quinta-feira, 24 de julho de 2014

Repressão ao Direito de Manifestação



Repressão Truculenta ao Direito de Expressão
Carlos A. Lungarzo
O pedido de asilo ao consulado da República Oriental do Uruguai (ROU), da advogada Eloísa Samy e do jovem casal que estava com ela, é um típico caso de ação legítima de proteção da vida e da integridade. Mas também é um ato natural para alguém que mora num meio onde a tortura, a humilhação, os julgamentos fraudados e a morte violenta, não são “erros” nem “abusos”, mas fatos contínuos, ininterruptos e permanentes de um sistema repressivo, criminoso e corrupto.

Os Fatos e a Diplomacia

Diplomatas estrangeiros credenciados em países com os que possuem fortes laços são talvez os mais cuidadosos observadores do que acontece nesses estados. Não é impossível, mas é difícil, acreditar que os representantes da ROU não soubessem como estava sendo tecida a trama para intimidar as manifestações pacificas de 2013.
Até os ativistas mais jovens do movimento “Passe Livre” perceberam em seguida que o movimento, que mobilizava milhões de pessoas, estava sendo infiltrado, após que a polícia de SP, fracassou em sua tentativa de assustar os militantes. Pelo contrário, a brutalidade da repressão em SP, difícil de comparar a casos similares na pior época da ditadura, teve como efeito estender e deflagrar novos e gigantes protestos em todo o país.
Às reclamações contra o aumento de passagem somaram-se as exigências de saúde e educação públicas de qualidade; porém, alguns grupos de sabotadores se misturaram imediatamente com os legítimos manifestantes, levantando reclamações de tipo fascista.
Com enorme lucidez, os convocadores das passeatas afirmaram, de maneira bem explícita, que não iam a continuar convocando, porque as
manifestações dos últimos dias terem sido infiltradas por grupos conservadores que defendem propostas como a redução da maioridade penal e a criminalização do aborto.
Além disso, os organizadores tinham se confrontado com os “infiltrados” por causa de que estes não queriam que o PT fosse autorizado a integrar o protesto, como qualquer outra força. Isto era um esforço grosseiro (mas fácil de ser inflado pela mídia) para pintar o PT como responsável do caos gerado pelos governos estaduais de direita.
Nessa época, já haviam começado as ações destrutivas de grupos vandálicos infiltrados nas manifestações, mas isso ainda não havia atingido o volume máximo. Ninguém fez afirmações explícitas, mas foi absolutamente evidente que essas ações eram provocadas pela direita parlamentar (para mostrar que o governo federal favorecia o caos.)
Isto foi óbvio quando a cúpula de SP decidiu mostrar-se mais “compreensiva” com os manifestantes, para tentar cooptá-los. Essa cooptação fracassou ao ponto que os coordenadores preferiram, sabiamente, abortar o grande sucesso das passeatas, antes de correr o enorme risco de serem manipulados por ações dos PSDB, DEM, os partidos nanicos, os clericais neonazistas, e a ubíqua mídia.
A solução da direita, então, devia ser radical: financiar o hooliganismo e “quebrar tudo”, incluindo instalações do governo federal.
Fontes “misteriosas” tinham predito grandes confrontos durante a COPA FIFA. Até circulou uma versão esquisita atribuída ao grupo ilegal PCC ameaçando com um grande caos durante os jogos. É notório que a maioria dos pobres, estejam dentro ou fora da lei, curtem o futebol, e muitas vezes os detentos reclamaram o direito a TV para assistir os grandes jogos. Portanto, esse rumor deve ser apenas uma provocação de alguns meios de infiltração ou paramilitares.
Tudo isso, que visava criar tumultos gigantescos para que o mundo inteiro repudiasse o governo brasileiro, teve o efeito contrário. Nada disso pôde ser concretizado, e a imagem que os estrangeiros levaram do Brasil foi a melhor possível. Até os exigentes Alemães e Neerlandeses qualificaram esta como uma das melhores copas que já conheceram.
Tudo indica que, entre outros empecilhos, não houve consenso entre os comandos de choque da direita para promover brigas entre as torcidas mais violentas. A Polícia Federal, talvez instruída pelo MJ, teve cuidado de filtrar o desembarco da “Barras bravas” no Brasil, grupos delinquenciais argentinos que promoveram em diversas épocas grandes catástrofes em estádios argentinos e estrangeiros, com, às vezes, até 73 mortos num único jogo.
Aliás, um escândalo não era conveniente à PF como corporação, sendo que vários bi de pessoas assistiam ao espetáculo no mundo todo e os países mais civilizados poderiam se escandalizar se proliferasse uma repressão cruenta. Tudo foi feito com sutileza, mas, ao mesmo tempo, isso implodiu o plano da direita de tocar fogo na COPA. Por exemplo, a desarticulação pacífica de um dos mercados negros internacionais de ingressos parece uma amostra de que a PF não estava a fim de tolerar uma situação de caos, e agiu com a calma da polícia britânica ou norueguesa.
Com as eleições se aproximando, e as pesquisas variando muito levemente, surgiu o terceiro ato deste circo político-judicial. O MP de Rio de Janeiro denunciou à advogada Eloísa e outras vinte e tantas pessoas, para servirem de bodes expiatórios. Inicialmente, a imagem de perseguição arbitrária podia criar, nas grandes massas, o sentimento de que a culpa era do governo central. A maioria das pessoas, numa sociedade em que o povo não recebe informação verdadeira, acredita que tudo o que acontece (desde o semáforo quebrado até a tormenta e o frio) é culpa do “governo”, quando não da presidenta em pessoa.
Por outro lado, mesmo se os grupos perseguidos fossem de ultra-esquerda, como se diz, isso seria preocupante para a direita. Os conservadores não acreditam a própria balela que vendem a terceiros, de que a direita e a esquerda, no fim, se unem. Esse é o vulgar ditado milenar de que os extremos coincidem, que a direita enfia goela abaixo das mentes menos críticas para que acabem acreditando que comunismo e nazismo são a mesma coisa, um ardil que foi muito usado durante todo o século XX.
(Por exemplo, alguns políticos da “liberdade” que se uniram à direita para manifestar contra o aborto, não são nem de ultra direita, nem de direita moderada. Simplesmente, são ultramontanos disfarçados, e alguns foram expulsos do partido de esquerda ao qual pertenciam.)
Finalmente, a direita pensou que, estivessem a favor ou contra do governo federal, este grupo de manifestantes não servia para eles. Os que eles queriam captar, já tinham desativado o movimento. Os que estavam dispostos a quebrar tudo, só precisavam patrocínio. Em qualquer caso, as vítimas do MP do RJ, eram perseguidas pelo resto da direita, como se viu ontem, com a adesão do PSDB.

O Estado de Direito

Os diplomatas que recusaram o pedido de asilo se justificaram aduzindo que o Brasil é um estado de direito. Parece que eles estão pouco informados sobre a política internacional. Holanda, Canadá e Suécia têm recebido nas últimas décadas refugiados americanos, apesar EUA ser considerado estado de direito (embora não seja) desde 1776. A França recebeu centenas de asilados italianos, numa época em que, oficialmente, os estados europeus diziam que a Itália era “democrática”.
Por outro lado, países federativos, como o Brasil, onde cada estado tem sua polícia e um tribunal próprio, só podem ser considerados democracias  de direito se todos seus estados componentes fossem, vistos isoladamente, também estados de direito. Que eu saiba, há alguns estados onde não há abuso policial ou judicial, mas eles incluem apenas 12 milhões de habitantes (Algo como 6%). Quanto ao governo federal, é verdade que se esforça em manter o estado de direito, mas isso esbarra contra um judiciário hermético, e uma polícia violenta que está nas mãos dos Estados. A polícia Federal tem uma missão mais investigativa, e mesmo que tenha algumas “iniciativas” próprias, seu papel na repressão geral é menor.
Todos os dias circulam denúncias, em SP, RJ e outros lugares, sobre crimes contra os direitos humanos executados pelas polícias estaduais.  Entre as muitas fontes autorizadas (por exemplo, centenas de juristas e membros da OAB), as mais enfáticas e corajosas são as dos Juízes Democráticos, uma agrupação que reúne talvez 5 a 6% dos magistrados do país, se tanto.
Além disso, o sistema prisional viola qualquer norma de um estado de direito, seja de humanos ou de outros seres vivos. O próprio Ministro da justiça reconheceu que era preferível morrer a habitar uma prisão brasileira.

Conclusão

Os abusos cometidos no RJ são às vezes atribuídos à banalidade que os governos, as polícias e os judiciários ostentam em relação com a vida e a integridade humana, e nem sempre são ligados a política de “genocídio branco” que é muito mais presente em SP. No RJ, a proporção de pobres, de habitantes comunitários e de afrodescendentes é tão grande, que os governos não podem aspirar a “apaga-los do mapa”, como tampouco aspiravam a isso os racistas brancos da África do Sul. Em São Paulo, talvez tampouco seja possível, mas a dificuldade de uma solução “final” é menor.
Por outro lado, SP possui mais recursos para este hiper-apartheid, pois o Estado sempre resiste a política de cotas, tem uma polícia muito maior  que a maioria dos exércitos do continente, e seus juízes, policiais e membros dos governos não vacilam em promover grandes democídios (como Pinheirinho), além de contar com a tradição integralista e opusdeista.
Baste dizer que o PSDB, segundo foi noticiado no blog abaixo, apoiou a caçada às bruxas do MP de RJ. Inversamente às leis da eletroestática, as partículas do mesmo sinal se atraem, não se repelem.
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2014/07/tucorvos-apoiam-escalada-repressiva-no.html

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