Caso Battisti no
Brasil:
Sétimo Aniversário
Carlos A. Lungarzo
Carlos A. Lungarzo
No
dia 18 de março de 2007, uma patrulha policial multinacional com um monte de
agentes armados até os dentes, estava aguardando desde cedo, em torno de suas
viaturas, numa das praias mais bonitas de mundo: Copacabana.
Que
aguardavam os corajosos defensores da lei e a ordem? Um exército vindo da Rússia?
Um comando de terroristas islâmicos? Uma passeata de populares com mulheres e
crianças para crivar de balas “perdidas”? Isto último poderia ter sido, mas não
foi desta vez.
Eles estavam aí para deter uma única pessoa, um homem de 52 anos, 60 quilos e 170 cm., que vivia
clandestino no Brasil desde dois anos antes, que não tinha nem uma pistola de
chumbinho, que não sabia karaté nem fazia musculação, armado apenas de sua
dignidade.
Os
detalhes da luta em favor de Cesare Battisti, e contra um enorme universo de
linchadores e mercenários, estão em meu livro Os cenários Ocultos, e, mais enriquecido, na reedição francesa Les Coulisses obscures. A história,
entretanto, é muito mais rica, e poderia pelo menos duplicar o tamanho destes
livros. Mas, não é necessário nem possível fazer isso agora. Neste artigo quero
indicar apenas os estágios desse luta, balizados pelos fatos principais
A defesa
A
defesa não formal de Cesare Battisti foi assumida por uma grande quantidade de
movimentos sociais, figuras políticas, setores de partidos, juristas,
organizações de direitos humanos, sociedades profissionais, etc. De acordo com
minha experiência, o único setor quase totalmente ausente foi o acadêmico. O
sindicato de professores da UNICAMP (ADUNICAMP: Cuidado! eles não gostam serem
chamados de “sindicato”), ao qual pertenço desde há mais de 30 anos, não me
autorizou a apresentar meu livro no campus, uma prática usada com qualquer
professor que escreveu alguma coisa, e que nunca teve uma exceção. Já o
sindicato de trabalhadores (não de
professores!) da USP foi a instituição que mais apoiou Cesare antes e depois de
sua soltura.
O PT
se manifestou oficialmente em favor da proteção ao perseguido, embora alguns
setores dentro do mesmo fossem opostos. Estes acabaram se adicionando ao apoio
que o presidente Lula deu ao corajoso gesto de Tarso Genro, por razões
diversas.
Mas,
não é o caso de elencar todos os grupos e seus militantes, o que está feito em
meu livro. Além disso, apesar de que o slogan é usado demais, lembremos que o importante é a qualidade, mais que a
quantidade.
A DEFESA
FORMAL teve várias etapas, mas, no período mais crítico, esteve nas mãos de LUÍS
ROBERTO BARROSO e sua equipe. O atual ministro do STF já era
conhecido por suas posições progressistas e humanitárias, que está reafirmando
atualmente num conhecido julgamento. Barroso é um caso de vocação humanitária e
honestidade, que só pode ser encontrado numa ínfima porção do judiciário
brasileiro (máximo, talvez 5%). Mas, seus traços diferentes aos de qualquer
outro juiz de um país luso-hispânico são: Ele não usa “juridiquês”, não usa opiniões,
mesmo fundadas, como argumentos, tem uma visão científica e sócio-histórica do
direito. Suas notas sobre a história do terrorismo de Estado na Itália são
preciosas, e mostram uma erudição sobre o assunto desconhecida na América
Latina, onde a imagem da Itália é a de uma bondosa democracia que inventou o panettone e a pizza.
Barroso
teve a coragem de dizer que, mesmo sendo uma democracia, a repressão na Itália
foi mais cruel e cobrou mais vítimas que a ditadura brasileira. Curiosamente,
esta afirmação escandalizou a jornalistas que são defensores da ditadura brasileira,
porque, sem dúvida, acham a Itália um melhor patrão. Foi emocionante a força e
dignidade com que encarou as calúnias dos representantes da Itália, e os
sarcasmos sem graça de Cezar Peluso, um dos relatores do processo EXT 1085,
discípulo dos líderes integralistas Reale e Buzaid.
A
sociedade já devia muitas batalhas a Barroso, especialmente as relativas a
células tronco, aborto de fetos malformados, igualdade de gênero e de opção
sexual, etc.
O Ministro
O
Comitê Nacional dos Refugiados, uma dependência do MJ, no final de 2008, votou
contra o pedido de Battisti de ser admitido como refugiado. O pedido perdeu por
um voto. A representante de Itamaraty,
como cabe aos especialistas em negócios internacionais, reconheceu a uma
jornalista que votou contra Battisti para não prejudicar as relações com a
Itália, ou seja, em bom portunhol, era necessário bajular o estado
mafioso-fascista-stalinista.
Caritas, uma entidade da Igreja que (como
cabe num país “secular”) toma conta dos refugiados em lugar do estado, atuou
como os descendentes de Pedro fazem desde há 21 séculos. Disse que não havia
motivo para dar refúgio a Battisti, mas
que este poderia provar sua inocência na Itália. (sic!)
A PF
votou também contra, mas isto não precisa explicação.
Logo
em seguida, o ministro TARSO GENRO usou de um direito dado pela lei: o
Conselho que rejeitou o refúgio é simplesmente a primeira instância de um
percurso onde a instância final é o ministro. Isto está super-explícito na Lei,
e mesmo os neurônios embaçados dos linchadores seriam capazes de ler o texto.
Entretanto, todos eles (políticos, mídia, operadores de direito, militares,
empresários e o lumpen burguês) submeteram a Tarso a numerosas injúrias,
calúnias, infâmias, que o ministro soube confrontar com força, mas também com
serenidade.
Tarso
foi o único político que acusou diretamente ao STF (09/09/2009, desde Chile) de
tentar provocar uma crise de poderes. Ele e SUPLICY
foram as únicas grandes figuras políticas que denunciaram a falsificação das
procurações. Tarso também foi o único que disse, sem meias palavras, que a
Itália havia aplicado a tortura, e que
seu governo era corrupto. Faltou dizer coisas ainda mais fortes, mas isso
que Genro denunciou era suficiente.
O Judiciário
O
ministro do STF Celso de Mello foi o primeiro relator da EXT 1085, mas abandonou o caso logo em seguida. Para
tanto, argumentou estar impedido, o que só “explicaria” em 2011. Saber a
verdade sobre esta decisão faz parte da privacidade do juiz que deve ser
respeitada, mas Mello é conhecido como grande erudito e não podia ignorar que o
refúgio de Battisti era algo absolutamente
legítimo pelas leis brasileiras, estrangeiras e internacionais. Sua
negação era uma infâmia extrema, e, sem dúvida, ele não desejava ser cúmplice
disso.
Antonio
Cezar Peluso o substituiu e, a partir daí, a cúpula do tribunal (relator,
presidente e três “fãs”) protagonizaram o mais triste espetáculo de manipulação
jurídica já visto em Ocidente desde 1945. Podem ver-se os detalhes em meu livro
(versão portuguesa).
Em
09/09/2009, por cinco votos contra quatro, o STF anulou o refúgio dado por
Tarso a Battisti. O Refúgio é um ato
típico do executivo, e assim o estabelece a própria lei. Ele não pode ser
objetado com base ao conteúdo, pois não é um Tribunal quem pode decidir se num
país há perigo ou não para um refugiado.
Duvida?
Faça uma enquete entre vinte juízes diversos, perguntando se há ameaças aos
direitos humanos na Eritréia. Se você encontra dois que sabem “o que isso de Eritreia”, fique feliz.
Depois
desta fraude jurídica, que, em palavras do Barroso, é a primeira vez que acontece na história do judiciário, as cinco
excelências aprovaram a deportação, enquanto quatro juízes votaram contra. Dois
desses juízes deram poderosos e detalhados argumentos contra a extradição. Os
outros dois acharam que a extradição seria totalmente ilegal, contrária à
jurisprudência e à lei.
Em
novembro, o STF colocou a votação o seguinte ponto: “O STF deve extraditar, ou deve deixar ao presidente decidir?” Esta
colocação não faz sentido, porque ninguém coloca em votação algo que é líquido
e certo. O presidente do STF, cuja vida política está cheia de grandes
mistérios (vide Cenários Ocultos), o
relator, e seus dois principais escudeiros, achavam que o presidente nem devia
ser consultado. Ignoraram o texto constitucional que permite só ao presidente
tomar decisões em política internacional.
Por
que se pós a votação? O simpático ministro Ayres Brito, autor de numerosas
intervenções engraçadas, havia votado contra Battisti, porque, afinal, Battisti
era um proscrito, um cara perseguido. Se ele for torrado na Itália, nada
mudaria. Ora, será que ele ousaria agora votar contra os direitos do
presidente? Que eu saiba, Brito não estava ligado tão estruturalmente à direita
brasileira como outros ministros. Ele era um jogador de múltiplas partidas. Sem
dúvida, como jogador era bom: sabia que apostar a Lula era bem melhor que
apostar contra.
No
fim de 2009, o STF “autorizou” a Lula a decidir sobre a execução ou recusa da
extradição. Isso fez que o mais truculento da ralé linchadora lançasse fel
pelos olhos. FINALMENTE, LULA TOMOU SE DECISÃO, no último dia de 2011.
O Presidente
O presidente Lula recusou a
extradição, se baseando num parecer muito detalhado da AGU. Alguns dizem que
Lula apenas cumpriu com seu dever, porque a extradição seria ilegal. Mas cumprir com o dever, numa
sociedade dominada por coronéis, escravocratas e cartels políticos e econômicos, precisa honestidade e decisão.
Se
não, vejamos: o velho direitista Chirac não teve coragem de rejeitar a
extradição de Battisti, apesar de presidir um dos países mais democráticos do
mundo. Se ele liberava Battisti, perderia alguns negociados com a Itália, mas
Lula estava arriscando muito mais. O presidente brasileiro havia sido ameaçado
e humilhado por magistrados, era insultado sem descanso pela mídia, sofria todo
tipo de injúrias da máfia condottiera. Sua
recusa da extradição 1085 é uma amostra de coerência do governo Lula.
Em
realidade o direito de Lula a decidir sobre a extradição, é anterior à decisão
do STF, como já disse, e ele poderia tê-la recusado, mesmo se o STF pretendia
obriga-lo a “obedecer”. Mas, acho que não é legítimo especular sobre o que o
presidente teria feito nesse caso. Ele salvou um homem de uma morte horrível
numa microcela de uma prisão medieval em mãos da uma das mais terríveis máfias
político-teocráticas do planeta.
Algumas
pessoas também levantaram a questão se as razões da recusa seriam ideológicas.
Gostemos
dele ou não, Battisti representa uma das mais típicas tendências da esquerda
europeia: ele é tão de esquerda como qualquer outro dos milhares de militantes
do 77 italiano e o 68 francês. Já Lula é um dirigente popular, o autor de
várias propostas sociais novas no Brasil, e um nacionalista que, 40 anos antes,
teria sido chamado “terceiro- mundista”. O PT contém ainda alguma gente de
esquerda, especialmente nos filiados de base, mas Lula nunca se identificou com
a esquerda. A presença de esquerda no PT deveu-se a idéia de formar um frente
amplo pela democracia que, sem ela, não teria avançado em suas lutas. O PT
ganhou as eleições justo quando a esquerda dentro dele diminuía, e quando a
direita ditava o programa. Lula parece mais próximo da Teologia da Libertação
que da esquerda. Se ele recusou a extradição foi porque era claríssimo que isso
era um ato legítimo, mesmo com as confusas e repressivas leis que o Brasil usa
com estrangeiros. (Brasil é um dos países do mundo que mais rejeita refugiados,
dito seja de passagem. Se você lê jornais, mesmo nacionais, sabe disto.)
Apesar
de sua extrema moderação, Lula enfureceu à direita insana e linchadora que
queria ver o escritor italiano derretendo numa fogueira. Para a direita, como
se vê desde 2002, estes golpes contra o governo do PT, sejam massivos, como os
atuais, ou individualizados, como no caso Battisti, são uma corrente de ações
para desestabilizar o governo.
Então,
além de outros méritos, a proteção de Battisti contribuiu a desmoralizar
levemente à direita, e a obrigou a fabricar novos truques. Ela continuará
tentando o golpe, se não é, alguma vez no futuro remoto, confrontada por uma
verdadeira esquerda. A direita sabe que o capitalismo se beneficia muito do
governo do PT, mas eles querem mais. Querem ser eles os que tenham as chaves do
poder.
A mídia
A
pequena imprensa de esquerda, bem como algumas rádios comunitárias e estações
de TV de sindicatos ou de grupos culturais, nos ajudaram. Das revistas de ampla
circulação, tivemos grande ajuda de ISTO É, através de Luiza Villaméa. Os
magazines mais alternativos, como PIAUI, foram totalmente objetivos, e o
esforço de seu diretor, Mario Sérgio Conti, excelente. Dos jornais diários
brasileiros, que eu me lembre (posso estar cometendo algum engano), poucos
mostraram uma posição neutra ou positiva. Um deles foi a Gazeta de Curitiba.
Mas,
um 80% do total da informação impressa ou televisada sobre o caso Battisti
oscilou entre a deformação sutil, e a confusão, e, muito mais frequentemente, a
mentira mais descarada. Na versão brasileira de Cenários há um resumo desta conduta da mídia, mas ela só, no caso
Battisti, merece um volume aparte. Os dados nós possuímos: falta escrevê-los e
isso dependerá de projetos futuros ainda não decididos.
O Dinheiro
Ninguém
sabe quanto gastou a Itália com o caso Battisti. Um distinto pesquisador de para-política
italiana, dois jornalistas europeus especializados na Itália, e um político
francês coincidem em que não será possível saber quanto, como e a quem
exatamente foram destinadas as grandes propinas. Perguntado sobre “como foi
possível calcular os subornos italianos às forças do Talibã em Cabul”, alguém
me respondeu que era muito diferente. Um rude guerreiro, um líder populista,
grupos militares ou policiais, acabam descobrindo o jogo, seja porque brigam
por dinheiro entre eles (o mais frequente) ou para gabar-se de seus “feitos”.
Segundo
a mesma fonte, altas figuras de um país, ricos empresários, políticos
influentes, têm mecanismos de cobertura impossíveis de detectar. É possível que
alguma dessas propinas nunca tenham saído da Itália e estejam a disposição dos
beneficiários por meio de redes de corrupção que na península abundam.
Só
sabemos de algumas propinas “baratas” dadas a pessoas insignificantes. Dois
escritores que escreveram livros contra Battisti ganharam essas propinas: um
deles recebeu entre 31 e 38 mil Euros (o valor exato não se conhece). Do outro,
não foi possível calcular quanto recebeu em dinheiro, mas se sabe sim que a
Itália comprou as duas edições, e o valor de um “prêmio” que foi dado ao autor
quando o livro nem ainda tinha sido lançado.
É
possível que numerosos intelectuais medíocres de grandes universidades
brasileiras, que prestaram seus serviços para inventar mentiras sobre Battisti
(por exemplo, que ele e Lula eram agentes do finado Chávez e de Fidel Castro),
tenham recebido alguns trocados. Em algumas universidades públicas (as não
federais, especialmente), os méritos dos professores de cursos nem científicos
nem artísticos (onde há alguns critérios objetivos) se julgam por uma rede de
poder das mesmas faculdades. A luta é dura, porque todos querem ter padrinho e
não há tantos cargos nem tantos coronéis. Por causa disso, alguns especialistas
em generalidades ganham algum dinheiro extra atacando os inimigos da mídia,
como as causas de esquerda e os direitos humanos, ou fazendo a apologia da
direita e do imperialismo.
Em Cenários cito alguns exemplos.
O Ódio
O
ódio foi um motor muito grande no caso Battisti. Isso se entende melhor se você
conhece com algum detalhe a história italiana, sua principal literatura e sua
história. A península era, tradicionalmente, não um país, mas uma área, como
seria hoje a América do Sul hispânica: vários estados independentes, unidos
pela mesma história, pela mesma língua oficial, com alguns dialetos, que na
América do Sul são apenas variedades regionais de língua espanhola.
Entretanto,
por diversas razões, a diversidade cultural, econômica e ideológica nos estados
italianos era muito maior que na América do Sul. Por exemplo: na Itália, como
em grande parte do mundo, a influência do Cristianismo estava em todos os
lados, mas as tradições pagãs nunca
puderam ser apagadas.
Muitos
estados conservavam o naturalismo, o espírito libertário e o amor pela beleza e
a sensualidade, apesar de Igreja, que não conseguia interferir neles. Na
Lombardia, na Emília e outros estados houve uma grande tolerância, que o Papa
não conseguiu anular: Essas partes da Itália receberam perseguidos como judeus,
valdenses, anarquistas, gays, desertores e outros. Enquanto nas Américas, a
Espanha e Portugal queimavam na fogueira os “pecadores”, em várias cidades de
Itália a liberdade sexual era absoluta: os chamados “libertinos” tiveram um
grande papel, talvez menor que na França, mas menos aristocrático.
Além
disso, a Itália fez grandes descobertas.
1) O Humanismo que, sem ser ainda um
iluminismo, contestava o mundo de trevas da idade média. Os executados pela
Igreja, como Giordano Bruno, se adiantaram a figuras libertárias modernas, como
Voltaire ou Fourier.
2) Uma das maiores conquistas da
Humanidade, a ciência experimental, surgiu em Pisa, proposta pela primeira vez
por Galileu, que se salvou do fogo por acaso, mas ficou preso até sua morte,
lidando bravamente com as dores e deformações que lhe deixou a tortura.
3) Outra grande contribuição foi o
direito humanitário do Marquês de Beccaria, o primeiro que consegue a eliminação
da pena de morte num estado: Nápoles.
Mas,
a unificação e o Risorgimento acabaram com estas diferenças. Toda a Itália se
unificou, mas não da maneira que os progressistas
queriam. Os países católicos como Áustria e França, e o próprio Papa, se opunham
à unificação porque ela privaria aos católicos dos Estados Pontifícios, o
estado mais poderoso da Itália, onde a Igreja reprimia a seus inimigos sem
qualquer limite. Eles pensavam que a unificação contribuiria a aumentar a
secularidade, o iluminismo, o humanismo. E os iluministas pensavam o mesmo. Ambos se equivocaram.
A
unificação acabou robustecendo a direita, através de um complexo movimento e
dúzias de revoltas e mudanças de governo, que levaram ao desgaste das forças
democráticas. A unificação culminou com a declaração de uma monarquia.
Posteriormente, o país foi o lar de diversas tendências de direita do leste
europeu, que se chamaram, genericamente, La
Nouva Diritta. O advento do fascismo só deu robustez à direita que já
existia de fato. Apesar de perder as terras, o Papa manteve sua enorme força, e
ainda hoje o Vaticano tem influência decisiva na política italiana.
Além
disso, as organizações criminosas, como Cosa
Nostra, confinadas no sul, estenderam seu poder a quase todo o território.
Após a derrota puramente política do fascismo, as raízes deste movimento
ficaram na cultura profunda italiana.
Como
se todo isso fora pouco, à trindade fascismo + igreja + máfias, adicionou-se o
neostalinismo, a que tomou como sócia, um caso único na Europa. O totalitarismo
estalinista, desprovido das metas sociais do estalinismo original, e
transformado num simples partido burguês com alguns pequenos enclaves de
esquerdistas de verdade,
chegava
ao poder na Itália, numa aliança tática com toda a direita para combater a
esquerda, que entre 1947 e 1977 foi muito forte.
Isto
explica parte do caso Battisti, mas seria necessário estender-se mais. A Nova
Itália incorporou os fetiches místicos, a vingança tradicional dos estados do sul, e a truculência da inquisição.
Após a Soltura
Vou
analisar aqui o que no livro, terminado em setembro de 2012, não estava
incorporado.
Em
junho de 2011, o STF se reúne por 3ª. vez. Ele pretende JULGAR se a recusa do
presidente deve ser aceita ou não. Este absurdo ia além das aberrações
habituais da justiça. Só três juízes ousaram votar pela anulação da decisão de
Lula. Um foi Peluso, fiel a seu espírito inquisitorial e fanático, outro foi
Gilmar Mendes, que desde que chegou ao STF constitui uma permanente preocupação
dos setores democráticos, por seu compromisso visceral com a direita
Brasileira. Outra foi lady Ellen
Gracie, uma singular juíza, que acabou se aposentando, depois de ser reprovada
em dois concursos internacionais (para o tribunal de Haia e a OMC), apesar dos “jeitinhos”
que tentou dar Itaramaraty.
Os
outros votaram em favor da soltura de Battisti; foram 6 votos contra 3.
Battisti foi solto, mas a turva linchadora continuou atacando.
MÍDIA
Após a soltura de Battisti, numerosos
canais de TV e colunas de jornal tentaram assustar a população com a imagem de
um perigoso criminoso solto, cujo poder é tal que colocaria em risco 200
milhões de brasileiros.
Em alguns casos, como em Caxias do Sul,
um grupo de vândalos aposentados ameaçou com colocar uma bomba num local onde
Battisti faria uma palestra.
MINISTÉRIO
PUBLICO E JUDICIÁRIO
Pouco
depois de sua soltura, um MP do DF lançou uma ação civil pública pedindo a
expulsão de Battisti do Brasil.
Ao mesmo
tempo, o STF, aceitou a condena a dois anos de serviços à comunidade dada pela
Justiça Federal do Rio. Motivo: entrar a país com documentos falsos.
Os juízes
se queixaram da falta de etiqueta de Battisti. Ele não deveria ter entrado com documentos
falsos. Deveria ter ido ao MRE da Itália e dizer: “Amigos; eu estou fugindo de
vocês; atuem com nobreza; preciso um passaporte legítimo para não usar um falso;
depois, deixem-me fugir. Poxa! Como estou fugindo devem dar-me alguns quilómetros
de vantagem.”
Battisti,
filho de uma família camponesa, não entendeu estas deliciosas sutilezes que os
juízes usam com tanta elegância.
AMEAÇAS
DA ITÁLIA
A
primeira “farabuttada” foi a ameaça com a Corte da Haia. Na época, eu escrevi
um texto mostrando que isso era impossível, mas hoje não vale a pena lê-lo. O
tempo mostrou que era fanfarronice de
aquelas marionetes de camisa preta.
Outra
dessas ameaças, após imediata a libertação de Battisti, foi a afirmação de um
influente juiz da ala stalinista, não da fascista (que bom: na Itália podemos escolher).
Giuliano Turone disse que se ele fosse Battisti não estaria tranquilo. Muito
claro: por um lado, uma ameaça de que Battisti pode ser alvo de ataques
clandestinos italianos, como o fora em 2005, na França. Por outro, uma
incitação para que alguém queira tomar a iniciativa.
ILUMINADOS
Em
Novembro de 2013, Cesare Battisti foi invitado à UFSC, graças ao esforço de
alunos e professores de letras. O objetivo era discursar sobre sua obra
literária. Mas este singelo fato provocou a reação dos fascistas encaixados nos
quadros docentes dessa universidade, instalada num estado tão rico em aqueles
restos das SS e dos arditi. Como se sabe, as elites acadêmicas na AM LAT reúnem
o ódio de sua posição de classe, com o ressentimento de não ter poder político
direito. Os vândalos das universidades da Venezuela são os melhores exemplos.
As
coisas chegaram ao máximo de ridículo. Um engenheiro, professor da Universidade
e consultor do CNPq, bradou no melhor estilo dos dramalhões do século 19,
considerando a presença de Battisti uma enorme afronta para a universidade. Mas
esta palhaçada foi apenas aparente. No fundo, o assunto era estimular um bando
de jovens hooligans para que criaram
baderna. E eles fizeram. O clima de caos foi ajudado por outros esbirros
diplomados, que promoveram ações penais contra os que tinham autorizado
dinheiro para que os palestrantes viajaram. (Eram 900,00 reais cada um). Incluso
prosseguiram com suas ações, quando o governo federal proibiu a Battisti de ir.
Battisti
não iria. Então, não gastaria aquela fortuna de 900,00 R$. Entretanto, aqueles
vermes furiosos continuaram perseguindo ao pro-reitor que assinou o convite.
Em
tempo: Os jovens fascistas não foram de muita ajuda. Medrosos e incapazes de
decorar as frases de ódio que lhes tinham ensinado, não foram capazes de
implementar o projeto de atacar a sala onde eu falava sobre Battisti. Sua única
ajuda foi um senhor munido de ridículas manchas de tinta vermelha que fingiam
ser o sangue das vítimas de Battisti.
Nossa!
Quanta besteira. Realmente, é uma pena ter inimigos desse cacife mental. Assim,
a luta não tem graça.
Além
desse incidente, há muitos outros. O direito de Battisti a viver como qualquer
outro estrangeiro no Brasil é permanentemente violado. São frequentes as
provocações no bairro em que mora, aparentemente consentidas pelos
administradores de seu prédio. Já houve uma ameaça de chamar à polícia depois
de uma provocação para que Battisti reagira.
As elites neofascistas que querem
derrubar o governo, não se conformam com a dificuldade de saciar sua sede de
sangue. Por isso, a vigilância agora por parte do círculo de apoio a CB segue
tão forte como antes.
Mas,
para que esta situação fique definitivamente registrada e se faça conhecer à
opinião pública internacional, será necessário difundir os verdadeiros fatos, seja em forma de textos ou em qualquer outra
forma mediática.
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