sexta-feira, 1 de maio de 2009

BBB E MANIPULAÇÃO (Beto Godoy cita "1984" e "O Ovo da Serpente" de Bergman)

As surpresas podem ser desagradáveis

Beto Godoy (*)

No inicio do século 20, George Orwell escreveu 1984, onde o Big Brother comandava os observados; em fins dos anos 70, Ingmar Bergman analisou, no filme O ovo da serpente, a observação de um vilarejo da Alemanha em crise na década de 20, contrastando com 1984, em que os observados tinham ciência da vigilância. Por último, temos o BBB: as pessoas sob o olhar das câmeras sabem disso. E não são as únicas controladas. Afinal, os observadores também são indiretamente controlados, pois, segundo especialistas americanos, a população hoje está presa aos eventos da chamada "agenda da mídia": o público toma como prioridade os eventos por ela promovidos.

O mundo em que vivemos é constantemente manipulado por estímulos que, apercebendo-se a mídia do que pedimos, nos oferece, direcionando nossas atitudes. Em O ovo da serpente, de 1977, Bergman mostra como isso era feito em proporções menores nas pequenas vilas da Alemanha: as pessoas eram estimuladas por gases, e suas reações, analisadas e posteriormente controladas. Os moradores também eram vigiados por câmeras em seus locais de trabalhos, sujeitos a várias situações – o que provocaria, na vigência do posterior nazi-facismo, reação dos alemães contra os judeus – as cobaias que, na primeira chance, quase exterminariam os "cientistas humanos".

No livro de Neal Gabler Vida, o filme – Como o divertimento conquistou a realidade (Companhia das Letras), vemos que os acontecimentos de O ovo da serpente estão presentes na vida cotidiana, porém agora de forma consentida: ao analisar as origens da introdução do entretenimento como forma de dominação soft, o autor remonta à época em que o teatro estava presente na realidade de todos – com a separação de classes na platéia –, passando pelo jornal em que as pessoas se identificavam nos fatos da vida, dando espaço à criação dos penny press, pioneiros na percepção da importância da imagem na atração do povo. Afinal, a imagem tornava a leitura quase desnecessária, transformando os meios impressos em difusores do sensacional. E permitindo, assim, que o entretenimento se infiltrasse no jornal – por muito tempo uma forma de controle do público.

Caos inesperado

Com o advento do cinejornal, as pessoas começaram a aderir às salas de projeção, que possibilitavam uma visão do mundo sem maiores necessidades de uso intelectual. Chegou então a televisão, que atendia a um número ainda maior de pessoas, estando na sala de muitos cidadãos americanos. O cinema então surgiu como entretenimento de fato. Criando-se astros, o entretenimento instalou-se de vez na vida de cada americano, pois todos queriam imitá-los. Com isso passam a ter a chamada "vida-filme", ou lifies, segundo o autor.

Temos que entender que, embora os casos sejam distintos, as conseqüências podem ser semelhantes: afinal, nos anos 20 os alemães eram manipulados em seu país. O que acontece hoje é a manipulação do observador, que, tendo acesso a essas formas consentidas e solicitadas de manipulação, precisa estar dentro do sistema chamado globalização, imposto pelo império capitalista americano. Naquela época, os dominadores tanto sabiam que toda ação gera reação que no filme de Bergman o judeu que observava os moradores do vilarejo previu conseqüências incontroláveis.

Nos dias de hoje a mídia parece não estar percebendo que o mundo-filme exige condições financeiras para atuação. Os excluídos vão se manifestar, e já estão se manifestando de forma violenta. O que a mídia mostra como solução são formas maiores de alienação, como os reality shows que nos desviam do que realmente necessita de atenção: as pessoas, e não os personagens do teatro capitalista.O filme nos mostra que, apesar de podermos ser manipulados sem que entendamos direito o que acontece, o manipulador pode ter surpresas nada agradáveis, e nestas ocasiões o caos pode imperar.

(*) Jornalista e professor de Fotografia no Mato Grosso do Sul

FONTE: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd050220035.htm.

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