segunda-feira, 21 de novembro de 2011

ALGO MAIS SOBRE O NAZISTA WAGNER






Algo mais sobre o Nazista Wagner
Carlos A. Lungarzo
Num post do sábado 19/11, Celso Lungaretti publica um artigo que, além da habitual qualidade, tem o mérito da originalidade: é uma referência ao refúgio que recebeu no Brasil o megacriminoso nazista Wagner, sem que nenhum dos que hoje são críticos do ministro Tarso Genro, tivesse nunca esboçado alguma forma de repúdio (vide). O assunto é importante porque quase ninguém se referiu ao caso Wagner durante as esquentadas e desonestas diatribes sobre o caso Battisti, como fez notar Celso em sua excelente matéria.
Aliás, digo “quase ninguém” porque houve alguém que fez a comparação, mas num sentido que beneficiava ao célebre carniceiro de Sobibor. Veja mais adiante neste artigo.  Quero agregar algumas observações à matéria de Lungaretti, porque, por um lado, a lembrança de Wagner esteve entre minhas primeiras motivações (embora não fosse a principal) para escrever o livro sobre o caso Battisti que, neste momento, se encontra sob a análise do editor. Por outro lado, acredito que a identidade de quem comparou Wagner com Battisti servirá para dissipar velhas falácias sobre o suposto caráter humanitário de místicos fanáticos.

Paraísos de Nazistas

O austríaco Gustav Franz Wagner, sargento das SS, nasceu em 1911 e, como disse o artigo citado, foi escalado para comandante (primeiro vicecomandante) do campo de Sobibor, na Polônia, no qual ganhou (numa época em que não se falava como hoje dos direitos dos animais) o apelido de lobo (alemão Wulf; yidish, Welfel) por sua desenfreada sede de sangue. Durante os julgamentos de Nuremberg foi condenado a morte em ausência, acusado pelo assassinato direto ou indireto de mais de 200 mil judeus.
Segundo o famoso jornalista pesquisador sobre os nazistas foragidos Ernst Klee, o sargento Wagner teria fugido ao Brasil, com o auxílio do Vaticano, que lhe teria fornecido documentos falsos, dinheiro e contatos. (Vide).
Como faz notar Lungaretti, vários autores escreveram sólidos documentos sobre o papel que teve o Brasil como paraíso para a proteção de criminosos nazistas de alto impacto. Em seu artigo se citam as principais fontes. Os altos e médios quadros tanto do Terceiro Império, como das SS e da Gestapo, formaram, no fim da guerra, uma organização chamada ODESSA para facilitar a proteção recíproca e sua fuga aos paraísos latinoamericanos. (ODESSA não é um invento literário do escritor Frederick Forsyth, embora os dados quantitativos fornecidos pelo romancista não tenham total robustez estatística.)
O Brasil, o Paraguai e a Bolívia foram destinos habituais para os nazistas, mas a Argentina recebeu um número muito maior que todos eles somados. O caso da Argentina é interessante para analisar a ajuda constante que a Igreja brindou aos membros da Odessa, pois, justamente por causa de seu número maior, a comunidade nazista no vizinho país austral motivou investigações muito mais apuradas. Em 2002, o escritor argentino Uki Goñi publicou um livro traduzido logo em seguida ao português com o título de A Verdadeira Odessa. Considerado por todos os especialistas como a máxima referência no tema, o livro descreve as fontes originais que mostram a colaboração do Vaticano com o nazismo em todos os aspectos. O mesmo autor deixa claro quando alguns dados são obscuros ou não verificáveis.
Não vamos a discutir aqui (até porque é irrelevante a nosso assunto e não temos competência para fazê-lo) o mito profusamente difundido a partir de 1945, de que os católicos se teriam oposto oficialmente ao nazismo. (Ninguém duvida que houve resistência católica contra o Reich, quando este atacou a população fortemente católica da Polônia, mas isto não tem nada de especial. Quase todos os que são atacados se defendem quando podem.)
Mas, quero citar apenas alguns trechos, seguindo a comparação entre o caso Battisti e o caso Wagner, como faz Lungaretti em sua matéria. Em particular, as hierarquias católicas ainda hoje justificam o refúgio de Wagner, embora ninguém tenha disposição para elogiar o terrível algoz. Da mesma maneira, elas se opuseram ao refúgio a Cesare Battisti, apesar do apoio dado por alguns católicos independentes, algumas pastorais e católicos líderes em direitos humanos (como a destacada professora Margarida Genevois) à proteção do escritor italiano.
O fato não é difícil de explicar. Ser católico, como ser judeu ou islâmico pode ser não só uma religião, mas, sobretudo, uma identidade cultural. É óbvio que existem defensores dos direitos humanos de quase toda identidade cultural. Isso não significa que as instituições confessionais sejam defensoras desses direitos, nem, muito menos, que suas doutrinas possam servir como ferramenta da libertação, como ingenuamente se pensava nos anos 60.

Deixai Vir a Mim os Genocidas...

Em 20 de janeiro de 2009, o boletim da CNBB publicou em sua versão virtual um libelo contra Cesare Battisti, assinado por Dom Benedicto de Ulhôa Vieira, bispo altamente influente na Igreja Católica Romana do Brasil. Reproduzo o texto omitindo apenas detalhes desnecessários, porém sem qualquer acréscimo. Os grifos são meus. (Vide)
“Não é a primeira vez que o Brasil concede asilo a pessoas condenadas no seu próprio país. [...] Gustav Wagner que, carrasco e carcereiro na perseguição aos judeus, chegava [...] a arrancar “crianças do colo das mães e espatifava a cabeça delas num poste. Até a este o Brasil acolheu!”
Ao afirmar isto, não parece existir nenhum indício de que o religioso esteja reprovando Wagner. A expressão “até a este” parece significar que, com efeito, Wagner era um caso muito grave, mas não que fosse injusto o refúgio. O que mais facilmente pode interpretar-se é que a benevolência do Brasil é muito grande, e aceitou refugiar até alguém que cometeu muitos crimes.
Logo, Ulhôa se refere ao caso Battisti, mas, desta vez, sua opinião sobre o caso é absolutamente explícita.
“Agora nossas autoridades concedem a graça do acolhimento político a um condenado à prisão perpétua pela justiça italiana, por quatro homicídios. Isto espanta.”
“[...] A benignidade do Governo brasileiro assombrou (é esta a palavra) ao Presidente italiano Giorgio Napolitano, que, em carta ao Governo Brasileiro demonstra sua amargura e sua decepção. E dá o motivo desta amargura: ter o Brasil concedido “status de refugiado político” a um condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua por quatro homicídios “com finalidades terroristas”.”
“Sob o ponto de vista cristão, os maiores crimes que se possa cometer, como os de Battisti, são perdoados pela bondade paterna de Deus quando há verdadeiro e profundo arrependimento com o desejo firme e sincero de emenda. Não temos como avaliar se o assassino em questão é realmente um convertido. Oxalá...”
“Sob o ponto de vista da Justiça humana, que o condenou, a pena recebida e não cumprida parece justificar tanto a amargura do Presidente da Itália, como o espanto de qualquer brasileiro diante da benignidade por parte das autoridades do Brasil.”
O libelo mostra vários aspectos importantes:
1.      Sua Eminência se refere a Wagner como um caso extremo, com a frase “Até a este o Brasil acolheu!”, mas não diz nem sugere que a atitude do Brasil tenha sido errada. Parece, antes, entender isto como parte da bondade do país (a maior nação católica do mundo), apesar do “tamanho” dos pecados de Wagner.
2.      Inversamente, o monsenhor se espanta pelo fato de que Battisti tenha obtido refúgio.
3.      Ainda, se solidariza com um presidente ex-comunista, um fato (para dizer o mínimo) contraditório com a pregação que a Igreja fez desde 1917 contra o comunismo, seus filiados e simpatizantes.
4.      Qualifica os crimes atribuídos a Battisti, como os maiores que se possam cometer. Se estes são os maiores, então, quaisquer outros crimes são menores, como poderia um garoto de 6 anos. Então, os crimes de Wagner são, para o santo soldado de Deus, menos graves que os de Battisti.
5.      Deus, disse o bispo, perdoa os piores crimes quando existe arrependimento, mas o prelado não sabe se Battisti está arrependido.
Curioso! De Gustav Wagner, pelo contrário, se sabe muito bem qual era seu estado de consciência. Em 18 de junho de 1979, ele disse a BBC, quando lhe foi perguntado, por meio de um tradutor, se sentia remorso: Eu nunca tive sentimentos [sobre aquelas mortes] (Ich hatte keine Gefühle dabei). Pelo jeito, Wagner conseguiu ser perdoado pela bondade paterna de Deus, mesmo sem arrependimento.
6.      Finalmente: o bispo que descreve a benevolência brasileira como uma amostra de tolerância “até com esse Wagner”, disse que no caso de Battisti se justifica a indignação dos brasileiros e a amargura do “comunista” presidente da Itália.
Mais esperto que Ulhôa (ou, talvez, menos poderoso e, portanto, mais preocupado por sua imagem), um dos diretores de Cáritas, o padre Ubaldo Steri não faz a comparação entre Wagner e Battisti. Numa entrevista concedida por um jornalista da revista Veja, Steri, cauteloso, diz que ele, como membro do CONARE (Conselho Nacional para os Refugiados), negou o refúgio a Battisti porque não havia nenhum motivo para isso. Com dissimulo suave e elegante acrescentou que: “se Battisti é inocente, ele poderá provar sua inocência na Itália num novo julgamento”. É bem sabido, mesmo sem ser um membro poderoso dentro do CONARE, que não há novo julgamento para um caso encerrado.
Mesmo sendo membro de Anistia Internacional, o fato de não pertencer a suas hierarquias, me dá certa liberdade para fazer um comentário crítico. Nossa organização achou, talvez por excesso de boa fé, que a Igreja poderia ser uma boa parceira na defesa dos DH, e a tratou como tal até anos recentes. Atualmente, a ingênua relação se quebrou, porque a Igreja tentou criar uma Anistia Internacional paralela, com o mesmo nome e o mesmo logotipo, na esperança de esvaziar a verdadeira. Mas, o truque não deu certo: a justiça mandou dissolver esta falsa organização por fraude. Por sua vez, nossos dirigentes parecem mais alertas sobre o que pode esperar-se dos que fundaram a Inquisição.

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