MPL: Decisão Certíssima
Carlos Alberto Lungarzo
Quando parecia que os movimentos
sociais estavam esvaziados no Brasil e muitos nos queixávamos da falta de
mobilização popular progressista, o Movimento
Passe Livre mostra que possui a capacidade de deflagrar uma manifestação de
protesto gigantesca, baseada na indignação popular espontânea por um fato específico e vital como é o transporte.
Emociona
a lucidez dos jovens que pertencem ao MPL e falam em nome dele, mostrando que
os sacrifícios feitos pelas gerações anteriores na luta por um mundo melhor não
foram em vão, e que o Brasil está na linha da revolta popular pacífica,
ultrademocrática e corajosa como nos mais avançados países europeus, como a
Primavera Árabe, como os movimentos feministas e de liberdades sexuais dos EUA.
(Vide)
O MPL
se inscreve nas melhores tradições da defesa dos direitos humanos dos séculos
19 e 20, organizou e defendeu a
luta pela volta ao antigo valor das passagens do transporte e conseguiu.
Atingida essa meta, ele deixa de convocar as manifestações em São Paulo porque,
como disseram seus representantes em todos os veículos da mídia,
não querem que os fascistas se aproveitem desse esforço.
Isso não significa terminar a luta. Eles
afirmam que continuaram as discussões e luta pelo passe livre e melhoria nos
transportes. Um jovem de uns 20 anos, responder com incrível lucidez e
segurança, mas também sem nenhuma arrogância, à pergunta “ingênua” (?) de uma
repórter da rede Globo.
―E as
reivindicações pela PEC 37, a luta contra a corrupção... [onde ficam]?
―O
momento Passe Livre ―
respondeu o rapaz com energia, lucidez, porém com toda cordialidade ― jamais levantou essas
pautas.
O MPL convocou às manifestações pela anulação
do aumento das passagens, e reconhecem que elas foram engrossadas por novas
reivindicações e enormes passeatas, raramente vistas na América Latina. Mas o
Movimento não quer dar carona às reivindicações e ações de fascistas (como eles
mesmos as chamam), e um de seus representantes, menciona as principais: criminalização do aborto, redução da idade penal ,
dentre outras e confronto com manifestantes que carregam suas bandeiras
partidárias, por exemplo.
O MPL está dando as respostas exatas,
perfeitas, à situação atual. Eles dizem não formar um partido, mas também
advertem que não são
contra os partidos, e repudiam os vândalos que agrediram
os representantes de partidos populares que participaram das passeatas.
Muitos observadores internacionais, alguns muito
agudos, indicam que o MPL e outros movimentos não respondem aos antigos
esquemas de esquerda e direita. Esta advertência é necessária, porque o que
entendem muitos por esquerda nada tem a ver com um projeto
emancipador, mas com um projeto de poder.
Entretanto, muitos achamos que estes
movimentos espontâneos progressistas (os Grassroots,
como foram o movimento feminista europeu, ou o movimento italiano pelo
divórcio) são uma forma nova da verdadeira esquerda histórica.
O MPL contribui a uma explosão de força
popular nunca vista, com base numa questão aparentemente pequena: o aumento de
vinte centavos num sistema de transporte de má qualidade. Foi por um fato
específico, a morte de um rapaz, que foi deflagrada a Primavera Árabe.
O MPL tem porta-vozes. Mesmo tendo a dinâmica
espontânea, as decisões tomadas pela massa precisam ser formuladas, mas não têm
líderes
nem caudilhos. Não é um partido tradicional.
O MPL está na linha de outros movimentos (antirracistas,
secularistas, feministas, homoafetivos, etc.) que lutam por uma ação social, não política, sem nenhuma intenção de
poder, com honestidade, com transparência. É a sociedade civil funcionando
dentro das margens permitidas pela lei, porém, levantando bandeiras opostas ao sistema.
Este movimento encaixa na melhor da tradição
de 68, e dos movimentos dos 70: fazer que as pessoas tenham a seu alcance um método de expressão, criando uma nova
sensibilidade social e estimulando a pensar.
O pensamento mostra ser uma arma fundamental.
É por isso que a mídia, a religião e os exércitos, esvaziam a cabeças das
pessoas, e as enchem de mitos e besteiras, de superstições e fetichismo: mania
pelo sofrimento (dos outros), pelas armas, pela tristeza.
As pessoas de qualquer nível que sabem pensar, em seguida encontram coincidências
como amigos, vizinhos, conhecidos, que também pensam. Isso vai transformando a
massa numa organização racional da sociedade. Isto tem força, e o mostrou no
passado: Movimentos grassroots conseguiram
grandes vitórias nas últimas décadas, entre outras:
O fim da Guerra de Vietnam, o avanço do
movimento gay e feminista nos EUA, o acordão Doe vs. Wade sobre aborto, a luta
contra a teocracia, o autoritarismo e a superstição na Europa e, agora, a
Primavera Árabe.
O espírito de liberdade e justiça se propaga.
Durante as grandes passeatas contra a
globalização, na Espanha se tornou famoso um slogan “La policia tiene poder porque tú le obedeces”.
A sociedade que o MLP acordou, ficará desperta. Mas, agora, no calor dos fatos, e com a ampliação
das manifestações e reivindicações, que passaram a incluir o combate à
corrupção, é necessário que ela não seja manipulada pela direita.
Por isso, a decisão de parar as manifestações
é certíssima.
O Assalto da Direita
A brutalidade da repressão policial na semana
anterior provocou a participação de amplas parcelas da população, houve uma
reação vigorosa à violência policial contra os manifestantes promovida pelo
governo do estado, mais jovens, adultos e as famílias dos jovens que haviam sido
reprimidos foram às ruas para exigir a liberdade de expressão e um não à
repressão. Essa motivação garantiu a não repressão ao movimento, que se sentiu
cada vez mais forte e ficou cada dia mais caudaloso, agregando mais bandeiras
de reivindicação. Nesta semana, a polícia paulista, famosa por seu sadismo e
brutalidade, mostrou-se tão gentil como os bobbies
londrinenses ou os policiais noruegueses.
Sobre-estimando sua força, a direita pensou
que podia se apossar de um movimento espontâneo que lhe forneceria, em bandeja
de prata, mais de um milhão de pessoas. Disfarçados de descontentes que querem
continuar com movimento espontâneo, como se fosse suficiente para derrubar o
governo, passaram a usar uma identidade sem identidade, anônima, que têm como principal
bandeira um não a participação de partidos políticos e suas bandeiras no
movimento. Muitos manifestantes, ingênuos, não entendem que a direita nunca
conseguiu articular movimentos,o
nazismo, o fascismo, o falangismo, o integralismo, os pentecostais, não organizam,
tomam carona numa massa espontânea, eles orientaram essa massa com um longo
processo subliminar, que incentiva o ódio e explora a ignorância e as desgraças
dos populares. Todos esses grupos direitistas têm estratégias eficientes e,
mesmo que seu nível moral esteja nos mais profundos esgotos, sua
operacionalidade é real.
A direita do PSDB, DEM, PPS e outros agentes formais
do neoliberalismo (em realidade, como disse Samuelson, fascismo de mercado) não têm essa eficiência, porque a direita no
Brasil é estólida. Ela sabe espancar
e matar, como fez na USP, em Pinheirinho, em Carandiru, no Maio de 2006, em
Carajás, na Candelária, em Vigário Geral, e em muitos outros lugares. Sabe
roubar até a última gota de sangue do povo, sabe chorar frente às câmaras e
pedir a benção do Opus Dei, sabe depredar, mas é incapaz de um planejamento
minimamente inteligente.
No dia em que fazia seus 82 anos, o grande
guru intelectual da direita, FHC, só soube dizer: “Dilma, que se cuide” ou algo
parecido.
Já a intromissão da extrema direita no movimento
foi súbita; já estava aí no começo da semana. Mas foi crescendo, com uma
atividade intensa nas redes sociais, convocando os participantes como seres com
vozes do além, anônimos, garantindo que se eles têm o poder de derrubar o
governo e resolver todos os problemas levantados só com passeatas, mas desde
que sigam suas palavras de ordem. Foi torpe, como é sempre.
a)
Na Quarta Feira, um dos primeiros vândalos
que quebrou vidros da fachada de entrada da Prefeitura de SP, logo foi
identificado: estudante de arquitetura, filho de um empresário da máfia dos
transportes.
b)
Na Quinta, o hooligan que assassinou um
garoto de 18 anos e feriu gravemente um monte de pessoas ao lançar sua van
contra a passeata, em Riberão Preto, parece ser um típico “agro-boy” da região.
c)
Grupos de vândalos avançaram com paus,
desfechando pancadas nos grupos pacíficos de partidos como o PT, o PSTU, PCO,
PSOL e outros, que participavam da
manifestação, como qualquer outra tendência pacífica que tem suas propostas e
lutam pelas questões sociais. Algumas dessas agressões foram feitas com tacos de beisebol, um esporte
infrequente no Brasil, só praticado pelos filhos das altas elites.
d)
Muitos provocadores em SP, no Rio e em outras
grandes cidades, vão vestidos com camisetas e outras roupas de movimentos tipo
neonazista e havia skinheads e outros
conhecidos por suas tendências racistas. E os vândalos e agressores em sua
maioria sempre estão com os rostos envoltos em panos, escondendo suas
fisionomias.
Nunca, a mídia tinha elogiado com tanto
entusiasmo a conduta pacífica de uma multidão, e insistiram, muitas vezes, em
que os conflitos eram poucos e seus propulsores eram “elementos alheios ao
movimento”. Por que tanta gentileza?
O movimento apareceu como um presente, algo
que, eles pensaram, permitira à direita substituir os slogans de interesse social
pelos slogans próprios de ódio político.
Os exemplos concretos são gritantes. O mais caricato
e repulsivo articulista de jornal televisivo, despejou truculentos ataques ao
movimento com seu estilo procaz. Ainda no ar, minutos depois disse que se tinha
equivocado.
O quase escritor, quase cineasta e quase
jornalista Arnaldo Jabor, insultou o movimento e um dia depois fez uma
autocrítica pública.
Nos últimos dias rolou na Internet um vídeo,
onde apareceu alguém usando a máscara de Guy Fawkes, para enganar aos
distraídos fazendo crer que era parte do movimento MPL. Por sinal, usando uma
máscara e identificando-se como anônimo, qualquer um pode usurpar qualquer
posição. Mas, neste caso é óbvio que esta era uma mensagem dos partidos de
oposição que procuram desestabilizar o governo Dilma.
O mascarado disse que agora havia que parar
com coisas que dividiam o povo, como ideologia e religião, e ocupar-se de cinco fatos que eram “o clamor da sociedade” (?). Entre esses fatos estava a PEC 37, que ninguém
do povo conhece, nem entende, a expulsão de um político do Senado, e outras
três propostas inexequíveis e incompreensíveis para a imensa maioria da
população que se manifesta, mas que convencem pelo ódio.
Dito seja de
passagem: lembremos que Marx e Engels repudiaram o anonimato e a sociedade
secreta (geheime Gesselschaft),
embora algumas delas fossem progressistas. Coisas secretas geram confusão. Veja
Engels aqui.
Outros
traços confirmam o que o mesmo MPL caracterizou como fascismo dentro das passeatas: o nacionalismo exaltado, de um
grande grupo de participantes, os mesmos que espancaram os membros de partidos
políticos. Eles se enrolaram em bandeiras, cantaram o hino nacional, e gritaram
os velhos slogans do fascismo europeu. “O povo unido não precisa de partidos”.
“O meu partido é meu país”
Mas
a massa que eles acreditavam conseguir de graça já não estará mais aí para
servir seus interesses. O MPL continuará trabalhando pelas conquistas
populares, mas, enquanto não seja necessário, não haverá massas nas ruas para
serem infiltradas pelas SS do governador e sua caterva.
Os movimentos se fazem com honestidade,
inteligência e coragem. A direita não tem nada disso. Aliás, tem, em alarmantes
overdoses todo o oposto.
O Impasse do Governo
O PT foi a grande esperança não só do Brasil,
mas na América Latina até, talvez, 1988. Em 1980 e 81, militantes de Europa e
as Américas chegaram ao Brasil na esperança de encontrar uma segunda versão,
menos vulnerável que a Unidade Popular do Chile de 1970, que marcou o mundo
moderno com a esperança de um possível socialismo com rosto humano.
O PT durou muito mais que a UP, mas o preço
de sua duração foi muito alto, pois, para eleger-se e depois poder governar,
dentro do sistema político brasileiro aliou-se aos que já foram seus inimigos,
partidos como o PP e o PSC, que reúnem a escória moral da sociedade: os
hipercriminosos de colarinho branco, os milicos infiltrados na democracia que
tanto desprezam, os vigaristas mais canalhas, que exploram a fé ingênua de
desesperados e ignorantes.
Quando assumiu a chefia do Estado, Dilma
Rousseff disse que estendia a mão a oposição. Talvez ela tenha pensado isso
como um gesto ingênuo e fraternal, mas, na prática, significou ignorar que a
unidade nacional é um mito, e que a oposição brasileira encarna a defesa de todos os
valores mais desumanos e bárbaros da sociedade.
O PT ainda tem pessoas valiosas que, embora
sejam minoria, devem fazer um esforço para recuperar uma parte das bandeiras
que animaram o movimento popular entre 1977 e 1988. Devem unir-se aos partidos
de esquerda, que, mesmo pequenos, podem oferecer algo melhor que votos: ideias
e ações.
O governo cedeu a quase todas as pressões dos
mais infames representantes da direita. Foi incapaz de tentar (mesmo que
houvesse fracassado) a intervenção ao estado de São Paulo na invasão bárbara de
Pinheirinho, em S. J. Campos. Esta evicção produziu a mesma quantidade de
vítimas que o famigerado massacre de Soweto. Mas Soweto parou o mundo, enquanto
Pinheirinho só mereceu uma reação medrosa do governo.
Pensemos no que fez a direita em apenas oito
anos de governo (1994-2002), quando o desmonte inicial do estado e a sociedade
absorveu muita energia, mas mesmo assim teve tempo para repressão dos
petroleiros, uma das maiores do país, inclusive comparando com a ditadura.
Pensemos
o que eles poderão fazer se voltassem a governar. Ao espírito de depredação,
lucro, racismo e classismo soma-se agora o ressentimento… E o ressentimento é o
principal motor de reacionários e feitores.
Aliás, eles encontrarão a mesa servida: hoje, o Congresso
Brasileiro estuda os projetos mais obscurantistas, repressivos e irracionais da
história do país.
Observação
Em vários trechos deste escrito, uso a
palavra “fascista” porque ela é uma
aproximação bastante precisa e foi usada por porta-vozes do próprio MPL. Mas,
quero deixar claro que, num sentido mais científico, talvez o termo fascista seja algo até fraco para
aplicar à direita brasileira. Vou dar apenas um exemplo:
No Códice
Rocco (Código penal do fascismo), uma mulher maior de idade e consciente que
abortava voluntariamente era punida com prisão de um a quatro anos (artigo
547). (vide)
Na primeira versão (2006) do Estatuto do
Nascituro no Brasil se propunha (embora não tenha sido aprovada) uma
modificação ao CPB onde a pena fosse de dois a seis anos. (vide)
Nestes casos os fascistas italianos teriam
muito para aprender de nossa direita! Mas, na falta de uma palavra mais
expressiva, continuo usando “fascista”.