Os Filhos de Hipócrates
Carlos A. Lungarzo
Na primeira foto acima, racistas americanos aterrorizam estudantes negros nos anos de 1950. Na foto embaixo, racistas e hoolingans de avental tentam, sem sucesso, aterrorizar os médicos cubanos em Ceará em pleno 2013
Hipócrates de Cós (século
V antes de Cristo) é o “pai” da medicina ocidental. A ele se atribui o juramento onde promete que exercerá a profissão com base em regras
éticas e no amor ao próximo. Isto aconteceu há 25 séculos, nada menos! Por
isso, ao dizer que o Brasil está no século XVIII (quando, por exemplo, se
persegue gays, ateus, negros e grávidas) comete-se um erro. Em matéria de moral médica estamos antes do ano ―400.
Sabemos que as leis brasileiras consideram crime a omissão de socorro. Mas, as
poderosas corporações médicas vão além:
Eles querem que a justiça brasileira
proíba ao governo de importar médicos estrangeiros, para os lugares onde os
abastados médicos brasileiros não querem ir: as regiões pobres do país. Eles não apenas
omitem socorro. Eles querem proibir a atenção médica para os pobres.
Observemos o seguinte:
1.
Os médicos
estrangeiros não disputam “mercadoria” com os poderosos vendedores de saúde que
estão nos centros ricos do país. Os milhões de miseráveis que não têm
assistência médica mal podem comprar uma aspirina. Então, os médicos
estrangeiros não estão tirando um tostão dos chefões da saúde.
2.
Inicialmente, as
corporações médicas diziam que a importação tiraria o trabalho dos médicos brasileiros. Então, por que será que
esses médicos não querem se inscrever para servir em lugares pobres?
3.
Isto significa que o
objetivo das corporações nem sequer é o lucro predatório, que já seria algo
brutal, tratando-se de saúde. Eles querem que não apareçam novos médicos que
escapem a seu controle e que o brasileiro não possa perceber que existem formas de medicina que não são
apenas máquinas de fazer dinheiro, mas têm uma missão social e humanitária.
4.
Mesmo num país
totalmente corporativista, onde o 80% da população jamais é ouvida, a corporação
médica chama a atenção por seu corporativismo superlativamente fechado. Elas
são instituições para as quais a vida humana vale tanto como um pedaço de
picanha para o dono de um açougue, ou talvez menos, e representam uma elite,
que são os médicos. Uma prova disso é que, salvo pouquíssimos jovens de grande
talento, os que entram nas grandes faculdades de medicina são filhos de
famílias abastadas. A classe média baixa não encontra cursos onde o vestibular
seja menos discriminatório, porque nem todas as universidades podem bancar um
custoso programa de medicina.
Os argumentos que se usam para impedir a entrada de
médicos estrangeiros são um sarcasmo aos poderes públicos. Pretendem dizer que
importar médicos é inconstitucional.
O cúmulo foi a afirmação de um dos chefões da saúde, que disse que os contratos
internacionais dos cubanos, fiscalizados pela OMS e ajustados à legislação
internacional, poderia colocar esses médicos em condição de “trabalhadores
escravos”.
Os que difundem fábulas, tentando mostrar que a
importação de médicos é um ato ilegal, especulam com a desinformação popular.
No mapa seguinte, vemos que países com a melhor medicina do mundo (por exemplo,
UK), aceitam grandes proporções de médicos formados no exterior.
A medida de importar médicos deve ser aplaudida, mas
também deve ter-se em conta que estamos “um pouco” atrasados com respeito a
outros países, como a Grã Bretanha que começou a importar médicos estrangeiros
desde há mais de 100 anos.
Também deve-se lamentar a fraqueza com que o governo
lida com a pressão, a sabotagem e as ameaças das corporações médicas. A atenção
médica está entre os chamados de “serviços essenciais”. Alguém duvida disso?
Portanto, o estado tem não apenas o direito, mas também o dever de punir os médicos que fazem
greves políticas para desestabilizar o programa Mais Médicos. Também deve-se reprimir a sabotagem dos conselhos
regionais que já estão ameaçando usar a
polícia contra os médicos cubanos. Um absurdo! No mínimo, o governo deve
garantir a integridade física dos cubanos, reforçando a vigilância policial nos
locais onde eles trabalhem.
Aliás, as frases demagógicas, como as ditas pela
presidenta, louvando o suposto compromisso dos médicos nacionais com a
qualidade, impedem que o povo veja a realidade: que a saúde de qualidade é só
para os ricos, e que as entidades médicas não estão nem aí para os milhares de
brasileiros que são vítimas de abandono e de “erro médico”.
O pior está na “indignação” dos ilustres
hipocráticos por causa de que os diplomas dos estrangeiros não serão
revalidados. Ora, o revalida colocaria
os médicos importados nas mesmas condições que os médicos brasileiros. Então,
gostaríamos de saber:
A enorme quantidade de erros médicos que
se cometem no Brasil é de autoria de profissionais estrangeiros que não
revalidaram seu diploma?
Neste blog (vide), mostra-se a gravidade dos erros médicos cometidos
no Brasil que excedem longamente o de qualquer outro país da América Latina e
da Europa. Isso, sem contar as numerosas mortes por negação voluntária de
socorro. Além dos médicos cubanos, conhecedores de doenças tropicais que afetam
a população pobre, o Brasil está recebendo experientes médicos portugueses,
espanhóis e sul americanos, alguns deles até aposentados.
Será que as corporações médicas brasileiras têm medo
de que esses estrangeiros sejam realmente eficientes, bons profissionais e não cometam erros médicos, e então
os pretextos usados pelas associações médicas, que sempre encobrem esses
crimes, fiquem evidentes?