A Importância da Indicação de Luís Roberto
Barroso ao STF
Carlos Alberto
Lungarzo
30 de maio
de 2013
Desde que
cheguei ao Brasil, em plena ditadura, me mantive alerta sobre o meio jurídico e
a magistratura, pois meu ativismo em direitos humanos exigia estar muito
antenado. Portanto, tive de conhecer com detalhe o curriculum dos advogados
democráticos, os desembargadores, os juízes e os membros do STF, para saber
como agir sem excessivo risco para as pessoas protegidas e também para minha
própria família.
Anos depois
já se ouvia falar do lendário prestígio de Barroso por seus escritos, mas só o
conheci pessoalmente em 2009, por ocasião de sua histórica participação e
defesa no caso Battisti, em que estive envolvido desde o início como militante
de Direitos Humanos. Conversamos e
trocamos e-mails diversas vezes, mas sua disposição, sensibilidade,
conhecimento e competência, e de sua equipe, me surpreenderam. Achei fascinante
sua humildade, sua cordialidade com todos os estratos da sociedade, seu
corajoso e apaixonado envolvimento nas causas que defendia e seu desejo de ser
entendido por todos. Gostei muito de seu estilo direito e franco,
especialmente, de seu senso de humor.
Quando
releio alguns de seus trabalhos sobre células tronco, fetos anencefálicos ou
terrorismo de estado na Itália, imagino, como aconteceu com a primeira leitura,
que o autor é um cientista e não um jurista. Mesmo seus escritos jurídicos
estão cheios de conteúdo e inteligentemente quase desprovidos de retórica. Uma
vez um magistrado me disse que a justiça tinha sua própria linguagem técnica
como tem a ciência, mas ele talvez não tivesse reparado em que a ciência usa
palavras desconhecidas apenas para conceitos novos, cuja complexidade vai além
da cognição cotidiana. O cientista não
deforma termos conhecidos para demonstrar erudição ou para que seja difícil ser
entendido pelo povo. Essa clareza e rigor da ciência, cheia de conteúdo
analítico e significado ético e humanista, é o que encontrei nos escritos de
Barroso.
Outra coisa
muito importante foi seu engajamento militante, em causas de direitos humanos,
como a defesa da lei 11.105 (sobre as células tronco), na da ADPF nº 54 (aborto
de fetos descerebrados), e muitas outras, como a defesa das legalizações de
uniões homo afetivas e o próprio caso Battisti. Na extradição 1085, Barroso
refutou com elegância as inverdades (entre as quais havia contradições lógicas
extremamente evidentes) do primeiro relator do processo, e ignorou com dignidade
os sarcasmos com que suas objeções ao processo foram recebidas. Entre muitos
outros pontos, deve tornar-se histórica sua análise da repressão na Itália, uma
substituição da logomaquia do relator pela linguagem objetiva. Entre as fontes
impecáveis por ele citadas, estava o excelente livro Italy: A Difficult Democracy: A Survey of Italian Politics, de Frederick
Spotts & Theodor Wieser. Justificava os fatos com fontes sobre os fatos e no com base na “lavra
de insignes julgadores” ou na doutrina, como é habitual no mundo jurídico,
autoreferencial e críptico.
O que eu
achei, porém, mais importante foi sua incomum capacidade emocional. Suas razões
finais no caso da extradição 1085, em 8 de junho de 2011 foram muito
emocionantes. Não poupou expressões que poderiam irritar à maioria da
magistratura, como a célebre frase de Dolores Ibarruri (“morrer de pé e não
viver de joelhos”) e o apelo a que o Brasil não ficasse “de cócoras” ante a
Itália. Foi a emoção mais forte que experimentei por um fato não pessoal, desde
as condenações dos urubus da ditadura Argentina nos últimos anos.
Algumas
pessoas lamentam que Barroso se defina sem ideologia e não se alinhe com a
esquerda atual. Todavia, muitos não entendem que a defesa dos direitos humanos,
de Antígone a Erasmo, de Giordano Bruno a Beccaria, de Karl Marx a Herbert
Marcuse, são a parte mais valiosa do programa tradicional da esquerda. Que esse
fundamento seja hoje ignorado pelos que chamam de “esquerda” o misticismo dito
“de libertação”, ou consideram esquerdistas as ditaduras islâmicas, não
modifica a história. A esquerda é uma proposta de emancipação e não um projeto
de poder, como é apresentada pelo pós-stalinismo.
A dramática
situação dos Direitos Humanos no Brasil exige a rápida luta por eles. Se, algum
dia, crianças e adolescentes das favelas não continuarem sendo assassinados
pela polícia por serem negros ou pobres, isso, no Brasil, será equivalente a
uma verdadeira revolução.
A têmpera de
uma pessoa se mede por algumas variáveis: uma é a admiração e reconhecimento
pelas pessoas esclarecidas, humanitárias e generosas. Outra, é a repulsa dos
medíocres, intrigantes, autoritários e ignorantes. Nesse sentido, as vozes
histéricas que se levantaram contra a indicação de Barroso nos lembram a frase
de Dom Quixote a seu fiel escudeiro, Sancho Pança: “Latem, Sancho, sinal que
cavalgamos”. Mas, hoje não deveríamos usar a nobre figura do cão que late, mas
a da bactéria que infesta.
Neste caso a
Presidente Dilma plantou uma marca histórica nas instituições brasileiras, ao
nomear para o STF uma das personalidades públicas mais irretocáveis dos dias de
hoje e das que temos lembrança. Ela demonstrou grande coragem ao escolher um
iluminista nesta hora em que o Brasil está sufocado por gangues obscurantistas
e a seita mais poderosa do mundo é regida por um íntimo colaborador da
criminosa ditadura argentina.
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