José Pacheco: Onde estão os professores? Por que não ocupam suas escolas?
Por José Pacheco
Pré-ocupações
Há mais de cem anos, Almada Negreiros escreveu:
“Quando eu nasci, todos os tratados que visavam salvar o mundo já estavam escritos. Só faltava uma coisa: salvar o mundo.
Quando
decidi ser professor, todos os tratados que visavam salvar a educação
já estavam escritos. Só faltava refundar a escola, salvar a educação,
sair da zona de conforto.
Já
na distante década de 1970, nos pré-ocupávamos e questionávamos o
instituído. Os enunciados dos projetos requeriam que se educasse para e
na autonomia.
Porém,
professores cativos de uma platônica caverna, para onde uma “formação”
deformadora os havia atirado, semeavam heteronímia.
Uma tradição centralizadora e autoritária recusava às escolas o direito à autonomia, contrariando a lei.
Provisórias medidas ministeriais adiavam a refundação da escola e negavam o direito à educação.
A
crença nas virtudes da velha escola mantinha os professores na ilusão de
uma possível melhoria de um modelo em decomposição. Se a família
terceirizava a educação dos seus filhos e a escola não ensinava, uma
sociedade doente considerava normal que assim fosse.
O
contraste entre a sofisticação do discurso e a miséria das práticas
tornava-se insustentável. Se as medidas de política educativa negavam a
muitos alunos o direito à educação (direito consagrado na Constituição e
na Lei da Bases), o poder público teria direito de manter tais
políticas?
Se o modo como as escolas funcionavam provocava a exclusão de muitos jovens, as escolas poderiam organizar-se desse modo?
Se, do modo como ensinávamos, muitos alunos não aprendiam, teríamos o direito de continuar a trabalhar desse modo? Cadê a ética?
Estas
foram algumas das nossas pré-ocupações. Até ao momento em que,
fundamentando as nossas reivindicações na lei e numa ciência prudente,
assumimos o estatuto de autonomia, dignidade profissional.
Reivindicamos
condições de desenvolvimento dos projetos político-pedagógicos,
exigimos respeito pelas decisões (políticas e pedagógicas) das nossas
escolas e comunidades.
Da pré-ocupação passamos à ocupação.
No
Brasil, ao cabo de vinte anos, o artigo 15º da Lei de Diretrizes e
Bases do Florestan [Fernandes] e do Darcy [Ribeiro] é letra morta. A lei
não foi cumprida e o poder público insiste no fomento de velhas
fórmulas.
Bem
nos avisava o Anísio [Teixeira]: Habituamo-nos a viver no país
proclamado. Não no país real. Não existe uma política de Estado. Existe
uma prática de desgovernos.
Mas
há jovens brasileiros que não se mostram condescendentes com
ministeriais disparates e ocupam escolas. Surpreende-me que sejam os
jovens a ocupar escolas.
Deveriam
ser os professores a ocupá-las. Porque os jovens sabem aquilo que não
querem, mas ignoram a escola a que têm direito. Suponho que os
professores saibam…
Se
o sabem, por que se mantêm apáticos, quando, na formulação de política
educativa, critérios de natureza administrativa se sobrepõem a critérios
de natureza pedagógica?
Por que não cumprem os seus projetos?
Por que consentem que burocratas lhes imponham a mordaça do “dever de obediência hierárquica”?
Onde estão os professores?
Por que não agem no chão da escola e da comunidade, fazendo o que é preciso e inadiável, assumindo um estatuto de autonomia?
Por que não ocupam as suas escolas?
(Do Outras Palavras/ Blog da Redação)
José Pacheco
é educador português e mundialmente conhecido pela criação da
experiência inovadora representada pela Escola da Ponte, é autor de
diversas obras sobre aprendizagem e gestão democrática na educação
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