ENTREVISTA: OS CENÁRIOS OCULTOS DO CASO BATTISTI
O jornal Causa Operária está na casa da
família Lungarzo, entrevistando Carlos Alberto Lungarzo e sua esposa Silvana.
Carlos Alberto Lungarzo foi professor titular da UNICAMP, militou em várias
organizações internacionais de direitos humanos, no México, na Argentina, e no
Brasil, e em outros lugares. Escreveu dois pequenos livros sobre o caso Battisti
em 2009, e terminou, em 2012, o livro: OS CENÁRIOS OCULTOS DO CASO
BATTISTI
Causa
Operária: Porque surgiu a ideia
de escrever um livro sobre o caso de Battisti?
Carlos: Em 2009 escrevi dois pequenos livrinhos para
orientar nossa militância. O primeiro foi publicado e impresso em computador. O
segundo tinha em torno de 130 páginas e foi impresso pelo movimento de esquerda
Crítica Radical (Fortaleza, Ceará).
Mas, quando a situação de Battisti ficou mais complexa, tentamos chamar toda a
atenção possível e fazer algo mais profundo sobre o tema. Primeiro para mostrar
qual era a verdade dos fatos. As pessoas escutavam e viam a televisão e os
jornais, que estavam manipulando sua informação. Outras não tinham nem ideia de
quem era esse italiano Battisti, acusado de crimes.
Então queríamos aprofundar e mostrar o que realmente tinha acontecido. Foi assim
que eu comecei a escrever esse livro, em julho de 2009. Quando Battisti foi
libertado, em 09/06/2011, comecei a ajustar o livro à necessidade do leitor.
Inicialmente o livro era quase o dobro do atual, e pensamos que não seria fácil
de ler nem de vender. Tínhamos que torná-lo atraente, para ser uma referência
em informação. Mais de 80% da grande impressa burguesa falava mentiras sobre o
caso.
Jornais de grupos políticos ou culturais,
como Causa Operaria, Brasil de fato, Caros amigos e outros, incluídos Istoé e, sobretudo, Piaui, mostravam a
verdade. Há um jornal importante no Paraná, a Gazeta, que fez uma reportagem
sobre a família Battisti, mais fora isso, tínhamos 80% da imprensa contra.
Queríamos fazer algo que fosse acessível para
todos saberem os fatos e poder refutar as mentiras. Uma coisa é você ser
invadido pela TV sensacionalista, onde apresentadores que simulam pânico dizem que
há um perigoso terrorista solto no Brasil. Outra é comprar um livro onde se
relatam os fatos com apoio de mais de 300 documentos, em quase 400 páginas com
97 fotografias.
Todos os livros contra Battisti (que são 4)
foram encomendados pela Itália. Do único feito no Brasil, a Itália comprou duas
edições fechadas em português (!). Então minha ideia era desconstruir essa
tempestade de mentiras: creio que até esse momento tivemos bastante sucesso.
Percebemos que o livro está tendo algum efeito. Pessoas que estavam confusas (“Será
que ele matou ou não matou??”) compram o livro para se informar. Um termômetro
que tivemos foi a própria família Battisti, que é uma enorme rede de famílias
com o nome Battisti no Paraná e em RS, que formam uma comunidade de mais de
4000 mil membros. Eles nos convidaram a sua festa anual e compraram cerca de
100 livros, o que equivale a 100 famílias, ou seja, mais de 400 pessoas. Nessa
festa havia 700 pessoas. Eles deram boa recepção às nossas provas.
Causa
Operária: Quais são as principais
revelações de destaque do livro?
Carlos: Há dois tipos de revelações: aquelas que
eram conhecidas apenas pelos que leram a documentação, e a outra, mais
confidencial, que obtivemos através de agentes do estado Francês. Ambos os
tipos estão rigorosamente documentados, e ambos os tipos foram ignorados e
distorcidos pela mídia brasileira. Aqui vão as principais.
1)
Battisti foi
julgado em ausência, sem saber que estava sendo julgado.
2)
Não houve nenhuma testemunha que dissesse que
Battisti estava no lugar das mortes. Houve mais de 25 testemunhas no total e nenhuma
menciona Battisti.
3)
Quatro
testemunhas descrevem um rapaz próximo do lugar do primeiro morto, mas os
quatro divergem na maior parte dos
detalhes descritos. Nenhum deles reconhece o retrato de Battisti.
4)
Não houve provas materiais. Pelo menos, a Itália não apresentou nenhuma, nem permitiu que
olhássemos seus arquivos.
5)
A sentença
italiana se contradiz: às vezes fala de dois
tiros, outras de três, no mesmo
caso. Também se contradiz quanto aos calibres das armas, etc.
6)
O relato sobre a pretensa culpa de Battisti
está baseada numa única delação: a de Pietro
Mutti, um operário da Alfa
Romeu de 25 anos. Ele obteve redução de pena, de PRISÃO PERPÉTUA a OITO ANOS.
7)
O mais importante é o caso de procurações
para falsos advogados que o Tribunal de Júri de Milão mandou falsificar. Nos
capítulos 11 e 19 de meu livro e em meu site há fartas provas desta manobra.
Causa
Operária: Se tratava de delação premiada?
Carlos: Sim, delação premiada e muito bem. De prisão
para vida toda a OITO anos, que, segundo se acredita, não foram cumpridos.
Houve outros delatores mas apenas repetiram o que Mutti tinha inventado. Esses
outros foram premiados. Alguns cumpriram apenas 4 anos por assassinato
agravado.
Não se sabe onde está Mutti. As reportagens
dele feitas na Itália em 2009 e 2011 são falsas de maneira evidente. Pode ter
sido morto pela polícia, ou aposentado, em algum local da África, com algum
dinheiro para manter o “bico fechado”. (becco
chiuso).
Causa
Operária: Como vocês conseguiram
as demais informações ?
Carlos:
Basicamente através da França. Quando a
Itália pediu a Franca que entregasse Battisti o governo de Jacques Chirac, exigiu
que a Itália entregasse tais documentos. Mesmo que Chirac estava numa
vergonhosa cumplicidade com a Itália, na França não é possível fazer coisas
totalmente ilegais, e os italianos deveram mostrar alguns documentos, depois de
meses de desconversar.
Nossos amigos franceses nos deram cópias
autenticadas. Também temos fontes próximas do governo francês que não posso
revelar.
Causa
Operária: Na sua opinião quem
esta por trás da perseguição a Battisti e quais os interesses?
Carlos: Há
muitos interesses e também alguns fatores culturais. Eu sou de família
italiana de longa data e percebo o fato cultural. Essa caça ao Battisti é uma
grande vingança.
Porque vingança com ele e não com outro?
1) Ele foi o único que conseguiu escapar.
2) Ele sempre preservou sua dignidade, não se
humilhou. Não puxou o saco dos juízes. Essas coisas enfurecem a esses togados
vingativos, fascistas e medievais. Recusou ser delator.
3) Mais
Importante. Battisti é
um escritor famoso na França. Eu tenho aqui alguns dos livros dele que foram
publicados. Em total, são quase 30.
4) Todos descrevem a historia de pessoas
perseguidas. A ideia desse gênero politico criminal é que o crime sempre é
politico, que o caos não acaba nunca. Por exemplo a policia persegue um cara
que rouba um pão a policia persegue, mais depois se comete um assassinato por
causa desse roubo e a onda de crimes nunca para. No caso do Estado de São Paulo
isso é muito comum, quando mais agitação social o governo aumenta o numero de
policiais. O livro de Battisti, por exemplo Dernières cartouches (Os últimos Cartuchos), descreve um
cara chamado Conrado que é um proletário que sai de Roma e se junta a um grupo
revolucionário. Ao longo do livro Battisti vai descrevendo todas as atrocidades
que se fazem na Itália, por exemplo julgamento sem base, assassinatos em
prisões e tortura. E é um livro curto de fácil leitura
5) Todos
os livros dele tiveram sucesso. Mas esse Dernières
cartouches teve um sucesso
especial, e se vendia em bancas de jornal. Então uma pessoa que nunca leu
história, passa e vê um livro desse e começa a ler e pensa: “isso acontece aqui no país ao lado, na
Itália”, coisa que ele não sabia. Então nesse momento fascistas e
stalinistas se juntaram para atacar Battisti.
6) Fizeram um plano para deporta ló da França. Mas
ele escapou, jogando na lama o prestígio dos abutres italianos.
7) Battisti tinha muita popularidade; teve uma
passeata em Paris de 20 mil pessoas em favor de sua liberdade, os italianos
ficaram mais furiosos.
8) Isso explica por que a perseguição foi tão
insana, tão cheia de ódio e de atos absurdos e exagerados, como o insulto
contra Lula, contra os brasileiros em geral, contra as mulheres, contra o
futebol. Uma verdadeira doença em massa, como nos piores tempo de Hitler.
Causa Operária: Qual foi a postura da imprensa burguesa
perante o caso Battisti?
Carlos: Foi totalmente contrária e inimiga mortal,
começando por definir Battisti como terrorista, contrariando a definição de
terrorismo do conselho de segurança da ONU.
Esse ódio da mídia foi em parte ideológico,
em parte foi subserviência, e também foi suborno, embora eu nunca pude saber
quanto pagou a Itália nem qual é a lista dos que receberam esse dinheiro.
A Folha de São Paulo, se referia a Battisti
como terrorista, num certo momento eu mandei uma carta para eles dizendo que
eles deveriam entender, que uma pessoa que está presa não pode cometer nenhum
ato de terrorismo. A Folha de São Paulo fez dois editorias, assinados pelo
próprio dono, exigindo a extradição.
Depois
colocou ênfase em informações falsas. Em abril de 2009, a Policia Federal do RJ,
dizia ter encontrado conexões de Battisti com um grupo terrorista. Havia um
delegado Kleberson, outros policiais menores, um promotor e um juiz que
montaram a farsa. Finalmente não acharam nada. Depois disso, a Federal
reconheceu que a denúncia tinha sido feita pela Itália.
Outro exemplo: a Folha.com publicou 15 matérias em dois anos sobre o filho de um dos
supostos mortos pelo Battisti (Pierluigi Torregiani, pai de Alberto Torregiani,
que está paraplégico). Todavia, a mesma perícia legal de Milão diz que
Torregiani, ao defender-se de um de seus atacantes, atirou e feriu Alberto por
engano.
A Rede Globo fez uma reportagem sobre
refugiados. Na primeira meia hora não falou de Battisti, mas começou a falar
que tinha um refugiado no Brasil e seguiu com trechos de filmes americanos onde
alguém que comete um crime sempre vem para o Brasil.
Alguns
meios foram totalmente subservientes aos italianos, como por exemplo, a Veja,
onde, inclusive, há uma matéria que apareceu na versão eletrônica, onde se
incita à violência contra Suplicy.
Casos menores, como, por exemplo, a Carta
Capital, é um caso especial. Neste caso, parece que o dono tem interesses com
os neostalinistas italianos, mas nunca se mostraram provas disso. De qualquer
maneira, o exagerado ódio dessa revista por Battisti faz suspeitar que há algo
pessoal.
Causa
Operária: Sobre o STF? Qual foi o
papel em relação ao Battisti?
Carlos: No STF, a tendência legalista foi formada por
Marco Aurélio, Carmem Lucia, Eros Grau e Joaquim Barbosa. Nunca o Brasil entregou
um preso político legalmente, nem durante a ditadura militar. Os militares
sequestraram numerosas pessoas, mas o judiciário, mesmo sob a ditadura, nunca
devolveu um perseguido.
indubitavelmente um perseguido politico tem
direito a asilo. A polícia italiana tem fama por sua brutalidade. Agora o que
acontece é que os outros ministros tinham interesses próprios para mandar de
volta Battisti. O Ministro Cezar Peluso tem nacionalidade italiana e deu a
Itália absoluto poder durante o julgamento, como se o Estado Italiano fosse
mais um juiz. Aliás, ele é um católico radical e a Igreja estava mortalmente
contra Battisti.
Gilmar Mendes e a juíza Hellen são da direita
do PSDB e sua intenção era bater no governo de Lula.
Lewandowski e Britto não sabemos que tipo de
razões tinham, mas seu comportamento foi muito confuso.
A questão de Battisti é simples: em qualquer país ocidental, quem
decide se uma extradição é licita é a justiça. Se a justiça diz não, o governo NÃO
PODE DIZER SIM. Agora se o tribunal diz sim, fica ao chefe de estado aceitar ou
não. É exatamente o contrário que acontece com o refugiado. O STF não pode
revogar um refúgio, foi por isso que a revogação de Battisti foi ilegal.
Causa
Operaria: Qual seria a atualidade
do caso Battisti e do seu livro?
Carlos: O caso Battisti tem muita atualidade
pelo seguinte, o caso dele serviu como pretexto para fazer uma espécie de luta
de poderes. Está muito claro que no Brasil existe uma tentativa de o judiciário
se transformar numa espécie de ditadura. Estamos vendo recentemente em muitos
casos, com o mensalão e também da promotora que quer processar os 72 estudantes
da USP, que podem pegar 8 anos de cadeia. Então a primeira atualidade é que
todos os demais poderes estão sendo submetidos ao judiciário, como nas piores
ditaduras teocráticas. A segunda coisa é que O CASO BATTISTI NÃO ESTA TOTALMENTE FECHADO, neste momento um
promotor do Distrito Federal, quer revogar o visto do Battisti, ele tem um
visto igual o meu de permanência, ou seja, Battisti ainda é um bode expiatório.
EU QUERIA FAZER UMA APELO A MILITÂNCIA: Não pensem que a coisa está tranquila ao
ponto de cruzarmos os braços, temos que nos manter fortes e nos reativarmos
rapidamente. Devemos seguir mantendo nossos vínculos com os centros europeus de
solidariedade, e prosseguir com nosso contato com a Corte de Direitos Humanos
da OEA e o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Com respeito ao meu livro, acho que foi
fundamental para mostrar em que clima de aberrações jurídicas vivemos. Uma
justiça que persegue os pobres, os dissidentes e a esquerda e é cúmplice da
direita. Por isso eu quis mostrar no meu livro, o que é uma vingança típica do
judiciário, existem muitos casos, mas são de menor relevância, o de Battisti é
de mais de 30 anos. Todos sabemos que uma pessoa pode ficar presa por mais de 4 anos por roubar um medicamento
para um filho que beirava a morte, ou ser torturada por roubar um shampoo e
perder um olho, como aconteceu com uma menina favelada cujo caso foi relatado
em Caros Amigos por Tatiana Merino.
Minha ideia é mostrar que o caso de Battisti
é muito especial. Além disso: a iniquidade do judiciário é tão forte na Itália
como no Brasil. Aliás, há um caso de vingança politica que nunca se viu antes na
história. Então de repente eu pensei
“Estamos num mundo governados por loucos
sádicos e místicos”
E isso dá um pouco de medo”. Não dá para
confiar nessas pessoas, amanhã eles podem dizer: não queremos argentinos ou
uruguaios no Brasil; vamos condenar todos eles a 30 anos de prisão perpétua.
Estamos nas mãos de monstros. Se a sociedade não acorda, QUALQUER ABERRAÇÃO
PODE ACONTECER.
Eu quero agradecer e me sinto feliz por
contribuir. Eu tenho um blog que chama a luz protegida
http://aluzprotegida.blogspot.com.br
e o outro site sobre o Caso Battisti, que tem
todas mais informações.
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