26.723 Pessoas aproximavam-se com rapidez do Congresso Nacional. Alguém dentre eles gritou “Agora!”, e formaram um cordão em torno às duas casas do Congresso.
A um sinal, 23 entraram primeiro na Câmara Federal, depois de imobilizarem guardas e seguranças. Um deles disse ao microfone: “A Câmara Federal está fechada! Os senhores estão presos. Por favor, façam fila ao sair para que as suas cuecas sejam revistadas”. Alguém do PSOL disse: “Não é assim que se faz uma revolução. Por favor, primeiro é necessário um projeto de lei!” – mas teve imediatamente a sua voz anulada pelo esguicho de um revólver com água, e diluiu-se. Os demais apenas tiveram diarréia e foram obrigados a limpar a própria sujeira por 26.723 dias seguidos.
Depois o Povo – pois era o Povo – entrou no Senado. Lá dentro, Mão Santa dizia: “Luiz Inácio, eu avisei!...”, mas teve que parar de falar por outro esguicho de água. Encolheu-se a um canto, enquanto os cartões de crédito dos senadores eram recolhidos e as suas cuecas revistadas. Nus, eles lembravam baratas, e gritavam e gemiam e suavam como as pessoas normais suam, e imploravam: “O meu dinheiro!”. Mas também tiveram que sair em fila, indignados por sua nudez descoberta. O último a sair, Paulo Paim, ainda tentou falar: “Os aposentados...” Um novo esguicho de água calou a sua voz lastimosa e, por ser o último, foi obrigado a apagar a luz.
Senadores e deputados, nus, saíram entre vaias e ovos podres e foram obrigados a ajoelhar no milho para rezar e purgar os seus pecados por 26.723 dias. Não foram permitidas joelheiras.
Todos os ministérios e secretarias foram esvaziados e ministros e secretários foram obrigados a passar pela mesma revista dos senadores e deputados e a recitar “confesso que pequei” por 26.723 dias seguidos. Com intervalos para comer e beber pão e água, quando eram servidos por corvos e gralhas.
Então o povo encaminhou-se para o Palácio da Alvorada. Lá dentro, acontecia uma grande festa. A banda PRÉ-SAL cantava músicas sertanejas para Lula, Dilma e embaixadores convidados. Bebiam e comiam e engasgavam-se e comiam e bebiam de novo e de novo se engasgavam. Seus olhos soluçavam de prazer a cada vez que a banda repetia a música “O Poder É Nosso”.
Quando o Povo entrou nem perceberam. Todos cercavam o embaixador dos Estados Unidos, que estava em um trono feito de petróleo e ouro e repetiam, a intervalos: “Bendito é aquele que vem em nome do Senhor!”.
Rapidamente foram imobilizados pelo olhar do Povo. Quando perceberam a situação, já estavam nus e encolhidos a um canto. Lula, mais esperto, ainda gritou: “Companheiros!”. Deixaram-no gritar. Dilma repetia, cada vez mais fracamente: “Trololó!, assertiva!, tergiverso!, eu tenho um compromisso! – tomada de pânico por ver o Povo à sua frente. Os demais diluíam-se em poças d’água. O embaixador dos Estados Unidos tornara-se verde como a sua moeda. Todos foram encaminhados para rezar de joelhos no milho por 26.723 dias, enquanto repetiam, junto com os seus ministros: “Eu mensalei, tu mensalastes, ele mensalou, nós mensalamos, vós mensalasteis, eles mensalaram”.
O Povo ria.
Nisto, ouviram-se tropas correndo, aviões voando, carros de combate chegando e Nelson Jobim à frente de todos, bufando ordens de prisão. O Povo nem se abalou. A um sinal, todos os 26.723 membros do Povo, que representavam todo o Brasil doente, esfomeado, miserável, iludido, gritaram “Mandrake!” – e as tropas pararam, imersas em sua estupidez natural, os aviões voltaram para as suas bases, os carros de combate estacionaram enquanto de dentro saíam pessoas que pareciam humanas, mesmo que com uniformes e gritaram “Viva o Povo!”, e Nelson Jobim transformou-se em uma estátua de sal.
Foi quando apareceram os membros do Supremo. Vinham em procissão, apenas com as togas sobre as cuecas já revistadas. Rezavam: “26.723 e benesses e mordomias e habeas, habeas, habeas” – e teriam que rezar essa estranha reza por 26.723 dias seguidos, servidos por corvos e gralhas, enquanto caminhavam no milho em torno aos deputados, senadores, secretários, ministros, Lula, Dilma, embaixadores e demais seres amorfos que, a cada 23 segundos se transformavam em poças d’água de suas próprias lágrimas e depois voltavam a ser quase seres humanos ao pensarem que os Estados Unidos viria salvá-los das mãos do Povo.
Mas toda a América Latina transformava os seus governantes em poças d’água e pedaços de gelatina e quando os Estados Unidos pensaram em atacar, todos gritaram “Mandrake!” e eles se transformaram em cândidos pingüins. E teriam que ficar assim por 26.723 anos, por seus imensos pecados contra a humanidade e a natureza.
Pulando sobre os milhos, Lula ainda tentava dizer, a cada 23 segundos: “Companheiros, não é assim...!” – mas não chegava a completar a frase, com medo dos olhares do Povo. Dilma parecia ensandecida e repetia, como se fosse uma canção: “Trololó, trololó, trololó...”.
O Povo apontava para os ex-governantes, dizendo: “26.723, 26.723, 26.723...”.
E eu acordei. Suava. E lembrei que ainda estava no Brasil deles, onde tem um povo submisso e acovardado e fui olhar para as estrelas do final de noite para ver se conseguia distinguir algum sinal entre elas.
Fausto Brignol.
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