sábado, 30 de setembro de 2017
Mediação cultural para professores andarilhos na cultura - Resenha do livro de Martins e Picosque
RESENHA DE FRANCIONE OLIVEIRA CARVALHO
https://revistas.pucsp.br/index.php/aurora/article/view/12875/10550
MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Mediação cultural para professores andarilhos na cultura .
São Paulo: Intermeios, 2012.
Francione Oliveira Carvalho1
“São muitas as atuações envolvidas na mediação cultural, porém, sua paisagem conceitual e o fazer da mediação em diferentes situações e lugares é ainda nova e sedenta de pesquisas e reflexões, embora isto venha se transformando nos últimos anos (MARTINS. PICOSQUE, 2012, p.7)”. O trecho inicial da obra Mediação cultural para professores andarilhos na cultura, de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque, indica os territórios que serão explorados nos doze capítulos que formam esse livro. As autoras, referência nas discussões sobre o ensino-aprendizagem da Arte e da mediação cultural, compartilham inquietações, sensibilidades e provocações que pretendem instigar conversações e diálogos e não estabelecer verdades ou categorizações com fronteiras fixas. É justamente o chamado para o diálogo e a troca que faz da leitura da obra uma experiência mediadora e, parafraseando Deleuze, de afecto, pois para o filósofo francês, os afectos nos obrigam a pensar. Como tocar o outro para um encontro sensível com a arte? Como tornar significativa uma visita a uma exposição ou o contato com reproduções ou livros de arte? Como propiciar uma experiência estética integral? Como o mediador pode superar o modelo positivista que pretende fazer pontes discursivas entre duas realidades preexistentes: a obra e o fruidor? Como criar desafios estéticos para mobilizar fruidores ao encontro com a poética da linguagem da arte? Como o professor pode impedir de ser tomado pelas exigências impessoais do cotidiano da escola que o coisificam e se sensibilizar para a articulação da complexidade e do processo de mediação? As questões trazidas pelas autoras agregam discussões presentes nas suas atuações como pesquisadoras e mediadoras culturais. No caso de Mirian Celeste Martins, também do exercício acadêmico tanto no Instituto de Artes da Unesp quanto na Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde coordena o Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: Provocações e contaminações estéticas. Isso revela o caráter agregador e de pesquisa da obra, pois as ideias e posicionamentos tomados ao longo dos textos foram fruto de um exercício colaborativo e investigativo que se estendeu ao longo do tempo, que maturou conceitos e ecoou conversações e encontros. Inclusive, diversas categorias operatórias brotaram desses encontros e ajudaram a estruturar os textos tal como rizoma (Deleuze e Guattari), curadoria educativa (Luiz Guilherme Vergara), aprendizagem inventiva (Virginia Kastrup) e experiência estética (John Dewey). É interessante apontar que esses conceitos não surgem para simplesmente dar nomes a fenômenos ou legitimar teses, mas um arcabouço conceitual que ajuda a ampliar o vivido. Ou, em outros momentos, estimular a experiência, como os objetos propositores (Lygia Clark) que se tornam provocadores para a criação das ideias de nutrição estética e professorpropositor. O texto Objetos propositores: a mediação provocada, resultante das discussões realizadas na disciplina A mediação Arte/Público ministrada por Mirian Celeste no Instituto de Artes da Unesp, é um dos capítulos mais interessantes da obra, por revelar como de discussões teóricas e acadêmicas é possível recriar tanto a teoria quanto a prática. A partir do trabalho coletivo que visou a pensar em possibilidades alternativas para a mediação cultural, foram propostos jogos que perpassam diversas experiências e territórios da Arte e da Cultura. Olhando no conjunto, é possível perceber que as propostas revelam tanto interesses pessoais quanto uma atitude investigativa que oportuniza diferentes encontros estéticos. As questões trazidas pela contemporaneidade estão presentes nos textos que formam a obra. A arte contemporânea transforma os modos de participação do contemplador, tirando-o do território da contemplação passiva e exigindo que esse novo fruidor convoque todos os seus sentidos para não só se comunicar com a obra, mas recriá-la. Por isso, torna-se território fértil para a atuação do mediador cultural. Para as autoras, mediar é propiciar espaços de recriação da obra, e essa deve ser vista como a sua própria mediadora. Assim, a mediação cultural precisa ser pensada como uma ação específica que visa a dar autonomia e consciência ao olhar. O mediador é, como o professor, poeticamente construído pelas autoras, um escavador de sentidos, “pois não lida com certezas e com reducionismos simplistas, mas com a compreensão e articulação da complexidade” (MARTINS. PICOSQUE, 2012, p. 116). O sentido das coisas nos é dado pela experiência, pela reflexão e pela troca com os outros, e é justamente nesse tripé que a educação e a mediação são cotidianamente construídas. A leitura da obra de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque é uma experiência sensível e ao mesmo tempo provocadora, pois não será provocador afirmar que vivemos uma crise dos nossos sentidos? Que anestesiados pela rotina nos automatizamos e deixamos de compartilhar experiências e afetos? O livro termina com um interessante levantamento de obras, dissertações e teses que discutem as questões da mediação cultural a partir de seus diversos olhares, propondo a continuidade do diálogo. Pelo desejo de novos encontros, pela alma inquieta e pelo fôlego criativo das autoras essa conversa ainda vai longe.
1 Doutor e Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Membro do Grupo de Mediação Cultural: Contaminações e provocações estéticas do PEHC/Mackenzie. Docente dos cursos de Licenciatura em História e Pedagogia do Centro Universitário Estácio Uniradial.
Aurora: revista de arte, mídia e política, São Paulo, v.6, n.16, p.65-67, fev.-mai. 2013
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