O Caso Battisti em
Francês
Carlos A. Lungarzo
Neste
semana acabou de ser impresso na França meu livro
Caso Battisti: Les Coulisses Obscures, editado por Viviana Hamy, com um
prólogo de Fred Vargas. A tradução foi um ato de recriação do brilhante Baptiste Baudoin. Em contato permanente com
ele, decidi reconstruir boa parte do
livro, o adaptando aos novos fatos que aconteceram entre a soltura de
Battisti (08 a 09 junho 2011) até a entrega do original português em 2013.
Nestes dois anos, muitas coisas
mudaram externamente, e várias (não tantas) internamente. No mundo exterior,
Battisti continuou sofrendo perseguição e provocações. Seu processo por
documentos falsos não foi arquivado como cabe em qualquer interpretação
razoável da Convenção de Genebra. Também apareceram MPs burocratas fazendo
denúncias forjadas (Qualquer cidadão comum que apresentasse um 10% dessas
falácias seria processado por litigante de má fé.)
Também aconteceu uma mudança nos
advogados: o brilhante defensor de Cesare, Luís Barroso, passou à condição de
juiz do STF, trazendo a esta rança instituição um sopro de bom senso,
inteligência e coragem. Battisti passou alguns duros tempos, enquanto a Polícia
Federal (por ordem de ainda-não-sabemos-quem-embora
suspeitemos) congelou durante mais de 30 meses seu documento de identidade
para estrangeiro, que é obrigatório para
qualquer residente permanente, e sem a qual poderia ser expulso.
Além disso, ele foi proibido de se
expressar num seminário sobre sua obra literária. Na UFSC, onde foi convidado
por um grupo de intelectuais progressistas, os fascistas que abundam nessa
região do país (alguns com laços históricos com velhos imigrantes pró-nazistas)
promoveram vários tumultos. O mais triste e grotesco esteve representado por um
professor de Ingenheria e alguns outros pistolões, que acharam imoral, absurdo,
criminoso, etc, que uma Universidade Pública convidasse a um escritor para
palestrar sobre literatura. Que barbaridade! Sem dúvidas, estes clowns pensavam que devia ser um médico
ou um engenheiro quem devia falar desses temas. Essas opiniões oligocefálicas
certamente não têm influência teórica, mais sim política: a ladainha dos
professores serviu para estimular um grupo de vândalos pós-teens, que mal e
duramente conseguiam ler as palavras de ódio que alguém lhes havia passado em
enormes cartazes (para que pudessem lê-las passando o dedinho pela linha).
Os provocadores tiveram parcial
sucesso quando o governo, em vez de proteger Battisti e enviar uma guarda,
mesmo pequena, da PF, proibiu ao escritor assistir aquele simpósio. Mas, por
outro lado, houve uma vantagem. Pude substitui-lo e, em minha condição de
estrangeiro-não-estigmatizado, pude fazer o que foi proibido a Battisti (mas que ele não se propunha fazer):
denunciei as tramoias subjacentes, e também, é claro, falei de sua obra
literária.
Dentro ainda dos fatos externos à
redação do livro, houve mudanças na defesa de Cesare pós Barroso. A equipe que
acompanhava o caso de Cesare, para assuntos fora
da extradição não conseguiu (por razões que desconhecemos) esclarecer o
enigma “Onde está a carteirinha de Cesare?”, uma charada que talvez possa ser
resolvida tendo em conta esse ato final de censura contra Battisti escritor.
Hoje Cesare tem dois brilhantes
advogados, Torun e Bottini, ambos progressistas e, sobretudo, de pensamento
ético independente de quaisquer pressões. Há 40 dias que Cesare já tem sua
“carteirinha”, pondo fim a seu longo périplo.
No plano interno da preparação do
livro, nestes dois anos apareceram dados novos, embora não muito. Mais de 80%
do processo, caso não tenha sido destruído, está fechado a sete chaves, e não
sabemos de nenhuma pessoa neutral que tenha tido acesso a ele.
Conseguimos alguns documentos sobre
altas figuras da repressão italiana que afirmam que os atos atribuídos a
Battisti eram políticos e não crimes
comuns. Alguns desses dados tinham sido fornecidos antes ao STF, mas o
relator da época desprezou totalmente. As conexões da perseguição de Battisti
com a politicagem italiana ficou mais clara: sabemos, por exemplo, mais
detalhes do fracasso dos italianos para formar quórum contra Battisti na União
Europeia, encontramos mais oito contradições entre as falsas testemunhas contra
Battisti, e, o mais importante, apresentamos o processo de construção das procurações
falsificadas. Há detalhes que eu não tinha podido apurar na versão
dos Cenários Ocultos, que agora aparecem. Atos suspeitos da polícia e a
magistratura, a desaparição aparente de perícias e laudos, etc.
Alguns dados que só eram relevantes
para o Brasil foram reduzidos de 100 a 63 páginas, e foram acrescentadas 214
páginas de dados relevantes a escala universal, e maiores detalhes sobre as
diversas fraudes no processo. Há um ganho de 151 páginas.
Como já aconteceu na versão
portuguesa, foi impossível saber como e em que quantidade foram pagos subornos
às grandes figuras, mas pelo menos pudemos obter alguns dados sobre o monto que
teria sido pago a dois escritores (um francês e um brasileiro) por escrever contra
Battisti. O primeiro teria recebido entre 30 e 40 mil euros por um livro
bastante grande, que contém algumas informações verdadeiras e não apenas
intrigas. Sobre o outro, só sabemos que a Itália comprou duas edições fechadas
e que deu um prêmio ao autor quando ainda a tinta estava fresca, mas não
sabemos qual foi o monto embolsado pelo autor. Fringe Benefits são desconhecidos em todos os casos.
O leitor pode ver que o título de meu
livro foi modificado:
“Coulisses” são Bastidores e não “cenários”.
“Obscures” parece uma palavra mais
adequada que “ocultos”. De fato, se estivessem totalmente ocultos, eu nunca
poderia ter tido acesso a eles. Em realidade, estavam na escuridão. Foi
necessário acender uma lanterna, algo que fizeram centenas de amigos e colaboradores
que, como na edição anterior, manterei em sigilo. Eles são as “luzes
protegidas”, com que dei nome a meu blog pessoal.
Vários jornalistas e políticos
brasileiros receberão nos próximos dias cópias do livro. Quando receba a minha
poderei fornecer detalhes sobre os aspectos da edição.
O livro será lançado ao público no
dia 06/02/2014.
Como podem ver, com ou sem
carteirinha, a luta continua! Os direitos de um imigrante não dependem de ser
acusado de tal ou qual coisa, mesmo se a acusação fosse verdadeira, muito menos
quando é falsa. A lei se aplica depois de cometido o delito e não antes...
O próximo passo é a tradução da
versão francesa ao Italiano. O antropólogo Italiano, grande estudioso da
cultura latino-americana e ativista de esquerda, Fabrizio Lorusso, publicou 2
capítulos iniciais no site de revista Carmilla.
Por enquanto, parece haver medo de
algumas editoras italianas para publicar o livro. As negociações continuam, mas
é justo que as pessoas protejam sua segurança.
Estou cogitando a publicação em
Espanhol e em Inglês, mas nada tem sido decidido.
Obrigado a todos, muito especialmente
a dúzias de pessoas (seus nomes não estão protegidos mas não tenho espaço para
citar todos) de diversos lugares: defensoria pública, cursos de direito e
ciências sociais, escritores, que me consultaram para escrever assuntos
inspirados em meu livro.
Uma observação: nenhum destes livros é uma biografia. Portanto, não sou biógrafo de
Battisti. Agradeço o elogio, mas não tenho talento para biografias nem me
interesso pela vida íntima de pessoas públicas. Já temos TV, revistas e colunas
de fofoca em abundância.
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