Repressão Truculenta ao
Direito de Expressão
Carlos A. Lungarzo
O
pedido de asilo ao consulado da República Oriental do Uruguai (ROU), da
advogada Eloísa Samy e do jovem casal que estava com ela, é um típico caso de
ação legítima
de proteção da vida e da integridade. Mas também é um ato natural para
alguém que mora num meio onde a tortura, a humilhação, os julgamentos fraudados
e a morte violenta, não são “erros” nem “abusos”, mas fatos contínuos,
ininterruptos e permanentes de um sistema repressivo, criminoso e corrupto.
Os Fatos e a Diplomacia
Diplomatas
estrangeiros credenciados em países com os que possuem fortes laços são talvez
os mais cuidadosos observadores do que acontece nesses estados. Não é
impossível, mas é difícil, acreditar que os representantes da ROU não soubessem
como estava sendo tecida a trama para intimidar as manifestações pacificas de
2013.
Até
os ativistas mais jovens do movimento “Passe Livre” perceberam em seguida que o
movimento, que mobilizava milhões de pessoas, estava sendo infiltrado, após que
a polícia de SP, fracassou em sua tentativa de assustar os militantes. Pelo
contrário, a brutalidade da repressão em SP, difícil de comparar a casos
similares na pior época da ditadura, teve como efeito estender e deflagrar
novos e gigantes protestos em todo o país.
Às
reclamações contra o aumento de passagem somaram-se as exigências de saúde e
educação públicas de qualidade; porém, alguns grupos de sabotadores se
misturaram imediatamente com os legítimos manifestantes, levantando reclamações
de tipo fascista.
Com
enorme lucidez, os convocadores das passeatas afirmaram, de maneira bem
explícita, que não iam a continuar convocando, porque as
manifestações dos últimos
dias terem sido infiltradas por grupos conservadores que defendem propostas
como a redução da maioridade penal e a criminalização do aborto.
Além
disso, os organizadores tinham se confrontado com os “infiltrados” por causa de
que estes não queriam que o PT fosse autorizado a integrar o protesto, como
qualquer outra força. Isto era um esforço grosseiro (mas fácil de ser inflado
pela mídia) para pintar o PT como responsável do caos gerado pelos governos
estaduais de direita.
Nessa
época, já haviam começado as ações destrutivas de grupos vandálicos infiltrados
nas manifestações, mas isso ainda não havia atingido o volume máximo. Ninguém
fez afirmações explícitas, mas foi absolutamente evidente que essas ações eram
provocadas pela direita parlamentar (para mostrar que o governo federal favorecia o caos.)
Isto
foi óbvio quando a cúpula de SP decidiu mostrar-se mais “compreensiva” com os
manifestantes, para tentar cooptá-los. Essa cooptação fracassou ao ponto que os
coordenadores preferiram, sabiamente, abortar o grande sucesso das passeatas,
antes de correr o enorme risco de serem manipulados por ações dos PSDB, DEM, os
partidos nanicos, os clericais neonazistas, e a ubíqua mídia.
A
solução da direita, então, devia ser radical: financiar o hooliganismo e “quebrar tudo”, incluindo instalações do governo
federal.
Fontes
“misteriosas” tinham predito grandes confrontos durante a COPA FIFA. Até
circulou uma versão esquisita atribuída ao grupo ilegal PCC ameaçando com um
grande caos durante os jogos. É notório que a maioria dos pobres, estejam dentro
ou fora da lei, curtem o futebol, e muitas vezes os detentos reclamaram o
direito a TV para assistir os grandes jogos. Portanto, esse rumor deve ser
apenas uma provocação de alguns meios de infiltração ou paramilitares.
Tudo
isso, que visava criar tumultos gigantescos para que o mundo inteiro repudiasse
o governo brasileiro, teve o efeito contrário. Nada disso pôde ser concretizado,
e a imagem que os estrangeiros levaram do Brasil foi a melhor possível. Até os
exigentes Alemães e Neerlandeses qualificaram esta como uma das melhores copas
que já conheceram.
Tudo
indica que, entre outros empecilhos, não houve consenso entre os comandos de
choque da direita para promover brigas entre as torcidas mais violentas. A
Polícia Federal, talvez instruída pelo MJ, teve cuidado de filtrar o desembarco
da “Barras bravas” no Brasil, grupos delinquenciais argentinos que promoveram
em diversas épocas grandes catástrofes em estádios argentinos e estrangeiros,
com, às vezes, até 73 mortos num único jogo.
Aliás,
um escândalo não era conveniente à PF como corporação, sendo que vários bi de
pessoas assistiam ao espetáculo no mundo todo e os países mais civilizados
poderiam se escandalizar se proliferasse uma repressão cruenta. Tudo foi feito
com sutileza, mas, ao mesmo tempo, isso implodiu o plano da direita de tocar
fogo na COPA. Por exemplo, a desarticulação pacífica de um dos mercados negros internacionais
de ingressos parece uma amostra de que a PF não estava a fim de tolerar uma
situação de caos, e agiu com a calma da polícia britânica ou norueguesa.
Com as eleições se aproximando, e as
pesquisas variando muito levemente, surgiu o terceiro ato deste circo
político-judicial. O MP de Rio de Janeiro denunciou à advogada Eloísa e outras
vinte e tantas pessoas, para servirem de bodes expiatórios. Inicialmente, a
imagem de perseguição arbitrária podia criar, nas grandes massas, o sentimento
de que a culpa era do governo central. A maioria das pessoas, numa sociedade em
que o povo não recebe informação verdadeira, acredita que tudo o que acontece
(desde o semáforo quebrado até a tormenta e o frio) é culpa do “governo”,
quando não da presidenta em pessoa.
Por outro lado, mesmo se os grupos
perseguidos fossem de ultra-esquerda, como se diz, isso seria preocupante para
a direita. Os conservadores não acreditam a própria balela que vendem a
terceiros, de que a direita e a
esquerda, no fim, se unem. Esse é o
vulgar ditado milenar de que os extremos
coincidem, que a direita enfia goela abaixo das mentes menos críticas para
que acabem acreditando que comunismo e nazismo são a mesma coisa, um ardil que
foi muito usado durante todo o século XX.
(Por exemplo, alguns políticos da “liberdade” que se uniram à direita
para manifestar contra o aborto, não são nem de ultra direita, nem de direita
moderada. Simplesmente, são ultramontanos disfarçados, e alguns foram expulsos
do partido de esquerda ao qual pertenciam.)
Finalmente, a direita pensou que,
estivessem a favor ou contra do governo federal, este grupo de manifestantes
não servia para eles. Os que eles queriam captar, já tinham desativado o
movimento. Os que estavam dispostos a quebrar tudo, só precisavam patrocínio.
Em qualquer caso, as vítimas do MP do RJ, eram perseguidas pelo resto da
direita, como se viu ontem, com a adesão do PSDB.
O Estado de Direito
Os
diplomatas que recusaram o pedido de asilo se justificaram aduzindo que o
Brasil é um estado de direito. Parece que eles estão pouco informados sobre a
política internacional. Holanda, Canadá e Suécia têm recebido nas últimas
décadas refugiados americanos, apesar EUA ser considerado estado de direito
(embora não seja) desde 1776. A França recebeu centenas de asilados italianos,
numa época em que, oficialmente, os estados europeus diziam que a Itália era
“democrática”.
Por outro lado, países federativos, como o
Brasil, onde cada estado tem sua polícia e um tribunal próprio, só podem ser
considerados democracias de direito se todos seus estados componentes fossem,
vistos isoladamente, também estados de direito. Que eu saiba, há alguns estados
onde não há abuso policial ou judicial, mas eles incluem apenas 12 milhões de
habitantes (Algo como 6%). Quanto ao governo federal, é verdade que se esforça
em manter o estado de direito, mas isso esbarra contra um judiciário hermético,
e uma polícia violenta que está nas mãos dos Estados. A polícia Federal tem uma
missão mais investigativa, e mesmo que tenha algumas “iniciativas” próprias,
seu papel na repressão geral é menor.
Todos os dias circulam denúncias, em SP, RJ e
outros lugares, sobre crimes contra os direitos humanos executados pelas
polícias estaduais. Entre as muitas
fontes autorizadas (por exemplo, centenas de juristas e membros da OAB), as mais
enfáticas e corajosas são as dos Juízes Democráticos, uma agrupação que reúne
talvez 5 a 6% dos magistrados do país, se tanto.
Além disso, o sistema prisional viola
qualquer norma de um estado de direito, seja de humanos ou de outros seres
vivos. O próprio Ministro da justiça reconheceu que era preferível morrer a
habitar uma prisão brasileira.
Conclusão
Os abusos cometidos no RJ são às vezes
atribuídos à banalidade que os governos, as polícias e os judiciários ostentam
em relação com a vida e a integridade humana, e nem sempre são ligados a
política de “genocídio branco” que é muito mais presente em SP. No RJ, a
proporção de pobres, de habitantes comunitários e de afrodescendentes é tão
grande, que os governos não podem aspirar a “apaga-los do mapa”, como tampouco
aspiravam a isso os racistas brancos da África do Sul. Em São Paulo, talvez
tampouco seja possível, mas a dificuldade de uma solução “final” é menor.
Por outro lado, SP possui mais recursos para
este hiper-apartheid, pois o Estado sempre resiste a política de cotas, tem uma
polícia muito maior que a maioria dos
exércitos do continente, e seus juízes, policiais e membros dos governos não
vacilam em promover grandes democídios (como Pinheirinho), além de contar com a
tradição integralista e opusdeista.
Baste dizer que o PSDB, segundo foi noticiado
no blog abaixo, apoiou a caçada às bruxas
do MP de RJ. Inversamente às leis da eletroestática, as partículas do mesmo sinal se atraem, não se repelem.
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2014/07/tucorvos-apoiam-escalada-repressiva-no.html
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