segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

N VEZES BATTISTI






Ene Vezes Battisti
Carlos Alberto Lungarzo
28 de janeiro de 2013
O sobrenome “Battisti” não é tão frequente na Itália como “Barbosa” no Brasil. Os países com grande miscigenação, como a Inglaterra, a Itália e os Estados Unidos têm uma variedade muito maior de sobrenomes que países com uma população homogênea, que pouco tem variado com o percurso dos séculos, como Portugal, a Espanha e a China. Por isso, embora existam na Itália sobrenomes muito comuns como “Rossi”, “Ricci” e outros, faz sentido pensar que os Battisti que moram na Itália, no Brasil e em outros países da diáspora, possam ter uma ancestralidade comum no século XIX.
Há alguns anos, descendentes de nacionais italianos imigrados no Sul do Brasil que portam o sobrenome Battisti decidiram estreitar laços com seus parentes (próximos ou longínquos) e formar uma comunidade de brasileiros que possuam ancestralidade Battisti por parte de pai ou de mãe, ou estejam casados com pessoas dessa ancestralidade.
Surgiram assim os primeiros eventos da família ampliada, que se celebram geralmente na região Sul a partir de 2003, especialmente nos Estados de Rio Grande do Sul e Paraná, onde esta comunidade e maior. Não obstante esta predominância de sulistas há famílias Battisti em outros estados que comparecem aos encontros.
Os eventos consistem em um dia de confraternização, que acontece numa cidade determinada muito tempo antes, durante o segundo domingo de janeiro de cada ano. A celebração consiste numa missa, um almoço coletivo, atos diversos de interação (discursos, rifas, homenagens, escolha de rainha, dança, etc.) e, em geral, eventos de lazer e convívio.
Os fundadores e organizadores dos eventos calculam em mais de 4000 o número de Battistis que permanecem vinculados através desta iniciativa e, na celebração de 2003, que teve lugar em Toledo, Paraná, perto de Foz de Iguaçu, em 13 de janeiro, a imprensa calculou a presença de 700 pessoas.
De todas nossas experiências relacionadas com a interação de Cesare Battisti com o ambiente brasileiro, esta é a que com maior perfeição nos permite aferir o alto grau de aceitação que o perseguido escritor italiano tem entre os setores sociais de bem intencionados.
Com efeito: a enorme maioria dos assistentes ao evento do domingo 13 de julho está formada por pessoas simples e amigáveis, trabalhadores e estudantes de classe média, que não se deixaram influir totalmente pelas mentiras dos linchadores mediáticos, judiciais, políticos e os alcoviteiros e mercenários que se multiplicaram como bactérias a partir de 2009, precisados de uma catar-se para seu ódio, de alguns dias de glória para suas opacas vidas e, em alguns casos, de alguns euros para trocar o carro. É natural que pessoas de boa fé se sentissem em dúvida ou até desorientadas por uma campanha única na história da perseguição (seja política ou não) dos tempos modernos, e que a sobredose de lixo mediático possa ter chegado a gerar perguntas como: “será que este homem fez tudo isso?”.
Entretanto, em janeiro de 2012, durante o Fórum Social de POA, quando pude ver a interação entre Cesare Battisti e o meio social gaúcho, tive a clara impressão de que o povo não engolia aquela campanha de mentiras. Além da boa fé natural nas pessoas que não estão comprometidas com o lucro ou o poder, pode ter influído o caráter exagerado da avalanche de ódio, que, como disseram algumas pessoas, fez pensar que “se tanto falam, é que ocultam algo”. Por sinal, foi este ditado o que inspirou o título de meu livro. Aliás, a enorme popularidade do ministro Genro no Estado alavancou numerosas respostas do tipo: “Não conheço nos detalhes, mas se foi nosso governador que o recebeu, devemos confiar”.
Foi assim que pessoas de extração social, grau de educação e profissão bem diferentes, interceptavam Battisti nas ruas do centro de POA para cumprimentar, e pessoas de todas as idades, incluídas famílias com crianças, tiravam fotos com ele. Este fenômeno foi plenamente confirmado na reunião das famílias Battisti em 13/01/2013 em Toledo, de uma maneira mais contundente, pois foi possível fazer uma amostragem de mais de 500 pessoas. Para os padrões estatísticos do IBOPE, por exemplo, um universo como esse não é pequeno, se tivermos em conta que suas celebradas pesquisas eleitorais poucas vezes têm universos de mais de 3500 elementos no Brasil todo.
Já em 29 de janeiro de 2012, durante a apresentação do livro Ao Pé do Muro em POA, dois membros das famílias Battisti, Jair e Pedro, se apresentaram e convidaram o escritor a integrar-se aos grupos da família.
Por sinal, quero deixar claro que a presença de Cesare Battisti em Toledo um ano depois foi resultado de um convite dos organizadores, e o fato de que para a maioria tenha sido uma surpresa não significa que ele tenha aparecido de maneira abrupta por própria iniciativa. Foi uma surpresa para alguns porque os organizadores fizeram o convite de maneira sigilosa e, com muito bom critério, evitaram que alguém pudesse acusar Battisti de tentar se fazer propaganda. Neste sentido, lembro a cuidadosa observação de Monsenhor Anuar Battisti, que elogiou a discrição e mesura do escritor.
Um fato que me permitiu ver quanta era a boa vontade do grupo dos Battistis, foi a reação positiva que os assistentes ao evento de Toledo tiveram em relação aos livros de Battisti e ao meu. As pessoas que compraram o livro Os Cenários Ocultos do Caso Battisti estavam realmente interessadas e fizeram propaganda boca a boca. Uma prova disso é que foram vendidos 55 exemplares em pouco mais de duas horas, apesar de não ter havido nenhum anúncio anterior.
Com efeito, tanto Cesare Battisti (acompanhado por seu irmão Domenico e sua cunhada Ivea) como nós tivemos bom cuidado em passar despercebidos e ficar apenas como observadores invisíveis. Os presentes se surpreenderam quando depararam com a banca de livros que ninguém esperava, numa parte do terreno relativamente afastado da igreja e do salão onde se realizavam os atos.
Quando começou a festa, apenas os organizadores que convidaram a gente sabiam que haveria alguns visitantes fora da família Battisti brasileira. Os jornais calculam em 700 o número de participantes. Mas, quando os livros começaram a ser vendidos, algumas pessoas já se haviam retirado. Calculo que o total de pessoas que circularam cerca das bancas era menos de 400. Isso quer dizer que o livro foi comprado por mais de um 10% dos presentes. Tenha-se em contra que nem todo o mundo tem o hábito de ler livros com informação política e jurídica que, apesar de facilitada ao máximo, nunca é tão amena como um romance. Além disso, como quase todos os participantes compareceram com vários membros de sua família nuclear e raramente alguém compra mais de um livro (nem sequer o ciclo dos famosos 50 Tons) para uma mesma casa onde habitam 4 ou 5 pessoas.
Pensamos, portanto, que o livro chegou às mãos de uma proporção expressiva dos presentes, entre 20 e 30%. Além disso, outros dois membros da família tiveram a gentileza de ficar com os exemplares restantes para fazer conhecer em PR e em RS.
Algumas dúzias de pessoas com as que falamos em particular deram mostras de não acreditar numa acusação sem provas. Outras, disseram que queriam ler para conferir que realmente o que eu afirmava, sobre a falta de provas, era verdade, mas nenhuma das numerosas pessoas com as quais tivemos contato se pronunciou em favor de extradição.
O que fica claro é que cada vez é maior o número de pessoas que duvida da honestidade dos julgamentos e (talvez numa proporção menor) o dos que acreditam seriamente numa fraude premeditada, aleivosa e minuciosamente combinada. Quando me decidi a escrever Os Cenários Ocultos do Caso Battisti tinha vários objetivos: o mais urgente era recompor a imagem de uma pessoa desconstruída pelas elites com os propósitos mais diversos (vingança, classismo, golpismo, suborno, etc.) Outro era o desmascaramento dos establishment brasileiro e italiano, especialmente do primeiro, que exerce seu despótico poder sobre as massas excluídas do país.
Estes objetivos serão reforçados pela próxima aparição da versão francesa do Os Cenários (Viviane Hamy ed., Paris, 2013), um 30% maior que a brasileira, e da edição italiana, atualmente em planejamento. É claro que as razões não podem se impor à força bruta, como disse o escritor espanhol Miguel de Unamuno aos fascistas espanhóis (pg 273 do livro), mas, quando essas razões são reconhecidas, os que servem aos que têm essa força bruta diminuem. Não obstante, é necessário não sermos ingênuos. Um estado fascista, stalinista, mafioso, que pratica desde há mais de um século uma política terrorista e delinquencial, pode não precisar muita gente para consumar um atentado.
Por outro lado, é necessário ter em conta que o caso Battisti não está fechado na prática, e os linchadores, junto com seus amos e seus servos, continuam intrigando. Se não, vejamos:
·         A polícia federal ainda não entregou a Battisti seu documento de estrangeiro. Esse documento deve demorar, em média, 6 meses. No caso dele está demorando já 17 meses.
·         Há mais de um ano, um leguleio do DF apresentou uma ação cívil contra Battisti, dizendo que o visto que recebeu do Ministério da Justiça era ilegal, e devia ser DEPORTADO. Este ato, por incrível que pareça, ainda não foi apreciado pelo juiz. Ninguém se surpreende da morosidade de justiça brasileira, mas este caso é extremo.
·         Battisti foi condenado por entrar ao Brasil com documentos falsos. Entretanto, o artigo 33 da Convenção de Genebra adverte que um perseguido não pode ser punido por entrar ilegalmente num país do qual espera proteção. É óbvio que se você está perseguido não vai comparecer à polícia de seu pais e dizer: “Ei, gente! Quero um passaporte porque preciso fugir de vocês”
Devemos manter um alerta permanente. É pueril pensar que os rancorosos mafiosi vão esquecer seus inimigos. Há vendettas cuja origem está no século XVIII e ainda os descendentes dos atores iniciais continuam perseguindo os descendentes dos adversários iniciais.
Portanto, podemos estar satisfeitos de sermos compreendidos pela sociedade, mas isso não significa que o perigo tenha sido desterrado. Algumas pessoas, raciocinando de boa fé, mas talvez com um conhecimento externo da cultura peninsular, acham que a crise econômica europeia afastou seu foco do caso Battisti. Eu acho que isso é ingênuo. Esse raciocínio não tem em conta a plutocracia italiana, que pode dar-se a luxo de pagar milhares de perseguições, se fosse necessário.
Na crise econômica europeia, em poucos meses trocam de mãos trilhões de euros e, na Itália, dúzias de bilhões. Num caso tão grande de movimento financeiro, é claro que pagar um suborno de 20 ou 30 mil euros é uma ninharia. A Itália pagou entre 27 e 55 mil euros por alguns libelos volumosos contra Battisti. Se isso é o que se paga a um panfleteiro, quando se pode pagar a um alto membro dos poderes públicos???

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