Logo que foi noticiado o plano cubano de demitir 500 mil funcionários do setor estatal, equivalentes a quase 10% dos trabalhadores do país, eu já lamentei a sorte dos coitadezas que não têm "sequer um sindicato que os defenda da guilhotina, digo, do enxugamento de quadros".
Exatamente uma semana depois, a enviada especial da Folha de S. Paulo a Havana bate na mesmíssima tecla, qualificando de "fenômeno original" o papel assumido pela entidade sindical, a Central dos Trabalhadores de Cuba, de anunciar e administrar o passaralho: "em vez de defender a manutenção dos empregos, é quem apresenta as propostas de cortes".
Pior ainda é a realidade que a retórica dos dirigentes nos permite vislumbrar:
"Não é possível manter três motoristas por equipe, pagando salários que não têm respaldo na produção" (Salvador Valdés Mesa, secretário-geral da CTC).
"[a reestruturação visa coibir] a baixa produtividade, as indisciplinas, as violações do estabelecido, o roubo, a falta de ética e atuações ilícitas por falta de exigência e rigor" (jornal Trabalhadores).
Para Valdés Mesa, a degola é necessária para a defesa da Revolução. "E, defendendo a Revolução, defendemos os trabalhadores."
Primeiramente, o óbvio: é repulsivo estarem apresentando medidas de ordem macroeconômica como se fossem tão somente um castigo para os trabalhadores relapsos.
Já não basta atirá-los na rua da amargura? Ainda têm de expô-los à execração dos demais, ao trombetearem que a culpa é deles mesmos?
O certo é que, por diversos motivos, dentre os quais o embargo estadunidense, o modelo cubano não estava funcionando e se decidiu admitir que os investimentos privados tenham maior peso na atividade econômica (hoje, sua participação está na casa de 5%).
Era isto que deveria ser exposto, honestamente, ao povo cubano. A verdade é revolucionária, lembram?
Mas, este poderia concluir que, afinal, os dirigentes não são infalíveis, errando como qualquer humano erra.
Então, para que não pairasse dúvida acerca da divindade da nomenklatura, o jeito foi vilificar os demitidos, erigindo-os em bodes expiatórios.
Que cada companheiro decida de que lado está, quando se chocam os trabalhadores e o Estado que deveria a eles pertencer. Eu me alinharei sempre com os trabalhadores.
De resto, fica mais uma vez evidenciado que eles não estão encarando o trabalho como sua contribuição para a sociedade. Têm a mesma má vontade e os mesmos desígnios individualistas de quem está submetido ao capitalismo.
Para não alongar esta discussão, constatarei que, se isto ocorre após cinco décadas de Revolução, só podemos depreender que:
- ou os trabalhadores querem mesmo é melhora material, consumismo, lixando-se para a libertação da sociedade como um todo -- o que implicaria a inexistência de esperança para a humanidade;
- ou o que pegou foi só a tentativa de se construir o socialismo num país isolado e atrasado.
Fico com Marx: nosso objetivo não é a igualdade na penúria, mas sim a distribuição equânime das riquezas.
As que já são geradas e as que o seriam caso o labor dos homens priorizasse o socialmente útil, descartando o suntuário e o parasitário (cujo peso é cada vez maior, à medida que se aprofunda a degenerescência do capitalismo).
A mudança de foco -- da ganância e da busca do privilégio para a solidariedade e o bem comum -- ou se dará em escala mundial, puxada pelos países de economia mais avançada, ou vai abortar, gerando modelos híbridos como o soviético, o chinês e o cubano, que fracassam e acabam reintroduzindo o capitalismo.
Estou sendo herético?
Não, estou apenas resgatando o Marx original, que pouca gente leu.
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