Caso
Battisti: Coluna de Jornal Paulista Recebe Honra de Site Nazista
Site
neonazista ultraradical cita, textualmente, com especial destaque, uma coluna
de um democrático jornal paulistano que fala sobre Battisti
Carlos Alberto Lungarzo
Na sua coluna de 9/1/2013 (Vide), uma jornalista
da Folha de S. Paulo escreve um comentário
sobre Cesare Battisti do qual quero comentar o primeiro parágrafo e também a última
linha, onde a colunista diz que Battisti viveu como refugiado em Cananeia (SP).
Agradeço, também, que a colunista cite
meu livro “Os Cenários Ocultos do Caso Battisti”, repetindo uma frase de Eduardo
Suplicy.
O Palácio de Battisti
O primeiro parágrafo disse que Suplicy foi
“fiador moral” do aluguel de Battisti, e informa que
“O italiano
alugou um apartamento de 90 m² nos Jardins”
Realmente, tendo em conta que o jornal desta
colunista investiu cinco anos propugnando o linchamento de Battisti, é um pouco
esquisito que mencione como dado importante a metragem do apartamento, um dado
reservado geralmente a comentários sobre celebridades de shows, e só quando o tamanho é espetacular.
Estes jornalistas deveriam ter mais
imaginação. Afinal, entre uma inverdade torpe e uma mais imaginativa, esta tem
mais impacto.
Com efeito, a colunista poderia verificar
facilmente que o apartamento alugado por Battisti tem 51 m2.
Mas, então, será que nossos grandes
colunistas são chegados à fofoca banal? Nada mais longe de meu ânimo que
sugerir essa superficialidade.
Dizer que Battisti alugou um apartamento nos
Jardins de “gigantescos” 90 metros não é uma fofoca banal. É um detonador para
estimular o espírito da ralé linchadora, que usa o setor de Comentários (supostamente “moderados” por um jornalista)
para formular impropérios contra
Battisti, Suplicy, Lula, Tarso e todos os seus desafetos. E isso não se fez
esperar. Sob nomes cuja autenticidade a
Folha não revela, pois faz parte da ética do jornal, vários linchadores verbais
se esbaldaram em insultos, provocações e xingamentos.
Explorando o ressentimento deste tipo de
leitor, a colunista provoca comentários sobre a “riqueza” do escritor, que
estaria morando num palácio, e alimenta os comentários de ódio sobre como ele
obtém o dinheiro e outras baixarias.
Nenhum colunista, nem esta, jamais mencionou
que Cesare Battisti é escritor há mais de 30 anos e vive de sua atividade profissional.
Publicou mais de 20 livros na Itália e na França e 3 no Brasil: Minha
fuga sem fim; Ser Bambu e Ao Pé do
Muro.
(O curioso é que o Jornal diz vetar os
comentários denigrativos.)
Refugiado ou Imigrante?
Na última linha desse trecho, a colunista diz
que Battisti foi refugiado em Cananéia.
Battisti recebeu refúgio de Tarso Genro em
janeiro de 2009, mas esse refúgio foi rejeitado pelo STF, em 9/9/2009, que
oficializou sua rejeição no acórdão de abril de 2010.
É verdade que, tanto em Brasil como em
qualquer outro país civilizado (nem precisa ser democrático, apenas
civilizado), nenhum tribunal pode anular um refúgio dado pelo executivo. A
anulação foi ilegal de todo ponto de vista. Mas, sendo que o STF possui o poder absoluto no Brasil (mesmo
que seja como procurador das elites), a realidade é que, oficialmente, em ABRIL
DE 2010, Battisti já não era refugiado.
Como, então, ele poderia ser refugiado em
2011, quando estava em Cananeia?
Uma resposta seria que nossos especialistas
em generalidades não tiveram tempo para estudar o conceito de “refugiado”, e
não sabem diferenciar entre imigrante e refugiado, ou, então, que estavam
distraídos quando o STF anulou o refúgio.
Mas, há uma conjetura mais verossímil.
Nos países onde não há respeito pelos
direitos humanos, que são 70% da humanidade, e especialmente naqueles em que
esses direitos são quase zero, como muitos da América Latina, a palavra
REFUGIADO porta uma carga emocional pejorativa, produto do preconceito.
O termo lembra que o qualificado com esse
termo é um foragido, um perseguido, um violador da lei. Então, a ralé
linchadora o repudia, porque todo linchador é servil e pensa: “se ele é
perseguido, por algo será”.
Battisti é um IMIGRANTE com residência
permanente, e possui os mesmos direitos que têm os atuais 600 mil imigrantes que
há no Brasil, e os mesmos direitos que tiveram os milhões de estrangeiros que
vieram em décadas passadas, incluindo centenas de milhares de italianos.
Avisei do “erro”
sobre o termo REFUGIADO com um e-mail para a colunista, mas respondeu uma
pessoa chamada Lígia, que disse que o erro seria corrigido. Não sei o que
aconteceu depois.
Curriculum Condizente
Ninguém pode
acusar a colunista de volubilidade ou falta de coerência.
Já em abril
de 2012, ela mesma publicou uma matéria muito longa e visível para um assunto
com tão pouca relevância: nela dizia que Battisti tinha cancelado o lançamento
de seu livro Ao Pé do Muro, e que ele
mesmo havia comunicado o cancelamento por telefone, segundo informação da
Livraria da Vila. Importante: essa
livraria nunca tinha sido cogitada para o lançamento.
O lançamento
foi planejado desde muito antes e feito na USP uma semana após a data
“cancelada” e, apesar da contrainformação, assistiram umas 400 pessoas. A
Livraria da Vila, obviamente, ratificou a “informação”. O discreto editor do
livro, Evandro Martins, trocou com a colunista e sua equipe vários e-mails
extremamente indignados, dos quais possuo cópia.
Vejam meu comentário na época em
Os Semelhantes se Procuram
Alguns dizem que devemos ignorar provocações
verbais, pois leva-las a sério apenas dá relevância à miséria moral e
intelectual dos linchadores. Concordo com isso e, em situações normais, teria
ignorando essa coluna.
Mas fiz este artigo para mostrar aos leitores
algo muito grave do qual talvez não estejam cientes.
Como era de se esperar, numerosos sites
linchadores reproduziram esta coluna. E muitos deles até criticam a colunista
por não usar, como faziam antes, o termo “terrorista” referido a Battisti.
Mas, há um
site linchador muito especial, que dá grande destaque a essa coluna,
reproduzindo-a sem qualquer comentário: isso significa que seus editores consideram
suficiente reproduzir essa notícia para detonar o ódio de leitores de sites
fascistas.
O site é o seguinte:
Vejam a reprodução do comentário e observem este
fato: a reprodução é exata, sem uma vírgula nem a mais nem a menos.
O site, chamado D DIREITA, não coloca o nome da colunista; talvez não queira constranger
a autora...
É arrepiante observar a liberdade com que o
site D DIREITA agride judeus, estrangeiros, negros, gays, e glorifica os crimes
nazistas. Mas, esta experiência, sem dúvida repugnante, deve ser aproveitada
para entender melhor por que um site
desses reproduz essa coluna.
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