sábado, 2 de abril de 2011

O DIA DOS BOBOS NA VERSÃO DOS LOBOS

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É uma mentira que o dia 1º de abril é o Dia da Mentira ou Dia dos Bobos. É esta a intenção dos Lobos - que os Bons acreditem que somente durante um dia são bobos, e que ser bobos significa dizer mentiras durante um dia no ano. Mentiras agradáveis, mentiras saudáveis, mentiras digestivas – e as mentiras digestivas são as preferidas pelos Lobos.

     Os Lobos, como todos sabem, são maus. Estão sempre com as garras e os dentes afiados, prontos para agarrar e morder o que aparecer. Quanto aos Bons, são bobos, porque acreditam em tudo que os Lobos dizem e acreditam, principalmente, que os Lobos um dia ficarão bons, que a maldade deles é passageira e que poderão ser convertidos – mesmo que com algum esforço e sacrifício – à bondade de bobos, algum dia.

     No entanto, apesar de todos os esforços, os Lobos continuam Lobos, ordinariamente Lobos, esfomeadamente Lobos. Nunca perdem o apetite de Lobos, com aquelas garras de Lobos e aquela carranca de Lobos, que muito assusta.

     É tanto o medo que os Bons tem dos Lobos, que se negam a deixar crescer as garras e a afiar os dentes e a enfrentá-los, porque são bons.

     E a lenda a respeito dos Bons – e por isso são confundidos com Bobos – é que devem ser sempre calmos, passivos, obedientes e submissos, com aquele eterno sorriso beatífico no rosto, aceitando tudo o que os Lobos quiserem, não por medo, mas por saberem que os Lobos agem de maneira maléfica porque são maus.

     Mas é lenda e está em processo de revisão. Gerações de Bons acreditaram que ser Bons e Bobos era o caminho do Bem, que os levaria ao Céu e aos braços de Deus.

     Alguns das novas gerações, que são olhados como lobos em pele de bons pelos mais velhos, acreditam que essa lenda foi criada pelos Lobos, com o objetivo de tornar os Bons mansos e pacíficos, até mesmo Bobos, o que facilitaria as más intenções dos Lobos maus, que podem, assim, praticar todo o tipo de maldades sem que os Bons se rebelem, com medo de perder a sua bondade. E por isso se tornam bobos.

     Bobos, porque são explorados, ludibriados, tratados como otários, roubados descaradamente e acabam tendo uma vida miserável, alienada, esfomeada e sacrificada até o último pingo de sangue – enquanto os Lobos engordam, passeiam, enriquecem e tripudiam à vontade sobre os Bobos, que pensam que são Bons, em sua escravidão mental.

     Esta mesma teoria diz que foram os Lobos que criaram as religiões, para amansar completamente os Bons e deixá-los mais completamente bobos; os partidos políticos, para que os Bons acreditem no caminho pacífico, embora corrupto, das eleições. E criaram a rede Globo-bo – para que os Bons se divirtam bobamente, de vez em quando, assistindo novelas e futebol.

     E o Dia dos Bobos que, na verdade, é dos Lobos, é um grande Dia da Mentira.

     Ou tudo isso será mentira?

     Há outra versão, a versão dos Lobos, e devemos ser imparciais se quisermos chegar à verdade desta escatológica questão.

     Pois os Lobos dizem que os Bons existem apenas para a sua voracidade devido à determinação de um deus muito antigo, que eles designam apenas por quatro consoantes, porque todos sabem que os Lobos não usam vogais na sua escrita de Lobos.

     Essas letras são DMRG, que significaria “Deus da Morte Roedor de Garras” - o que não parece muito lógico, porque “Roedor” está mais para ratos do que para Lobos. Mas alguns exigentes exegetas acreditam que as quatro consoantes que designam o deus dos Lobos significam “Destruir, Matar, Rugir, Ganhar”.

     Os Lobos não esclarecem esse ponto, mas acrescentam que o seu deus é um deus amoral, está acima do Bem e do Mal e diz que o mundo é dos espertos, que devem se tornar poderosos e fortes para desfrutar de tudo, sem medo de destruir, matar ou rugir, porque a vida está aí para aquele que chegar primeiro e que os Bons são bobos em acreditar na bondade e no Bem.

     Dizem que o seu deus é pré-pagão e pós-cristão e que foi Ele que deu aos Lobos a força oculta para dominar a Terra e tudo o que puderem do Universo, fazendo dos Lobos a raça escolhida, a única com capacidade lupina suficiente para destruir, matar e rugir com o objetivo de sempre ganhar; uma raça que deve desdenhar as demais raças, que são inferiores e não tem um focinho como o da raça dos Lobos.

     Assim, para os Lobos, mentiras, corrupção, assassinatos, guerras e tudo o que é considerado, comumente, como atos de grande malignidade, não passam de expressões naturais da sua vontade de vencer e dominar sempre. Não se arrependem de nada do que fazem porque não entendem o que seja arrepender-se. Acreditam que agir como Lobos é tão natural, que se os Bons são destruídos e mortos pelos Lobos a culpa é dos Bons.

     Mas como os Bons são a imensa maioria e querem ser enganados pelos Lobos – segundo os Lobos – os Lobos inventaram diversos expedientes para que os Bons caíssem em suas armadilhas e nunca se rebelassem – porque uma grande rebelião dos Bons poderia ser fatal para os Lobos.

     Perceberam que os Bons são guiados por valores morais e a eles se apegam como se fossem Lobos. Então, criaram alguns desses valores, conhecidos atualmente como Fraternidade, Igualdade e Humanidade, e os jogaram aos Bons como sendo verdades incontestes que devem ser seguidas por todos os verdadeiros Bons. E manipulam essas “verdades”.

     Quando querem fazer uma guerra, dizem que é em nome da “Humanidade” ou da “Liberdade”. E os Bons acreditam – provavelmente por reflexo condicionado ou porque os Lobos tem aqueles olhos hipnóticos e aquela voz profunda -, mesmo que a guerra seja contra os próprios Bons. Acreditam e se dão por satisfeitos, ainda que sejam destruídos, usurpados ou devorados pelos Lobos.

     No entanto, se alguns dos Bons mais espertos tentam se rebelar, os Lobos mostram a eles algum documento assinado por grandes chefes de países que detém o poder da total destruição – ao mais das vezes chefes Lobos em pele de Bons ou Bons cooptados por Lobos – que autoriza a guerra ou a opressão ou o que seja de maligno que os Lobos estiverem planejando. E os Bons acabam aceitando, porque adoram documentos oficiais e palavras pomposas.

     E assim os Lobos vão construindo o seu império predador e fazendo os Bons de bobos sempre que surge uma oportunidade de maiores ganhos.

     A versão dos Lobos para o Dia dos Bobos é que é necessário dar aos Bons um dia em que eles pensem que são mais espertos, fazendo piadas e brincadeiras uns com os outros e fingindo a felicidade que gostariam de ter. Bobamente.

     Eu estava terminando esta matéria, depois de extensa pesquisa entre Bons e Lobos, quando encontrei um Ser Etéreo. Ser Etéreo, como todos sabem é, antes de tudo, um ser que se alimenta basicamente de éter. Éter e uma dieta vegetariana. Alguns até engordam com essa dieta, mas continuam etéreos.

     Vinha quase flutuando pela rua, quando me encontrou, viu que eu trazia comigo alguns papéis e pediu para dar uma olhada. Seres etéreos adoram ler, seja o que for. Leu, releu, olhou para mim e disse:

     - Mas que bobagem!
     - Por que?
     - Porque você está dividindo o mundo entre bons e maus, malvados e bonzinhos, certos e errados e isso é maniqueísmo puro!
     - Mas é fruto de extensa pesquisa de campo... Cheguei a essas conclusões depois de exaustivas entrevistas... Corri perigo entre os Lobos...
     - Mas é maniqueísta e todos sabem que o maniqueísmo está errado. Errado e fora de moda.
     - Mas e se foram os Lobos que inventaram que o maniqueísmo está fora de moda? E você tem certeza de que é errado?
     - Claro. Se está fora de moda tem que ser errado, que dúvida!
     - Mas então, como você explica...
     - Eu não explico, detesto explicações. Estou acima de tudo isso, porque vivo etereamente, sou um artista e a arte é a salvação, a redenção a...
     - Péraí! Salvação? Redenção? Salvação de que? Do pecado original?
     - Foi só uma força de expressão. Eu quis dizer que viver de uma maneira artística e etérea, como eu vivo, não implica em divisões, mas em congraçamento, união, interação com o Uno, com o Todo...
     - Até concordo com você, mas e as pessoas que estão sendo mortas injustamente na Faixa de Gaza? E todos os milhões de oprimidos e esfomeados deste mundo? E os assassinatos, as injustiças, as guerras, as depravações?
     - Simples: é karma. Em outra vida serão mais felizes...
     - Mas estamos vivendo agora. O presente é muito importante; você não pode fingir que não está aqui e que nada do que falei está acontecendo.
     - Tudo é importante e nada é importante: esta é a grande Lei!
     - Perdão, não entendi...
     - Não se preocupe, um dia você entenderá, mesmo que em outra vida.

     E saiu planando, antes que eu perguntasse o que achava do Dia dos Bobos. Mas talvez ele se sentisse ofendido se eu fizesse aquela pergunta – sabe-se lá!

Fausto Brignol.

Um comentário:

  1. Se a fábrica de bobos não fechar as portas e decretar falência definitiva, viveremos para sempre neste mundo de hienas!
    Parabéns, um abraço!

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