A Folha de S. Paulo, como o leopardo, não perde as pintas. Usa sempre os mesmos subterfúgios para esquivar-se de seguir as boas práticas jornalísticas.
Em 1994, o escritor Marcelo Paiva me fez acusação gratuíta e gravíssima na capa da Ilustrada e tive de brigar muito, apelando inclusive ao próprio diretor de redação, para que respeitassem integralmente o direito que o próprio manual de procedimentos do jornal me concedia: o de que fosse publicada minha réplica e, havendo tréplica, também um pronunciamento final.
Quiseram escamotear o último, alegando falta de espaço por causa da Copa do Mundo. A redação e a própria ombudsman da época tentaram sair por essa tangente. Quando cobrei do Otavinho Frias Filho a observância das normas do manual por ele introduzido, muito a contragosto, o jornal aquiesceu.
Só que, àquela altura, nenhuma das partes tinha fontes ou evidências irrefutáveis para lastrear suas afirmações. Acabou ficando minha palavra contra a do Paiva.
Dez anos e alguns meses depois, encontrei a prova de que necessitava -- um relatório confidencial de operações do II Exército -- e apelei à Folha, no sentido de que fosse esclarecido definitivamente o episódio, em benefício dos leitores e da minha honra.
Enrolaram-me durante umas três semanas, incumbindo o diretor da sucursal do RJ de receber a minha versão e preparar uma matéria... só que ele sempre alegava ter algo mais urgente para fazer.
Finalmente, o grande historiador Jacob Gorender enviou carta ao Painel do Leitor da Folha, fazendo a autocrítica dele, Gorender, por haver acreditado na versão que me dava como delator da área de treinamento guerrilheiro em Registro, quando escreveu seu clássico Combate nas Trevas.
A Folha aproveitou a oportunidade para se livrar de uma obrigação que relutava em cumprir: comunicou-me que considerava a publicação da carta do Gorender como suficiente para reposicionar a questão, inteirando os leitores da nova evolução do caso.
Ou seja, Gorender fez sua autocrítica. E quanto à Folha, que me havia lançado uma pecha infame em espaço dos mais nobres (a capa do seu caderno de Variedades)? Não se manifestou, simplesmente. Pois, ter oferecido espaço à carta do Gorender não significava sequer que concordasse com a conclusão a que ele chegou..
Consultei advogados. Poderia pleitear judicialmente direito de resposta, mas eu estava em péssima situação financeira e nenhum se propôs a me representar de graça.
Na eventualidade de uma ação por danos morais ou coisa que o valha, o advogado, pelo menos, poderia atuar na esperança de receber parte substancial da indenização pleiteada. Mas, como já se haviam passado dez anos, meu direito tinha prescrito.
A HISTÓRIA SE REPETE?
Por que evoco isto?
Porque, aparentemente, a Folha voltou a proceder da mesmíssima maneira.
Publicou na 2ª feira (13) um artigo medíocre, engrossando o lobby que pressiona o presidente Lula a entregar Cesare Battisti à Itália.
Recebeu, lá pela hora do almoço, uma refutação parágrafo a parágrafo do nosso bom Carlos Lungarzo. Exercício incontestável do direito de resposta, partido de um respeitado professor acadêmico e principal representante da Anistia Internacional no Brasil.
Iniciou os negaceios, a enrolação. Ante a insistência do Lungarzo, prometeu resposta para a 5ª feira (16).
Hoje (15), no Painel do Leitor, publicou mensagem do advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso:
"O artigo (...) apresenta uma crítica ao governo federal e à sua política externa.
"Nesse contexto, defende a entrega de Cesare Battisti à Itália mais de 30 anos após os fatos relevantes.
"O STF autorizou a extradição por 5 votos a 4, transferindo a decisão final ao presidente da República. A autorização foi dada em uma hipótese rara de voto de Minerva a favor da acusação e contra o parecer do procurador-geral da República, que era pela validade do refúgio.
"Foi a primeira vez que um ato de refúgio foi anulado, decisão criticada por alguns dos principais juristas do país em carta ao presidente Lula.
"Cesare Battisti é um escritor pacato, que há muitos anos vivia na França com sua família até que o governo Berlusconi passou a persegui-lo. Foi condenado à revelia em um segundo julgamento, com base apenas em delações premiadas. No primeiro, nem sequer foi acusado. Em sua crítica, a articulista faz uma opção política e diz preferir a Itália à Venezuela, Cuba e Irã.
"Essa não é uma razão para mandar alguém para a prisão pelo resto da vida".
Gato escaldado, eu adivinho que a resposta ao Lungarzo amanhã será a mesma que eu recebi em 2004: "A Folha considera que a publicação da carta do Barroso já foi suficiente...".
Só que não foi: artigo se responde com artigo, no mesmo espaço e com tamanho equivalente.
Então, ofereço aos meus leitores a oportunidade de conhecerem a brilhante refutação do Lungarzo.
Se a Folha não fizer o mesmo com seus leitores, é porque não está, como eu, comprometida com o verdadeiro jornalismo.
ACOLHER BATTISTI É UMA ESCOLHA ÉTICA
Carlos Alberto Lungarzo (*)
Como simples mortal, nunca consegui, apesar dos muitos esforços, aprender a refinada linguagem dos juristas. Entretanto, sei o que é uma escolha ética: é escolher pela verdade. Por causa disso, desejo indicar que nas acusações contra Battisti há numerosas inverdades. Vejamos algumas:
No relatório da ext 1085 (versão publicada pelo próprio STF), p. 53 (ad calcem) diz: “Homicídio de LINO SABBADIN, perpetrado em Mestre, em 16.2.1979. Battisti, no interior do estabelecimento comercial de propriedade da vítima, desfechou-Ihe diversos tiros a queima-roupa”. Entretanto, a sentença do Tribunal de Júri de Milão, de 13.12.88, RG 49/84, diz, na página 448 (embaixo): “É significativa a comparação entre o retrato falado [...] e a foto de Giacomini”. Na pág. 678, §2 diz-se que “[Giacomini] tem admitido totalmente sua responsabilidade [...] relativo ao homicídio Sabbadin”.
Em nenhum documento italiano se diz que Sabbadin tenha recebido tiros de duas armas diferentes. Sempre se afirma que Giacomini atirou e que Battisti era escolta. (A cumplicidade de Battisti não foi provada, nem afirmada por Giacomini, mas isto é outra história). Portanto, onde teve Peluso uma fonte tão boa que é melhor que a sentença italiana? Por que ele inventou este fato?
Na matéria em apreço se diz que houve “oportunidade de defesa e impugnação”. Foi? Onde estão as provas? As procurações que os advogados Pelazza e Fuga usaram como se fossem de Battisti, foram falsificadas, como provou a historiadora e arqueóloga Fred Vargas. Como entendi que era necessária uma prova muito detalhada, fiz uma animação de mais de 50 frames, onde se demonstra passo a passo a forma em que esta falsificação foi feita. Está em numerosos sites e em meu blog, onde estão também todas as cópias dos documentos carimbados na França:
http://ocasodecesarebattisti.blogspot.com/search/label/FALSIFICA%C3%87%C3%95ES
A autora diz que a delação premiada é usada no Brasil. Não diz, porém, que mereceu muitos reparos dos melhores juristas e magistrados, entre eles Marco Aurélio de Mello e Menezes Direito, de ideologias muito diversas. Aos que dizem que Battisti foi terrorista sugiro ler a proposta de definição de novembro de 2004, da ONU, um órgão que pode ser considerado conhecedor do assunto.
“No episódio de que ora se trata, a única soberania não observada foi a italiana.” A ideia atual é que a soberania vale dentro das fronteiras de um país, no mar territorial, nas embaixadas, etc. O Planalto não está dentro de soberania do estado italiano. A lei nº 9.474/97 veda refúgio a autores de crimes considerados hediondos, mas, como disse a ministra Carmen Lúcia, esse conceito não existia na Itália na época (nem no Brasil).
O que chama minha atenção é a referência à ditadura castrista, e as soberanias cubanas, venezuelana e iraniana. Nós, militantes de Direitos Humanos, temos defendido Zapata e, obviamente Sakinheh, e sob nenhuma hipótese aceitamos que esses direitos possam ser violados sob qualquer pretexto. Este assunto nada tem a ver com o caso Battisti. O fato de que a autora inclua estas observações me faz pensar que seu objetivo tampouco é jurídico.
Aliás, me pergunto o seguinte: se eu fosse conivente com crimes contra os Direitos Humanos em Cuba e no Irã, isso significa que também deveria ser conivente com os mesmos crimes na Itália? Ou seja, uma injustiça apagaria as outras?
* Carlos Lungarzo é professor titular aposentado da Unicamp e membro de Anistia Internacional
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