Os “malucos” sapateiam no palco
Aqueles que não eram levados a sério hoje têm poder atômico e também o de destruir a Amazônia
Nas últimas décadas existiu um consenso de que, diante dos absurdos que eram ditos nas redes e em outros espaços, a melhor estratégia era não responder. Contestar pessoas claramente mal intencionadas e intelectualmente desonestas, em sua busca furiosa por fama, seria legitimá-las como interlocutor, dando crédito ao que diziam. E, assim, servir de escada para que ganhassem mais visibilidade. A frase popular que expressa essa ideia é: “Não bata palmas para maluco dançar”. A eleição de Donald Trump, de outros populistas de extrema-direita e agora de Jair Bolsonaro revelou que este foi um equívoco que vai custar muito caro.
O que se deixou de perceber é que, com a internet, os "malucos" já tinham um palco nas redes sociais e no YouTube, assim como a capacidade de multiplicá-lo sem serem perturbados no WhatsApp. As falsas teorias que inventavam eram lidas como se fossem sérias e confiáveis. Os palcos haviam mudado de lugar e os “malucos” dançaram sem serem confrontados com fatos nem incomodados por ideias. As palmas só aumentavam de volume enquanto os ilustrados torciam o nariz ou esboçavam sorrisos de superior ironia.
Os “malucos” não só dançaram, como sapatearam. Em seguida, passaram a afirmar seus pensamentos como “verdades” – e verdades únicas. O próximo passo foi conquistar o poder. Hoje os “malucos” não só ocupam os palcos mais centrais como têm o poder atômico de explodir o mundo, como Trump, ou acabar com a Amazônia, como Bolsonaro.
Se a eleição de Trump já havia exposto essa realidade, a de Bolsonaro é ainda mais emblemática. No caso de Trump, ao menos se poderia contrapor que o presidente americano é um bem sucedido homem de negócios, algo bastante valorizado no país do “faça-se a si mesmo”, frase usada para encobrir desigualdades decisivas para o destino de cada um. No caso de Bolsonaro, apesar de ele se apresentar e ser apresentado como “capitão reformado”, o presidente eleito passou os últimos 28 anos como um político profissional com pouca ou nenhuma importância para as grandes decisões do Congresso, ganhando espaço no noticiário apenas como personagem burlesco. Conseguiu se eleger sem sequer participar de debates no segundo turno – ou exatamente por isso –, porque dominava os palcos que importavam para ganhar a eleição.(...)
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