O Massacre de Maio: a
memória
Carlos A. Lungarzo
Unicamp
(ret.)
No dia 3 de junho, a TV Brasil passou
um programa da série Brasilianas, onde o jornalista Luiz Nassif lembrou o 7º
aniversário do maior massacre feito num país Ocidental desde 1945, salvo no
caso da Argentina, onde os massacres da ditadura cobraram entre 30 e 40.000
mortos. Vide
Em maio de 2006, o Primeiro Comando
da Capital iniciou uma série de ataques a objetivos do Estado de São Paulo. O
PCC é, como todos sabem, um grupo delinquencial. Entretanto, não foi tão sabido
o fato que esse grupo se criou como um aparelho armado reativo logo após do
brutal massacre de Carandiru (1992), para revidar novos genocídios policiais. O
democídio de Carandiru, segundo alegações do governo, custou 111 mortos, mas,
segundo fontes independentes (como o prestigioso médico Dráuzio Varela) teria
custado muito mais. Muito menos divulgado, ainda, foi que o PCC começou os
ataques em maio de 2006, quando a polícia de SP extorquiu em larga escala os
parentes dos detentos.
Diz-se que,
em três semanas, houve 564 mortos e a mídia menciona
os policiais executados, e diz que os bandidos mortos teriam caído em
confrontos com a polícia. Entretanto, um grupo minoritário de promotores e
defensores públicos, fez plantão junto aos necrotérios e arriscou sua vida para
provar que a enorme maioria dos mortos era de pessoas desarmadas, inofensivas,
que nada tiveram nunca a ver com qualquer forma de crime, jovens entre 11 e 31
anos, que foram “apagados” pelas costas e\ou com tiros de baixo para cima, e\ou
com rajadas de metralhadora, em fim, com métodos que não deixavam qualquer
dúvida sobre a mão da polícia. Sete anos depois, a mesma mídia (salvo em seus
setores psiquiatricamente mais disfuncionais, como as revistas neofascistas, os
programas policiais, etc.) evita repetir os mesmos mitos que usaram durante o
massacre e prefer “esquecer” da data.
Os policiais
mortos eram 59, o que significa que
o Estado de SP sacrificou quase 9 mortos
por cada um de seus agente caídos. Lembrem que as Waffen SS, durante a ocupação a Polônia, mandavam matar 5 prisioneiros quaisquer por cada algoz
do Reich que fosse abatido. As 500
mortes que não eram de policiais nem sequer foram investigadas. A Secretaria de
Segurança chegou a fazer algo, que não se fez nem mesmo na Alemanha até 1938: impossibilitar o exame dos cadáveres,
ocultando durante vários dias as mortes acontecidas.
Tanto o blog
quanto o programa televisivo de Nassif são os que, de maneira mais corajosa,
honesta e inteligente defendem os direitos humanos. Nesse programa, Nassif
reunião o Defensor Público do Estado, Antonio Maffezoli; o presidente
do CONDEPE - Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; e
o diretor adjunto da organização Conectas Direitos Humanos, Marcos
Fuchs. Todos eles fizeram observações interessantes, mas o próprio Nassif foi
quem teve a atitude mais enérgica.
Ele criticou
a inoperância do princípio de federalização dos crimes contra os Direitos
Humanos, que foi aplicado apenas duas
vezes, sem qualquer entusiasmo e, portanto, sem resultado. Nassif
manifestou, no final do programa, que se envergonhava de pertencer a uma
sociedade em que se praticavam estes crimes brutais, e acusou os membros dos
ministérios públicos que se tornaram cúmplices dos bárbaros assassinatos. Também
criticou o governo federal por sua indolência, devido a que, por interesses
políticos e econômicos. não deseja entrar em conflito com o governo de São
Paulo. “Qualquer coisa é mais importante para eles que a vida humana” disse
Nassif, em tom indignado.
Cerrou o
programa afirmando que nunca, em sua longa carreira de jornalista, tinha tomado
conhecimento de um crime tão hediondo. É importante ressaltar a relevância
deste grupo de comunicação, tendo em conta o silêncio cúmplice da maioria da
mídia, no caso de um fato tão sangrento que não se registra em Ocidente desde
as últimas chacinas nazistas.
Cabem algumas
observações sobre assuntos
colaterais.
O
representante de CONECTAS sugeriu que a polícia de SP precisava mais preparação
e recursos técnicos. O apresentador perguntou se esse era o caminho, sendo que
parecia que aqueles crimes eram propositados
e não produto de qualquer erro o excesso. O participante fez um sorriso
embaraçado e não respondeu. Devemos notar que todos os humanos temos medo da
repressão, mas quando nosso medo é excessivo, deveríamos procurar outra
atividade que não seja de ativista de DH.
É necessário
ter em conta que o Estado de São Paulo, desde tempos imemoriais, tem
desenvolvido uma política sistemática de social
cleansing contra pobres, negros e estudantes, e que a política sanguinária
que continuamente golpeia os setores populares é o resultado tanto da tradição
integralista e fascista das elites do estado, como do surgimento de um
neonazismo presentes em todos os aspectos, da repressão policial e o
aviltamento do ensino até os massacres coletivos como Pinheirinho, os
julgamentos forjados e o estímulo ao fanatismo fundamentalista.
Sem falar,
ainda, da personalidade patológica dos membros da equipe da secretaria de
segurança naqueles dias de maio.
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