sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O QUE, REALMENTE, VOTOU O PARLAMENTO EUROPEU

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O Que, Realmente, Votou o Parlamento Europeu?
Carlos Alberto Lungarzo
Anistia Internacional (USA) – 2152711
Na mídia brasileira da noite de 20/01 e nas atualizações na Internet, quase todas as notícias, mesmo as que diferem em estilo e até em algum detalhe informativo, fazem notar os seguintes fatos:
1.       Votaram pela Itália 86 deputados, apenas 1 contra, e houve 2 abstenções. (Alguns dizem que foram 89, mas a diferença é irrelevante desde o ponto de vista político ou social.)
2.       O PE recomendou ao estado brasileiro rever a extradição de Cesare.
Mas, a mídia não se preocupa em dar o contexto. O que significa realmente esta votação?

O Número de Votos

 Ter 86 votos a favor da Itália, 1 contra a moção e 2 abstenções, significa que houve um total de  89 votos, dos quais 86 apoiam a extradição. Ou seja, do total de MEPs (deputados do PE) que se interessaram em votar, temos a seguinte proporção de votos favoráveis:
86/89 = 0,9609 = 97,1%
Se considerarmos esta proporção sobre o universo total dos que tinham direito a voto, seria uma popularidade enorme, como jamais eleição alguma teve na história. Que governante ou legislador, ou que simples moção num universo continental, teve quase 100% dos votos. O que a mídia não informa é que todos os que votaram em parte interessada no resultado e que, além disse, houve 82% por cento de MEPs que, pudendo votar, se abstiveram. Em fim, Ninguém nos informou, na mídia comercial, dos seguintes dados:
a.       Quantos tinham direito a votar.
b.      Em que contexto se celebram as votações.
Os que têm direito a voto são todos os MEPs do PE, pois este debate não corresponde a uma comissão, mas ao plenário. Alguns MEPS podem decidir não comparecer ao plenário ou não votar, mas, entre todos os MEPs do PE, nenhum pode ser proibido de emitir seu voto. Ou seja, a moção italiana poderia ter atraído, para sua votação, os 736 parlamentares que, neste momento, possui o PE.
Lembremos que na votação de 2009, onde Itália levou ao PE a mesma reclamação, o total de MEPS presentes foi de 54, o que configurou uma proporção de 7,2% aproximadamente, do total. Considerando esse número como o total, temos que 46 votaram a favor e 8 contra, o que parece um grande sucesso. Ora, por que os outros (algo como 690 na época) ignoraram o desesperado chamado da Itália, próxima a ser destruída por uma de terroristas comandados por Cesare Battisti desde o Brasil.
Fora da Itália, o Brasil e a França (nesta última, a maior parte da imprensa se manteve neutral ou contrária à iniciativa), aquela votação foi mencionada vagamente, como uma notícia sem relevância, o que é uma prova do caráter extemporâneo da proposta.  Algum detalhe desse evento apareceu apenas na coluna de Anna Mallia (Vide), no jornal eletrônico Malta Today, numa matéria destinada a fofocas sobre a corrupção entre os MEPS italianos (e alguns outros). Signora Mallia não é de esquerda nem de direita, mas apenas uma jornalista informada, e suas fofocas são críveis. Ela disse que a assistência de apenas 54 chamou a atenção no Parlamento.
Agora, em 2011, a situação foi um pouco melhor: a taxa de assistência e voto foi de aproximadamente 12%.  Algumas pessoas que duvidem destes dados podem encontrar toda na informação detalhada no Portal (site) do Parlamento Europeu. Neste caso, como não há aspectos sigilosos, inclusive é possível pedir as cópias das deliberações.
Uma assistência tão baixa não é contaria às regras do Parlamento, pois a regra 155 adverte que o presidente não é obrigado a fixar quórum mínimo, quando se trata de moções não procedimentais, como era o caso da “opinião” do PE sobre a extradição de Battisti. No entanto, o presidente pode fixar quórum se fosse reclamado por 40 ou mais membros.
Observe que aqui houve 89 membros, mas ainda não tivemos acesso à minuta completa e não sabemos se os MEPs italianos pediram quórum mínimo, ou se não pediram. Se tivessem pedido, como 12% é uma taxa muito baixa para ser considerado quórum, cabe pensar que a presidência não aceitou, por razões que desconhecemos. Mas, acredito que o quórum não foi pedido, até porque a experiência de 2009 mostrou que havia poucas pessoas interessadas na saga extradicional do povo italiano contra o perigoso e desconhecido terrorista. O que os MEPs italianos queriam era que sua moção fosse aprovada de qualquer jeito.
Não tendo quórum, e não sendo uma moção procedimental, o que foi votado foi um pedido dos 86 parlamentares que falam em nome do Parlamento. Não significa nada sobre seus as opiniões dos outros membros dos partidos (embora com certeza, se o fascista PPE tivesse todos seus membros aí, teria votado massivamente contra).

Contexto do Voto

No total, na oitiva de 20 de janeiro, houve 6 debates e 7 votos, pois também a aprovação de relatórios sem debate se faz por voto. O processo durou 2 horas e 50 minutos para os debates, e 2 horas para os votos (o que inclui também a justificação do voto).
Cabe indicar que entre os debates há alguns que, pelo título, vocês podem perceber que interessam muito mais que o caso Battisti. Só para citar alguns:
1.                         Situação dos Cristãos no contexto de liberdade de religião, um assunto que interessa a vários milhões de cristãos.
2.                         Situação em Belarus, onde há um virtual clima de Guerra civil.
3.                         Estratégia sustentável da UE para o extremo Norte.
4.                         Estratégias para o Mar Negro.
Havia alguns outros, todos mais importantes para a sociedade Européia que a dificuldade de obter a extradição de um exilado, condenado há 30 anos na Itália, e que os brasileiros protegem. Ou seja, o assunto deve ter merecido desprezo até da própria direita não italiana, a qual, embora odeie figuras como a de Cesare, não tira nenhum vantagem da vingança italiana, e não tem motivo para se submeter a esse procedimento ridículo.
Os MEPs italianos já tinham redigido, antes de enviar a moção a Estrasburgo, um texto fortemente agressivo contra Battisti e o Brasil, que fora aprovado por unanimidade, e que mencionei em meu artigo anterior. Ora, esses deputados italianos eram 77 (setenta e sete), um dois maiores “esquadrões” de MEPs no PE.
Ora, chamo a atenção sobre este fato: se os deputados italianos são 77 e houve 86 votos em favor da Itália, quer dizer que tiveram a cooperação de apenas 9 de outros países.
Como é habitual no clima psicótico dos perseguidores, quando a moção foi aprovada na sala semivazia, os MEPs italianos estouraram em gritos de alegria histérica. Um exaltado (que não aparece mencionado pelo nome na imprensa da Estrasburgo) enfrentou o representante da Comissão Europeia (que é membro permanente do PE) e bradou: “Agora você deve agir!”.
Stefan Fule respondeu com a mesma frase que foi dita, desde 2009, pelos menos 5 vezes por dignitários executivos da União Européia: “Esta é uma questão bilateral. A CE não tem nada para fazer”.
Alguém pode concordar com o pitoresco ministro Frattini (aquele que odeia vídeo game) de que o assunto, mesmo não sendo vinculante nem tendo nenhum valor operacional, valor moral. Cabe apenas perguntar-se que tipo de moral representam aqueles 77 MEPs, vinculados ao sistema político mais desprestigiado do continente. Aliás, qual é o valor moral dos 650 MEPs que preferiram não comparecer?

O Texto Adotado

Os MEPs italianos não devem ter querido votar eles sozinhos. Embora seus 9 parceiros de voto sejam membros da direita do PE (não sei ainda seus nomes), nem todo conservador, fascista ou coisa semelhante está animado de um ódio tão irracional como para votar uma moção bizarra sem qualquer proveito concreto, que só aspira a satisfazer um feudo de sangue de três décadas. Portanto, aprovou-se uma resolução de compromisso que transcrevo em sua parte final. Observe o baixo grau de convicção e interesse pela vendetta italiana que esta resolução  parece conter.
1.       Reconhece que o respeito pela legalidade e a independência do judiciário, incluindo tratamento limpo (fair) para os que já foram condenados, é um dos valores básicos da UE, de seus estados membros, e também do Brasil.
2.       Destaca a parceria entre a UE e o Brasil baseada no entendimento mútuo de que ambas as partes sustentam a vigência da lei e os direitos fundamentais, incluindo o direito de defesa e de um julgamento limpo e equitativo.
3.       Expressa confiança em que, à luz destas considerações, as autoridades competentes do Brasil exercitarão seu direito – e cumprirão seu dever – de processar a nova demanda do governo italiano de rever a decisão sobre a extradição de Cesare Battisti, e explorar os caminhos que garantam que o tratado bilateral de extradição seja interpretado corretamente.
Sem dúvida, os parlamentares europeus estão usando seu direito de expressão, mesmo que o assunto seja interno a um país que nem mesmo é membro da UE. Portanto, não cabe nenhuma crítica sobre intromissão, nem coisa semelhante. Pelo contrário, este voto do PE, da mesma forma que a proscrição de escritores que assinaram a lista de apoio a Battisti, são, em ambos os casos, eventos afortunados, que mostram: (1) Qual é o naipe deste clube de linchadores e seus aliados. (2) Qual é o valor que os outros parlamentares dão a suas “invenções”.
Veja aqui os detalhes difundidos até a madrugada do dia 21 pelo Parlamento.

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