Desagravo aos médicos de Cuba:
Esta é uma carta subscrita por médicos (*) que se sentem constrangidos pelo mau comportamento de lideranças da corporação profissional médica brasileira e por alguns médicos cuja manifestação pública expressa sentimentos racistas e preconceituosos, mais que discordância política.Os abaixo assinados prestam solidariedade e profundo agradecimento aos médicos cubanos que foram enviados pelo governo de seu país em missão de ajuda humanitária a locais afastados e desprovidos de assistência médica no Brasil, atendendo ao pedido do governo brasileiro baseado em necessidades de seu povo (1).
Hoje sobram médicos nos centros mais desenvolvidos e ricos do país e faltam onde eles são mais necessários: onde historicamente sempre foram negligenciados as doenças e o povo por elas atingido(2, 3).
Há uma dívida dos médicos brasileiros para com essa parcela esquecida da população. Eles depois de formados, muitos em escolas públicas, fizeram suas residências médicas em hospitais universitários e clínicas do Sistema Único de Saúde. O povo brasileiro sustenta o sistema formador de médicos e necessita, em contrapartida, profissionais em número e qualidade suficientes para atender sua necessidade de saúde. Entretanto, eles estão ausentes da periferia das grandes cidades onde mora a massa dos mais pobres ou em municípios também pobres e da periferia do desenvolvimento nacional.
As lideranças médicas brasileiras não esboçaram qualquer reação quando foram cortados recursos do SUS, via suspensão da CPMF. Também não consideram, nas suas contestações atuais, resultados de pesquisa que mostram a falta e má distribuição dos médicos no Brasil. Não oferecem resistência efetiva, certamente por conflito de interesse, à oligopolização das empresas de convênios e planos de saúde com consequente má remuneração dos médicos. Certamente acham normal que uma só corporação internacional comprasse 51% da assistência médica privada de uma só vez rebaixando os salários e honorários médicos. O argumento utilizado de “falta de condições de trabalho”, diga-se: exames de imagem, laboratórios, patologistas – reforça apenas a formação tecnificada e desligada da verdadeira propedêutica médica que deveria ser ministrada nas escolas de saúde.
Os conselhos e entidades médicas mobilizaram seus membros para capturar o órgão governamental responsável por revalidação de diplomas médicos, o “REVALIDA”, que reprova em massa (92%) os médicos brasileiros formados fora do país e os estrangeiros que desejam imigrar e trabalhar no Brasil.
Essas mesmas lideranças acharam que outros profissionais de saúde aceitariam ver aprovada uma lei que impediria outros profissionais de saúde de atuarem em diagnósticos e tratamento de suas áreas de competência. Assim ficariam proibidos os fonoaudiólogos de diagnosticar dificuldades da fala; os psicólogos de dar diagnósticos comportamentais; os nutricionistas de diagnosticar distúrbios da alimentação e nutrição; os enfermeiros de diagnosticar e ministrar tratamento padrão para malária, hanseníase, tuberculose, e diarreia aguda; e os socorristas ficariam impedidos de fazer ventilação artificial em vítimas de acidentes nas rodovias (4).
As lideranças médicas que desfavorecem o público em benefício do privado são contra programas que promovem a interiorização de profissionais recém-formados (PROVAB). Pensaram, também, que médicos recém-formados não deveriam trabalhar no serviço público por dois anos, devolvendo em trabalho o investimento do povo na formação que receberam. Assim sendo são contra o Serviço Civil Obrigatório para quem teve seis anos de estudos gratuitos nas faculdades públicas, somados muitas vezes a mais dois anos de capacitação em residência médica em órgãos do SUS e com bolsa de estudo do estado brasileiro. Acham que o mercado pode tudo e que o povo que paga pode nada. Essas lideranças induziram seus médicos às manifestações xenofóbicas, racistas e fascistas que assistimos envergonhados acontecerem como recepção aos médicos cubanos na chegada ao Brasil.
Essas manifestações não refletem o sentimento da população e tampouco dos médicos brasileiros. São isso sim, demonstrações de uma minoria movida por exortações vindas de médicos dirigentes da categoria profissional, que ao invés de defenderem a medicina ética e a saúde da população, defendem seus interesses pessoais e corporativos.
Precisamos dizer aos médicos estrangeiros que chegam ao Brasil em agosto de 2013 que nossa história tem sido a manutenção de extrema iniquidade social e, consequentemente, de saúde, sem que a corporação médica brasileira, representada em suas entidades, esboce qualquer reação. Logo, não é de se estranhar que a iniciativa de trazer médicos estrangeiros em um programa de emergência receba tanta oposição de quem não se incomodou até agora com a falta e a má distribuição de médicos e outros profissionais de saúde.
Apesar disso acreditamos que a maioria dos médicos no Brasil estão empenhados na consolidação do nosso Sistema Único de Saúde, que queremos manter público, gratuito, equânime e universal, como exige a população brasileira.
É em nome dessa universalidade que desejamos agradecer aos médicos das brigadas internacionalistas cubanas sua missão de paz em terra brasileira. Dizer que ficaremos devedores do apoio que recebemos e mais uma vez apoiaremos o povo cubano contra todas as iniciativas de bloqueio econômico, embargo internacional, invasão militar, ataques terroristas e golpes de estado de que Cuba tem sido vítima.
Os médicos da brigada internacionalista cubana são bem vindos, assim como os médicos de outros países que chegam atendendo ao chamado brasileiro. O povo de Cuba é irmão do povo Brasileiro. Nossa dívida com Cuba nos fará cada vez mais respeitar o direito dos povos a autodeterminarem seu futuro, não serem invadidos e escolherem seus governos, sua forma de trabalhar e progredir. Essa noite muitos cidadãos do mundo irão dormir com dor e sofrimento sem ter conseguido assistência médica e, como é costume ser dito naquela ilha “Nenhum desses cidadãos será cubano”. Nós, profissionais médicos brasileiros temos esperança que um dia poderemos dizer o mesmo do Brasil.
Agosto2013.
(*) Se você não é médico e mesmo assim deseja subscrever sinta-se à vontade. Os médicos devem colocar o local de seu CRM de inscrição (estado e cidade) para assinalar sua condição profissional.
Referências:
1. BRASIL - Presidência da República. Medida Provisória No. 621 de 8 de Julho de 2013 - Institui o Programa Mais Médicos e dá outras providências - ANO CL - Seção I. Sect. 1 (2013): Available from: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2013/Mpv/mpv621.htm ; http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=09/07/2013
2. Scheffer M, Biancarelli A, Cassenote AJF, Barata RdCB, Castilho EAd, Pereira JCR. Demografia Médica no Brasil: Dados e descrições de desigualdade - Relatorio de Pesquisa - Dezembro de 2011 [Meio Digital Eletrônico]. São Paulo - SP: CRMESP - CFM; 2011. Available from: http://portal.cfm.org.br/images/stories/pdf/demografiamedicanobrasil.pdf .
3. Scheffer M, Cassenote AJF, Biancarelli A, Barata RdCB, Castilho EAd, Pereira JCR. Demografia Médica no Brasil: Cenários e indicadores de distribuição - Relatorio de Pesquisa - Fevereiro de 2013 [Meio Digital Eletrônico]. São Paulo - SP: CRMESP - CFM; 2013. Available from: http://www.cremesp.org.br/pdfs/DemografiaMedicaBrasilVol2.pdf .
4. BRASIL - Presidência da República. Lei 12.842/2013 - Dispõe sobre o exercício da Medicina, 12842/2013. Sect. 1 (2013): Available from: http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=11/07/2013&jornal=1&pagina=1&totalArquivos=352 ; http://blog.planalto.gov.br/wp-content/uploads/2013/07/Raz%C3%B5es-dos-vetos.pdf
http://www.peticaopublica.com.br/?pi=Medicos
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