Feliciano e o Papa
Carlos Alberto
Lungarzo
27 de março
de 2013
Alguns grupos de evangélicos apoiam a
presença de Marco Feliciano como presidente da CDH de Câmara, e uma pessoa,
entre outras, usa o seguinte argumento:
...Ele sustenta a mesmas teses que o Papa, mas ninguém
reclama contra o papa. Trata-se de animosidade contra os evangélicos!
Primeiro: No Brasil
o Papa é pouco conhecido, mas na Argentina, onde ele é tristemente célebre, é
fortemente combatido pelos grupos autênticos de Direitos Humanos, embora conte
com o apoio de oportunistas que utilizam os diretos humanos como arma política
ou de propaganda pessoal, ou de ingênuos que se impressionam por sua linguagem
demagógica. No Brasil quase não há oposição contra ele, também porque o país é
menos atingido pelo Vaticano do que outros países.
Segundo: Os
críticos têm razão em comparar os dois. Em realidade, julgando pelos fatos
empíricos e não apenas com base teórica, o papa
é ainda mais truculento que Feliciano. Ele é tão homofóbico, misógino e
preconceituoso como este, mas, além disso, facilitou o sequestro de padres, e a
ocultação de sequestros de crianças. Muitas pessoas podem dizer que Feliciano
não ajudou a nenhuma ditadura porque não teve sorte. É jovem demais para isso.
Mas não podemos julgar às pessoas por inferências teóricas, muito embora tenham
uma probabilidade muito alta, quase de 100%.
Terceiro: O
Papa é um assunto interno dos católicos. O Vaticano é escutado apenas por essa
proporção católica que é menos de 1/5 da Humanidade e, por outro lado, tampouco
todos os católicos aceitam o esquema mafioso do Vaticano. Qualquer um que conheça
a Europa sabe que mesmo em países católicos, como a França, as crenças
religiosas em geral, e a católica em particular, vêm caindo drasticamente
devido ao alto nível cultural e às boas condições de cidadania das suas
populações e às liberdades democráticas, que são rigorosamente cuidadas e
mantidas. A tal ponto que Igrejas outrora muito frequentadas, hoje são usadas
como museus.
Quarto: O
poder real do Papa está condicionado ao dinheiro do Banco Vaticano, às
maquinações da cúria Romana, a harmonia com a máfia, a suas alianças com o
neofascismo. E esse poder, que se pretende estender a todo o mundo, fica fragmentado, diminuindo, portanto, sua
eficácia. Claro que o Papa tem o poder dito “espiritual”: ele pode excomungar e
coisas do gênero. Mas, os que acreditam, em pleno século 21, no poder dessas
superstições, não podem queixar-se. Ninguém é obrigado a permanecer numa
religião. Atualmente, nenhum país Ocidental, nem mesmo a própria Argentina, tem
leis que obriguem uma pessoa a ser católica. Se você fica no fogo, é para se
queimar!
O caso de Feliciano é bem diferente:
Concordo, sim, em que ele, não é pior que o Papa. Mas ele está
dotado de poder civil e político. Em qualquer lugar
civilizado (e diferencio “civilizado” de “democrático”; não diria que os EUA
são civilizados, embora tenham um sistema democrático), um cara como ele não poderia ocupar nenhum função eletiva, nem mesmo
vereador de uma cidade de mil habitantes.
Então, é absolutamente vergonhoso e
insano que ele possa ter sido eleito deputado. Esta insanidade foi possível por
outra maior. Porque uma agrupação que é uma simples associação criminosa para
lucrar com a fé e ingenuidade do povo, e que alberga todo tipo de marginais de
colarinho branco, nunca deveria ter registro eleitoral como partido. E seus
membros, com um histórico como o de Feliciano, jamais poderiam ser eleitos.
Há ainda outra insanidade maior, que é
o sustentáculo dessas agremiações: as seitas religiosas não pagam impostos - como
qualquer pessoa ou organização - sobre seus “resultados financeiros”, e sua
atividade criminosa de extorquir pessoas humildes da população - em troca de
vantagens nos céus e falsos milagres e sucesso na terra - “não é considerada
crime”. Essas sociedades ludibriam com a maior crueldade e empáfia pessoas pobres,
indefesas, desesperadas, cujos problemas são tantos que pensam que só contam
com estes canalhas vigaristas para resolver junto à Deus.
Mas, que este teratológico sujeito
seja Presidente da Comissão dos Direitos
Humanos é simplesmente uma achincalhação de mau gosto. Um deboche absurdo.
Em realidade, a única comissão em que ele poderia estar seria uma Comissão
Contra os Direitos Humanos.
Quem tem a culpa disto?
Obviamente, o caráter classista,
corrupto e escravocrata das instituições da América Latina (e não só dela, mas
especialmente dela), organizadas por um sistema eleitoral que, na prática,
propõe que para ganhar as eleições um partido tenha que fazer acordos com
apoiadores eleitoreiros e, depois, para poder governar, garanta a distribuição
de cargos em toda a estrutura de poder para garantir a votação de leis que lhe
interessem nas casas legislativas.
Especificamente no Brasil, a situação
dos direitos humanos é pavorosa: pense em alguma violação e, sem dúvida, ela
tem exemplos no Brasil: homofobia, misoginia, racismo, brutalidade policial e
militar, tortura, assassinatos do poder público, massacres de populares, de
indígenas, evicção massiva de populações, trabalho escravo, violência contra
mulher e crianças, tráfico de pessoas, exploração sexual, desprezo pela
liberdade de crença, sabotagem aos direitos sexuais, repressão contra os
direitos reprodutivos, desprezo pelos direitos dos refugiados e a legislação
internacional, apologia da violência do estado (em filmes e novelas), etc. etc.
etc.
O pior é a inoperância dos poderes
públicos. Eles têm comissões e ministérios dos DH, porque precisam mostrar no
exterior e são pressionados pelos legítimos defensores dos DH internos. Aliás, seja
premeditado ou não (é difícil saber), eles cumprem a função de desmoralizar os
DH. Quando um truculento deputado disse que a CDHM poderia ser fechada, foi
impossível não pensar que sua ausência, lamentavelmente, talvez nem seria
percebida.
Havia uma lenda que dizia que o
antigo Rei Midas transformava em ouro tudo o que tocava. As instituições
públicas nacionais parecem ser um Antimidas. Com efeito, organizações
internacionais que em outros países funcionam bem, aqui são um total fracasso.
Ontem, muito tempo depois do começo
da luta contra Feliciano, uma das maiores ONGs internacionais de DH fez uma
tímida declaração contra o sujeito.
Aliás, eu não entendo o que pensam as
pessoas que atacam Feliciano, porém poupam de críticas a comunidade à qual
pertence. Como ele poderia se manter se não fosse por seus parceiros, outros de
sua mesma laia, que fazem parte do aparato político e religioso que o levou ao
poder?
O caso de Feliciano é uma amostra
horrível, dolorosa, bizarra, da falência moral absoluta dos poderes públicos.
Não fica dúvida que o único objetivo do estado é promover e proteger o lucro das
empresas e para garantir isso, tudo é possível: destruir a ecologia, expulsar
populações de suas casas para entregar terras à especulação imobiliária e/ou
latifundiários, e fazer vista grossa ao desrespeito generalizado dos Direitos Humanos.
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