação.

De que as duas procurações foram obtidas por decalque de um terceiro documento, não há dúvida nenhuma. Ninguém poderia ter escrito duas cartas de 8 linhas que coincidissem quase exatamente como se fossem duas Xerox, salvo usando decalque. Segundo a geometria da escrita, a probabilidade de que isso aconteça é < 10(-18).

Procurado por jornalistas, o magistrado italiano Armando Spataro tratou o assunto com desprezo e disse que “nem queria perder o tempo com isso”, mas jamais demonstrou que a prova fosse incorreta. Para os que o entrevistaram, o contato com o magistrado foi rápido e ríspido, deixando claro quanto o assunto incomodava.

Por outro lado, minha demonstração animada do processo de falsificação está em meu site, em meu blog, em diversos blogs e neste link do You Tube.

http://www.youtube.com/watch?v=DveRg7JLv58

O magistrado Maierovitch critica o jornalista Andrei Netto, porque violou o princípio básico do jornalismo: não ouviu a outra parte, ou seja, os “advogados” de Battisti. Esta é uma objeção muito séria, que pertence à tradição mais respeitável da imprensa livre. A única pena é que o juiz esqueceu dois pequenos detalhes:

Um dos advogados está morto há anos. Após o fim do julgamento, Gabriele Fuga, que permaneceu durante todo o processo sob enorme tensão, após de ter sido torturado em Florença, e tendo possivelmente sua família ameaçada, abandonou a Itália e se radicou em Paris onde morreu pouco depois. Creio que pode perdoar-se ao jornalista Netto não ter entrevistado um morto, especialmente se Netto não for médium.

O outro advogado não quer morrer tão cedo. Giuseppe Pelazza é ainda uma pessoa atuante, mas há tempo que se furta de dar entrevistas. Em nossa conversa telefônica com o jornalista Netto, que foi muito objetiva e técnica, eu comentei que Pelazza parecia difícil de ser entrevistado. Com notável espontaneidade, o jornalista respondeu: “é verdade... eu tampouco consegui entrevistá-lo”.

Deve exigir-se honestidade das pessoas que se envolvem em assuntos públicos, mas não é justo pedir de alguém que se transforme em mártir. Pelazza parece ter mostrado boa vontade, já que, durante o julgamento, disse várias vezes que “Battisti não tinha tido um julgamento justo”, o que foi divulgado amplamente pelo advogado Luís Roberto Barroso. Ora... exigir que Pelazza confirme a falsificação seria pedi-lhe que assine sua sentença de morte, como tantos outros que denunciaram a máfia política italiana (que o diga, desde o além, o coitado jornalista Mino Pecorelli).

Ainda, Maierovitch diz que Fuga recebeu a procuração de Battisti, mas não a usou porque estava preso. Vejamos os detalhes.

Fuga esteve preso muito antes da reabertura do processo contra Battisti. Como Fuga era “incômodo” por sua defesa de presos políticos, foi ordenada uma blitz em seu escritório de Milão, onde foi capturado e transferido a Florença. Aí, foi interrogado no final de abril de 1980. (O julgamento novo de Battisti se reabriu após 1982, em data imprecisa.) No dia 2 de maio, com a colaboração de um pentito, os magistrados acharam um pretexto para mantê-lo 15 meses em prisão “preventiva”. Portanto, sua saída foi em julho de 1981, quando Battisti ainda não tinha fugido de Frosinone.

Nessa época, as procurações, fossem falsas ou autênticas, ainda nem tinham sido redigidas, como se infere pelas datas. Portanto, dificilmente poderiam estar em poder de Fuga, seja que ele estivesse preso ou livre

Segunda Parte

No número 634 de Carta Capital, pp. 32 e 33, o magistrado Walter F. Maierovitch publicou sua segunda parte do DECÁLOGO ÀS AVESSAS.

Neste comentário, numerei os parágrafos em forma crescente, de acordo com os números consecutivos dos “pontos parágrafos”, com independência da divisão interna do texto original em seções, estejam ou não numeradas.

“Justiça” Européia

No §2 o magistrado menciona mais uma vez a posição da Corte Européia que, segundo este, teria repudiado as “falácias” do Battisti. Todavia, nem sempre é fácil encontrar, salvo nos documentos que a própria ECHR publica sobre si mesma, opiniões totalmente favoráveis ao funcionamento do alto tribunal.

O site http://justeurope.unblog.fr/european-court-human-rights/, é mantido por várias ONGs francesas independentes de Direitos Humanos, cuja opinião (embora não possa ser aceita sem verificação como acontece com todo documento) é considerada imparcial pela maioria dos envolvidos. No artigo European Court Human Rights relata:

96 percent of applications are summarily rejected by EC(t)HR. One third of all applications are dismissed on administrative grounds. The remainder is generally dismissed by a three judge filtering committee making unmotivated decisions notified to applicants by a standard letter

96% dos pedidos são recusados sumariamente […]. Um terço de todos os pedidos é recusado por razões administrativas. O resto é geralmente recusado por um comitê “filtrador” de 3 juízes que tomam decisões imotivadas, que são comunicadas aos peticionário com uma carta burocrática padrão. [Grifo meu]

É razoável pensar que o caso Battisti não se inclua naquele 4% restante. Parece óbvio que uma instituição que rejeita sem motivo 96% das petições a ela dirigidas, com maior razão rejeitará a de uma figura perseguida pelo estado Italiano e, já no ano 2005, pela França. Não deve confundir-se o caráter prevalente e essencial dos direitos humanos, com sua manipulação política, como fazem os governos, e os organismos cujo intuito é agradar esses governos. Há várias exceções, mas não cabe julgar pela exceção.

Delatores e Testemunhas

O §3 se refere a Mutti, sobre o qual o autor repete o dado fornecido por uma revista, de que este recebe 1700 euros por um humilde trabalho numa cooperativa. O problema é dar provas da existência e visibilidade do ex-delator. Desde há muito tempo, o único que se sabe dele provém de uma “entrevista” de Giacomo Amadori, na Revista Panorama de 25/01/2009, onde se colocam em sua boca algumas frases que já tinham sido utilizadas em sua época de informante, e também de outra entrevista posterior do mesmo Amadori (em Panorama de 12/01/2011), que difere na primeira em dois aspectos. (1) Após reclamos de leitores que queriam ver uma foto de Mutti, na segunda entrevista se coloca uma que foi tirada em 1982 ou 1983 (!!). (2) Como também pairaram dúvidas sobre o paradeiro de Mutti, o repórter lhe pergunta se está clandestino, ao que Mutti responde que não, que está com seus documentos originais, e pode mostrar a quem quiser. Mas, em nenhum momento respondeu as mensagens que se enviaram aos possíveis lugares com os quais teria contato.

No §4, repete-se a frase dos magistrados italianos, que elogiam Pietro Mutti em toda sua carreira de delator. Em particular, afirmam que não tinha nenhum rancor contra Battisti como o prova o fato de que o ajudou a fugir da cadeia. Os magistrados italianos elogiam o sistema de chamata em correità (delação) em geral e a conduta de Mutti em especial, em grande parte da SENT 1988 (pp. 127 a 160). Ainda, a partir da p. 151 santificam a figura de Mutti, que qualificam de honesto, coerente, prestativo, delicado em suas acusações, respeitoso da justiça, e outras pieguices. Estes elogios são pelo menos inesperados em membros de uma casta elitista que se acha acima dos homens e próxima dos deuses, para referir-se a um marginal, pobre, que atacou membros do establishment, e que ainda diz ser marxista. O leitor que leia estas 30 páginas perceberá que os magistrados se esforçam por tornar verossímeis as difusas e, às vezes, contraditórias denúncias de Mutti.

No §5 se repete a conhecidíssima história da SENT 88, segundo a qual Battisti foi escolta de Giacomini na morte de Sabbadin. Também, o articulista quer enfiar na cabeça do leitor que os apoiadores de Battisti agem de má fé, porque teriam afirmado que a justiça italiana acusava Battisti de ter estado, quase ao mesmo tempo, no crime de Sabbadin e Torregiani, a 300 Km. de distância. Não é má fé.

Sempre a Itália disse que Battisti estava presente no crime de Sabbadin. Por outro lado, alguns funcionários cometeram “gaffes”, acusando Battisti de ter estado também no assassinato de Torregiani. Talvez por não lembrar qual foi a história inventada na época, há poço tempo (foi em 2008), o procurador Spataro disse que Battisti tinha “fuzilato” Torregiani. Isso quer dizer, tanto em italiano como em português, que tinha disparado contra ele. Entretanto, há muito tempo que a Itália divulga a versão de que Cesare não esteve presente na morte de Torregiani e, a partir desse momento, os que defendem a Battisti deixaram de referir-se àquela “simultaneidade”. Não é má fé citar argumentos na forma em que foram formulados pelas próprias autoridades.

No §6 se repete um argumento que já apareceu em Carta Capital há alguns meses. Giacomini tinha confessado ser autor do crime de Sabbadin, e tinha dito que estava com um amigo cujo nome não revelou. Tudo isso é verdadeiro. Mas o articulista acrescenta que o co-autor foi reconhecido como Battisti pelas “testemunhas presenciais”!

As únicas pessoas que estavam no local eram a esposa da vítima, Amalia Spolaore, o filho Adriano, um cliente chamado Giuseppe Rocco, e outro cliente cujo nome não é citado. Rocco prestou depoimento em outubro de 1988, onde diz que um dos atacantes (não explicita qual) usava uma capa de chuva, mas que não lembrava nada do outro. Quantas capas de chuvas se vendem por ano na Veneza? Amalia, por sua vez, disse ter visto os atacantes, mas manifestou medo de confessar. Não sabemos se esse medo era real ou imaginário, mas o que se sabe com toda certeza é que a partir da morte de seu marido, ela nunca fez nenhum reconhecimento nem fotográfico nem pessoal de nenhum dos atacantes, nem falou seus nomes.

Adriano disse, até o dia de hoje, que viu se pai morrer e que os arrependidos (delatores) disseram que um de ambos era Battisti, e por isso acreditava. Jamais disse que viu Battisti no cenário do crime.

Nos §§ 7 e 8 se repetem trechos do depoimento de Mutti, e mais uma vez se acusa de má fé aos que afirmam a presença de Battisti em ambos os crimes (o de Torregiani e o de Sabbadin). Maierovitch insiste em que a Justiça italiana não acusa a Battisti dessa “dupla presença”. Insistimos em que, desde há mais de um ano, quando a Itália deixou de veicular esta dupla presença, os defensores de Battisti deixaram de falar no assunto.

No §9, o autor repete outro trecho da sentença, onde se afirma que foi Battisti que comunicou por telefone a realização dos crimes à agência ANSA de Mestre (VE). Embora Maierovitch tenha tido o bom senso de não citar o trecho completo, a sentença explica como souberam que era Battisti. A SENT 88 afirma que “o jornalista que recebeu a chamada disse que tinha sotaque levemente meridional”. Battisti é latino e passou boa parte de sua vida no norte: seu sotaque é tão meridional como o sotaque de Pelé é nordestino.

No §10 há novos extratos da sentença, em partes que foram contadas por Mutti, mas no §11 há uma lista de pessoas que confessaram seus crimes. Essa lista é quase completamente verdadeira.

Mais “Justiça” Européia

No §12 o autor disse que a ECtHR não estava formada por juízes totalmente franceses, mas apenas por um francês e outros de países diversos. Sei que alguns simpatizantes de Battisti usaram o argumento de que todos os membros eram franceses. Desconheço a origem deste boato, mas estou contra este argumento. A parcialidade da ECtHR não depende tão mecanicamente da nacionalidade do julgador, embora ela possa influir e, aliás, é provável que a maioria não fosse francesa.

O que é necessário ver é que a ECtHR, como outros organismos internacionais dominados por países centrais, lidam com os direitos humanos em função de interesses políticos e econômicos e não humanitários. Lembremos que o ex-secretário de DH do Brasil, Nilmário Miranda, disse uma vez que era necessário cogitar a saída do Conselho de DH da ONU, por causa de sua parcialidade. Pensemos que a ONU é bastante mais universal que a União Européia, e mesmo assim, muitas vezes tem sido denunciada por suas decisões sobre DH.

No Caso BATTISTI contra FRANÇA, processo num 28796 de 2005, depois de algumas poucas linhas de relato sobre a história de Battisti, o tribunal declara inadmissível a apelação com a maior superficialidade. Veja o texto literal:

Inadmissible: The applicant had patently been informed of the accusation against him and of the progress of the proceedings before the Italian courts, notwithstanding the fact that he had absconded. Furthermore, the applicant, who had deliberately chosen to remain on the run after escaping from prison, had received effective assistance during the proceedings from several lawyers specially appointed by him.

Hence, the Italian and subsequently the French authorities had been entitled to conclude that the applicant had unequivocally waived his right to appear and be tried in person. [Grifo meu]

Versão Francesa do § principal: La Cour constate dès lors, au vu des circonstances de l'espèce, que le requérant était manifestement informé de l'accusation portée contre lui, ainsi que du déroulement de la procédure devant les juridictions italiennes et ce, nonobstant sa fuite. Par ailleurs, le requérant, qui avait délibérément choisi de rester en situation de fuite après son évasion de 1981, était effectivement assisté de plusieurs avocats spécialement désignés par lui durant la procédure

Recurso não admissível: É patente que o solicitante tinha sido informado da acusação contra ele e sobre o progresso dos processos junto às cortes italianas, a despeito do fato de ter-se escondido. Além disso, o solicitante, que tinha escolhido deliberadamente permanecer foragido após escapar da prisão, tinha recebido efetiva assistência durante os processos por vários advogados especialmente contratados por ele.

Portanto, as autoridades italianas e depois as francesas entenderam que o solicitante abriu mão de seu direito de ser processado em pessoa.

É fácil ver (sugiro ler a sentença completa no site da ECtHR) que a decisão repete os mais baixos chavões usados sempre contra os que são julgados em ausência, o que justamente a ECtHR tinha criticado duramente quando era menos corrupta. Por exemplo, “aquele que foge é porque tem culpa no cartório”, “a santidade de um tribunal é indiscutível”, “se você tiver advogados nunca será vítima de injustiça” e outros slogans como contavam nossos avôs quando ainda não tínhamos Internet, e éramos crianças ingênuas.

Veja a base de dados HUDOC em http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/portal.asp?sessionId=66870070&skin=hudoc-en&action=request

A decisão da ECtHR é totalmente tendenciosa, e trata a fuga como se fosse um crime, quando, até para o velho direito romano, a fuga não agravava a culpabilidade no delito atribuído ao foragido. Aliás, grandes uniões de juristas europeus, especialmente britânicos, têm repudiado a doutrina de que a revelia é prova de abdicação do direito de defesa.

Acredito que os juízes da ECtHR pensaram que Cesare estava clandestino porque morava numa cidade chamada “Puerto Escondido” (Oaxaca, México.)

Um fato que deve ser lembrado é o resultado da ratificação da Constituição Européia a partir de 2005. A Constituição foi ratificada em países de tradição fascista como Itália, Espanha, Alemanha, Áustria e Bélgica. Mesmo assim, salvo Espanha, os outros países nem mesmo convocaram plebiscitos, apesar da enorme importância do assunto, e utilizaram seus próprios órgãos legislativos para decidir. Na Espanha, onde foi realizado um referendum, a participação foi de apenas 42,32% da cidadania. Em países sem poder internacional, colocados sob o jugo da Nato (Lituânia, Hungria, Eslovênia, Grécia, Malta, Chipre, Letônia, Luxemburgo, Estônia, Bulgária, Romênia, Eslováquia), a ratificação foi aprovada ou bem de ofício ou bem pelos órgãos legislativos normais, como se fosse uma lei qualquer. A exceção foi Luxemburgo, o único que fez um referendum. A França, a Holanda e a Irlanda votaram contra, o Reino Unido suspendeu a decisão (mas pesquisas informais deram vitória à rejeição), e os países Escandinavos pediram mais tempo. Não pode dizer-se que a desconfiança contra a UE seja uma conspiração da esquerda, pois também partidos da direita se opuseram à ratificação. O medo dos cidadãos opostos à constituição européia parece ser o risco de perder sua liberdade, que é um medo muito natural e é compartilhado por ideologias diversas.

Crimes Políticos ou Comuns?

No §14, Maierovitch disse que os crimes de sangue não podem ser considerados políticos, e que esse entendimento é fundamental para os direitos humanos porque todo ser humano tem direito a viver. Ora, é necessário perceber que proteger os direitos humanos implica resguardar a vida e a integridade física e psíquica das pessoas, e punir seus violadores, mas não implementar uma vingança contra eles, ou, pior ainda, montar uma vendetta contra supostos violadores, cujas culpas foram forjadas.

É óbvio que alguém que mata outro, mesmo que seja em legítima defesa, lhe priva do direito à vida. Mas, um crime é político, quando seu autor é encurralado pelo poder, ficando obrigado a render-se ou a violar as leis, como acontece nos números casos de resistência popular, sejam ou não contra ditaduras, ao longo de 40 séculos de história. Atualmente, além de terrorismo e crime comum, existe revolta violenta de cidadãos normais contra as atrocidades policiais e militares em muitos lugares, como na Colômbia e no México, que são as duas democracias mais antigas da América Latina.

O crime político pode ser tão ou mais horrível que o comum, mas os países que reprimem delitos apenas porque desafiam seu poder (e não porque violem os DH), nunca dariam um trato justo aos infratores, salvo em caso de uma anistia. Que o diga Adriano Sofri que amarga uma dura condena por ter denunciado que o delegado Calabresi era um torturador.

Mas, é falso que a figura de “crime político” serve apenas à esquerda. Militantes fascistas que atuaram contra o poder e não em seu favor, e cometeram crimes que não são de lesa humanidade, podem ser considerados, em alguns casos, infratores políticos, enquanto alguns antigos dirigentes de países comunistas devem ser considerados genocidas.

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