Como todos nós, Lula é um filho do Brasil. Mas um filho que esperávamos há muito tempo. Tempo demais, talvez. Quando nasceu, todas as promessas que projetávamos para ele foram, aos poucos, se diluindo. Talvez por ser temporão ou por ter passado de atrevido a medroso, Lula deixou de ser o filho do Brasil para ser o filho das classes dominantes, das oligarquias que fingem duelar com ele e com o seu triste partido aburguesado, que já foi dos trabalhadores.
Mas Lula não tem culpa da decepção causada. Os culpados fomos nós, os brasileiros, que acreditamos que uma única pessoa alicerçada por um partido oportunista poderia não se tornar uma pessoa oportunista. Grave erro. O meio transforma as pessoas, e Lula foi mais um exemplo dessa asserção. É claro que existem pessoas que não se deixam influenciar pelo meio, mas, para isso, é necessário ter muita personalidade e objetivos definidos como projeto de vida.
Os objetivos de Lula mudaram conforme o seu partido mudou, porque Lula nunca existiu na política sem aquela âncora. Era um líder sindicalista que foi usado e que também usou um projeto partidário - que visava apenas o poder pelo poder - para eleger-se presidente.
No pós-ditadura dos anos ’80 o PT apareceu como uma espécie de partido “salvacionista”, devido à desagregação das esquerdas, o que o levou a se transformar em um partido que comportava todas as tendências – da esquerda radical ao centro complacente. Enquanto partido, o PT não tinha nenhuma ideologia, mas formou-se através das diversas correntes que representavam alguma vertente marxista, social-democrata e até de centro-direita.
Mas a característica mais marcante do PT era o fato de ter um eterno candidato a Presidente da República que vinha da classe operária. Ninguém se perguntava se aquele eterno candidato tinha ou não alguma consciência política e ideológica, porque ficava implícito que deveria ser um ungido pelos sacerdotes da confraria oculta da esquerda petista, alguém que viria como um Messias, para transformar a sociedade brasileira e para por um fim à espoliação do nosso povo. E esse messianismo em torno do Lula, essa quase sacralização daquela pessoa tão carismática deu aos verdadeiros donos do partido a visão concreta da tomada do Poder através do voto popular que elegeria, cedo ou tarde, a pessoa do Lula, o partido do Lula, como se o próprio povo estivesse tomando o Poder naquele momento em que isso acontecesse.
Há uma grande diferença entre o período de João Goulart presidente – que apoiou as Ligas Camponesas e as reformas de base e que prometia uma reforma do ensino com Paulo Freire como Ministro da Educação – quando havia maior participação e consciência popular, através do constante debate a respeito do Brasil que realmente desejávamos – nós, o Povo – e o período após a ditadura militar, que tinha golpeado Jango e o povo, com a crescente ascensão do PT até chegar ao poder. Uma grande diferença, principalmente no que diz respeito à ideologia e a um projeto para o Brasil democrático.
Naquela época, sabia-se que democracia não se restringe ao direito de votar periodicamente. Procurava-se uma democracia participativa e não meramente representativa, como agora. Buscavam-se alternativas para que essa democracia participativa realmente funcionasse e para que as classes operárias tivessem consciência do seu papel histórico. A própria classe média engajava-se no processo, através da busca de novas possibilidades culturais que mostrassem o Brasil dentro do contexto latino-americano, com uma cultura própria, na tentativa de evitar-se a orgia da subcultura estadunidense que já invadia o país desde o fim da II Guerra Mundial.
Tudo isso foi golpeado em 1964, e não só o Governo João Goulart. Naquela época, o governo era apenas a representação das forças populares em ação. O que as Forças Armadas fizeram naquela madrugada de 31 para 1º de abril, ao tomarem o poder, foi evitar que o povo brasileiro continuasse o processo de transformação que faria do Brasil um país mais justo e com identidade própria.
Quando “devolveram” o poder, nos anos ’80, os militares subservientes aos Estados Unidos e ao capital internacional já sabiam que era possível deixar o povo novamente votar – mas apenas votar – porque o trabalho de dissolução do ideal de um Brasil verdadeiramente brasileiro já estava feito. Os partidos de esquerda estavam amortecidos pelo longo e violento processo de repressão e os novos partidos que surgiram, entre eles o PT, não pretendiam nenhuma revolução, nem social nem cultural. Mas alguns retoques ainda foram feitos: o sindicalismo foi atrelado ao Estado e a massificação da nova geração foi intensificada, com a conseqüente alienação das massas populares que passaram a acreditar que o salvacionismo viria através das eleições, ficando implícito que no dia em que o Lula fosse eleito tudo iria mudar.
O povo esperou por seis vezes que o Lula vencesse as eleições presidenciais, como se ele fosse um santo que faria os milagres da reforma agrária, educação, saúde, moradia, emprego e justiça social. E Lula e seu partido realmente prometiam isso, ao perceberem que o povo estava entregando o seu poder transformador em troca de uma esperança imaginária e beatífica. Não houve preocupação do partido do Lula em esclarecer ao povo que o Poder a ele – povo – pertence e que só pode ser conquistado depois de muita luta e não através de uma única pessoa.
Naquele momento em que o PT percebeu que o povo brasileiro esperava por Lula como quem espera pela volta de Jesus, ficou claro a eles que todas as alianças seriam possíveis para alcançar o Poder e suas benesses. Foi quando aquelas diversas tendências políticas que formavam o PT começaram a transformar-se em duas ou três fortes tendências – aquelas que realmente dominavam o partido – que convergiram para o objetivo claro de buscar a social-democracia – o reformismo maquiador das diferenças sociais – e não mais a transformação social. Ao mesmo tempo, o PT alcançava vitórias eleitorais, elegendo vereadores, prefeitos, deputados e senadores. Toda uma nova geração ansiosa pela sua fatia de Poder e disposta a todas as concessões para alcançá-la.
Quando, depois de todas as alianças, acordos, conchavos secretos, finalmente Lula foi eleito presidente, o PT já se transformara em um partido conciliador de classes, claramente de direita e Lula era um presidente fabricado pelos donos desse partido que buscava apenas regalias, dinheiro e Poder.
Já não era um filho do Brasil, mas o filho do Brasil das oligarquias vendidas ao capital estrangeiro, objetivando a massificação do povo, a destruição do ensino, contra a reforma agrária e a justiça social, contra os verdadeiros movimentos populares. Lula tinha se transformado de um messiânico sindicalista em mais um presidente sul-americano aliado militarmente dos EUA, pronto para fazer do Brasil a principal filial do império na nossa latino-américa.
E o seu partido, o PT, que tanto prometera, virou um partidinho que sobrevive das alianças com os partidos mais reacionários do país e que teve como única missão histórica a de atrasar o mais possível as verdadeiras lutas populares no Brasil.
Esta a herança do Lula: o assistencialismo do Bolsa Família. E a miséria, a corrupção, o analfabetismo, a doença, a fome, o desemprego... Além de deserdar o povo do poder que só a ele pertence.
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