segunda-feira, 11 de maio de 2009

Urgentes reflexões de inverno - Regina Abu-Jamra Machado

Que seja percebido ou sonhado, o mundo é antes de tudo forma.

E essa lição, as velhas árvores podem nos ensinar, pelo menos as que escaparam à geometria imposta pelos homens.

Forma harmônica, perceptível para quem tem olhos para ver, elas nos surpreendem na sua busca infinitamente variada de caminhos inusitados para cumprir o seu traçado.

Mas acompanhá-las nessa construção ultrapassa o tempo humano. E como o ignoramos, então cortamos o tempo da árvore, e no seu lugar pomos algo que nem é mais da nossa mão, mas da nossa máquina, que obedece ao tempo da máquina, que rende, que nos rende, que abrevia também o nosso tempo

Para perceber o tempo, a busca, a paciência da árvore, temos que perceber sua estrutura. E é aqui, na velha Europa, que ela se impõe à vista, sobretudo no inverno, nos galhos nus, geométricos, pungentes de pura forma. Aqui também é que a intervenção humana é mais patente, talvez por causa da impaciência humana com essas formas complicadas e improváveis. Então impõe-se ao traçado da árvore um limite geométrico e perceptível, útil, justificável. E assim ela nos pertence, pois somos nós que lhe damos a forma que a faz existir.

Árvores cortadas, suprimidas, ignoradas – no Brasil. Árvores em linha reta, podadas, mutiladas, civilizadas – na Europa.

Fico me perguntando, com muita pena, se não vai haver nunca um olhar humano digno da majestade das árvores que nos acolhem na superfície do planeta.

E às vezes me pergunto, com alguma esperança, se um dia perceberemos o perigo de suprimir assim uma certa forma de vida, de não atentarmos para o traçado do tempo na longa vida das árvores. De abreviarmos um certo tempo de vida. Um tempo da nossa vida.

Regina Abu-Jamra Machado

FONTE : http://www.veropoema.net/interna.php?page=5&action=show&id=1004

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