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Há que retomar uma crítica radical a aliança entre o patriarcado e o capitalismo
Este artigo é uma apresentação ministrada pelo Pão e Rosas em debate sobre o feminismo e luta de classes, realizado em Florência em 2 de Setembro durante a festa de 10 anos do PCL (Partido comunista dos trabalhadores) da Italia.
quinta-feira 22 de setembro de 2016| Edição do dia
Falar de feminismo e luta de classes nos leva a necessidade de recuperar toda a história de luta das mulheres profundamente ligada a momentos de ascenso revolucionário e de auge da luta de classes. O movimento combativo que vai desde a Comuna de París à luta das mulheres no início do sec XX por direito ao sufrágio universal e pelos direitos das mulheres trabalhadoras, o protagonismo das mulheres nas revoluções, como a Revolução Russa a Revolução Espanhola, a segunda onda do feminismo nos anos 60 e 70 com a massivas mobilizações e um questionamento radical a sociedade e muitos outros exemplos.
Mas “enquanto o feminismo dos 60-70 era anti institucional já que surge em um contexto insurrecional a nível mundial com o Maio Frances, Outono Quente Italiano, as mobilizações pacifistas e estudantis nos Estados Unidos, a Guerra do Vietnã, a Primavera de Praga, etc., será nos anos 80 quando o movimento feminista se reconciliará com as instituições deslocando as ações de ruas para os âmbitos do Estado e as instituições capitalistas.” Assim desenvolveu minha companheira Cynthia Lub em uma apresentação na escola de verão da FT (Fração Trotskysta) na Europa sobre as estratégias da emancipação das mulheres e está amplamente tratado no livro da minha companheira Andrea D’Atri, Pão e Rosas, que recomendo especialmente.
O feminismo radical dos anos 70 já havia abandonado a estratégia de emancipação revolucionária, substituindo-a por uma estratégia onde a “revolução cultural” precede a qualquer mudança social. No entanto, foi nas décadas de 80 e 90, durante o ascenso do neoliberalismo que se desenvolve um feminismo completamente inofensivo para o capitalismo, institucionalizado, despolitizando seu discurso, exaltando a individualidade como a única forma de resistência possível e incorporando algumas das demandas feministas, mas degradas e limitadas.
O neoliberalismo foi acompanhado da ideia de que a emancipação das mulheres seria conquistada de forma progressiva e pacifica nos canais da democracia liberal, nos marcos do capitalismo. Parecia que nos mulheres já não tínhamos que mobilizarmos nem organizarmos, muito menos buscar uma perspectiva revolucionaria, porque através da democracia liberal já estávamos “empoderadas”.
No entanto, com a abertura da grande crise capitalista nos últimos anos, se mostra claramente que estas ideias conservadoras são absolutamente falsas. É certo que a vida das mulheres em muitas partes do mundo mudaram substancialmente. Mas as conquistas não foram generalizadas nem estão consolidadas, como podemos comprovar com as tentativas permanentes para cortar nossos já limitados direitos, incluindo os países europeus.
Quer dizer, enquanto uma minoria de mulheres nos países capitalistas mais avançados conquistou alguns direitos só para algumas mulheres – muitos deles hoje questionados ou eliminados pela ofensiva dos governos – la maioria das mulheres no mundo inteiro sofreram e seguem sofrendo formas brutais de opressão.
Esta persistência da opressão sobre as mulheres é o que reatualiza a necessidade de um movimento de mulheres combativo, antipatriarcal e anticapitalista. Vejamos alguns exemplos que mostram que a opressão as mulheres no capitalismo não deixam de aumentar.
Falemos dos feminicídios, por exemplo. Segundo um estudo da ONU de 2012, com as limitações que tem, se fala em cerca de 44.000 feminicídios no mundo. O mesmo estudo indica que os países com menor número de assassinatos de mulheres, como os países europeus, estas cifras aumentam cada ano. No Estado Espanhol houve 112 feminicídios em 2015, mais alto que os anos anteriores. Além disso, mais de 25 milhões de mulheres europeias foram vítimas de violência machista no ano de 2014.
Mas apesar do que as leis burguesas e o discurso hegemônico pretendem anunciar, estes assassinatos de mulheres não são “crimes individuais” que vão se resolver com punições judiciais individuais, mas são fenômenos sociais que estão enraizados na opressão patriarcal sob o capitalismo, que só iram acabar quando nos acabarmos com a sociedade de classes. Para este debate recomendo os artigos que viemos publicando na seção de gênero e sexualidade do Esquerda Diário.
Se abordamos o mundo do trabalho seguimos observando uma tremenda desigualdade. Um claro exemplo deles é a diferença salarial: a nível mundial, os salários das mulheres são 24% inferior ao dos homens, mesmo que no Estado Espanhol, o que significa que as mulheres recebem 6.000 euros anuais a menos por um trabalho de igual valor, trabalham dois meses de forma gratuita. Além disso, segundo apontam as últimas estatísticas, a diferença salarial de gênero aumenta ano após ano.
A isso tem que se somar o fato de que a precariedade no trabalho é muito maior no caso das mulheres. No Estado Espanhol, cerca de 70% dos salários mínimos correspondem as mulheres e mais de 70% dos contratos por tempo determinado são destinados as mulheres. Também somos 80% dos “ trabalhadores não qualificados” já que o mercado de trabalho está profundamente marcado por uma divisão sexual do trabalho que precariza ainda mais nossa situação. Além disso, a gravidez é uma das principais causas para a não renovação de contrato, quando não supõe diretamente uma demissão encoberta ou a não contratação.
Por outra parte, são as mulheres as que se ocupam principalmente do cuidado dos filhos ou pessoas dependentes, duplicando a jornada de trabalho e fazendo-nos muito mais vulneráveis aos cortes na saúde em leis de dependência que os governos do regime tem utilizado para fazer retroceder os direitos das mulheres uma vez mais e que em muitos casos tem expulsado as mulheres do mundo do trabalho para devolve-las ao âmbito doméstico.
Não podemos deixar de mencionar a luta pelo direito ao aborto. Atualmente, em pleno século XXI, umas 70.000 mulheres morrem por se verem obrigadas a realizar os abortos de maneira clandestina, a imensa maioria das mulheres trabalhadoras, sem meios econômicos para “pagares um aborto em Londres”, como costumava dizer na Espanha nos anos 60. Hoje em dia, a interrupção da gravidez é totalmente ilegal em 7 países da América Latina e está limitado a circunstancias muito concretas na maior parte dos casos. Mas o movimento de mulheres se mobilizam contra esta situação. É muito significativo o caso de Belén na Argentina que permanece encarcerada por mais de dois anos por um aborto espontâneo. E embora tenha sido libertada após uma grande campanha internacional e mobilizações massivas como a marcha de 12 de Agosto, sua condenação segue vigente e a perseguição as mulheres que abortam continua.
No Estado Espanhol, em 2014 nos mulheres tivemos que sair às ruas para nos defendermos do último ataque neoliberal do então ministro de justiça que pretendia limitar enormemente o direito ao aborto, demonstrando-nos uma vez mais que os direitos conquistados são muito mais frágeis nas mãos dos gestores do capitalismo, mas também que a organização e mobilização de mulheres tem o poder de mudar as coisas em determinados momentos.
Falemos do tráfico e de mulheres em situação de prostituição. Em primeiro lugar desde o Pão e Rosas entendemos que há um estreito vínculo entre o capitalismo e o patriarcado que se esconde de trás do negócio da prostituição. Cada ano quatro milhões de mulheres e dois milhões de meninas são vendidas para ser prostituídas e são principalmente as mulheres com menos recursos as que são empurradas a prostituição. A suposta “prostituição escolhida” é uma situação limitada a uma minoria de mulheres. Por isso, ainda que a solução não passa por uma regulamentação nem pela proibição por parte do estado capitalista – que se controi sobre a exploração e opressão as mulheres -, no duvidamos em exigir a igualdade de oportunidades de trabalhistas e sociais para todas as mulheres, denunciamos a perseguição, estigmatização e repressão contra as pessoas em situação de prostituição e a complicidade dos agentes do estado com os cafetões, nus solidarizamos com as vitimas e defendemos o direito das mulheres que exercem a prostituição a auto organizarem-se. Mas sabemos que a prostituição não poderá ser eliminada, como o resto das opressões, até que deixemos a lata de lixo deste sistema social capitalista.
Eu gostaria de falar finalmente das milheres imigrantes, que correm mais risos de sofrer diferentes tipos de violência e estão mais expostas ao maltrato e ao abuso por parte das autoridades, traficantes e cafetões. Este é algo que estamos vivendo na chamada crise migratória, onde as mulheres padecem todo tipo de humilhações. Também, as trabalhadoras imigrantes no geral desempenharem trabalhos mais precários, sofrem discriminação e tem menor acesso a justiça.
Não posso evitar mencionar a grande polemica que tem levantado a legislação francesa contra o famoso “burkini”, uma reedição do debate sobre a proibição do véu. Pensemos na imagem de um grupo de militares rodeando uma mulher em uma praia francesa, humilhando-a e obrigando-a a despir-se e a pagar uma multa, aplaudidos por gritos xenofóbicos. Assim se defende o direito das mulheres? Não podemos deixar a libertação das mulheres, nem se quer a luta contra as instituições e normas religiosas que se aliam ao patriarcado, nas nãos do estado repressor, imperialista, que participa em uma guerra por ano, que corta direitos e que relaciona a religião mulçumana com o terrorismo.
Como conclusão, tudo isso evidencia que o relato da “igualdade alcançada” é completamente falso e que estamos muito londe de conseguir a igualdade formal e real entre homens e mulheres. Mas isso não é suficiente, temos que apresentar uma estratégia emancipatória.
Como dissemos antes, a contraofensiva neoliberal trás a radicalização dos anos 60 e o peso da monstruosa experiência stalinista – com todos os retrocessos que significou também para o direito das mulheres -, levaram a abandonar a estratégia de transformação revolucionaria da sociedade, como se não houvesse mais horizonte além do capitalismo.
Citando a Andrea D’Adri, “a radicalidade do feminismo do amanhecer da “segunda onda” foi engolida pelo sistema. Sua aposta subversiva foi desandando no caminho que transitou “das ruas ao palácio”, da transformação social radical a transgressão simbólica resistente”.
Mas a emancipação das mulheres não é possível pela via reformista da progressiva conquista das instituições, nem através da “revolução cultural”, nem muito menos pela via individual que apresenta certo feminismo pós-moderno (“mudamos nossos corpos”).
Há que retomar uma crítica radical a aliança entre o patriarcado e ao capitalismo que nos leve ao ressurgimento de um movimento de mulheres que, junto aos trabalhadores, lutemos pelo fim de toda opressão e exploração, pela revolução social e o governo dos trabalhadores. E é a essa luta que nos mulheres do Pão e Rosas fazemos parte.
Pão e Rosas é uma organização de mulheres que impulsionamos junto das companheiras socialistas revolucionarias dos grupos da Fração Trotskysta na Europa e na América Latina. Participamos no movimento de luta das mulheres por nossos direitos, levantando um programa transicional contra o Estado e anticapitalista, e dedicamos nossos esforços especialmente a organização das mulheres trabalhadoras.
No Estado Espanhol, como em outros lugares, estamos vendo como nasce uma nova geração de mulheres que enquanto enfrenta as consequências da crise, a greve, a precariedade do trabalho e a pobreza nos lares, questionam a um sistema patriarcal que corta cada vez mais seus direitos e oprime mediante a múltiplas violências. Sua firme luta contra a precariedade está questionando o modelo de trabalho do capitalismo espanhol imposto nos anos 90 e a discriminação que sustenta o regime político. Algumas delas, como as mulheres da limpeza e as imigrantes começam a organizar-se e criam seus próprios sindicatos e organizações. As mulheres do Pão e Rosas estamos ao lado “das que movem o mundo” em todas estas experiências de luta provocadas pela violência da crise e damos voz a estas experiências de luta da classe trabalhadora para recuperar tradições perdidas com a estreita união entre o movimento de mulheres e as greves sindicais. Uma tarefa que os sindicatos majoritários abandonaram, mas também o movimento feminista institucionalizado.
Apostamos em um ressurgimento, como nos anos 60 e 70 de um feminismo antipratriarcal e anticapitalista, com grandes e novos desafios. Porque o terreno de batalha da luta de gênero, é um terreno da luta de classe, para desde ai recuperar e conquistar os direitos perdidos e pra ganhar todas as mulheres.
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