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sábado, 13 de agosto de 2016

A Incompreendida Psicoterapia de Wilhelm Reich

A Incompreendida Psicoterapia de Wilhelm Reich


 
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 João da Mata ao lado de Roberto Freire, o criador da Somaterapia. (Foto de Rui Takeguma cedida por João da Mata).


REVERBERAÇÕES REICHIANAS NO BRASIL
 

Por Dentro da Somaterapia de Roberto Freire – Uma Terapia Corporal Anarquista



A obra de Wilhelm Reich serve como espinha dorsal para a chamada Somaterapia. Criada no Brasil pelo médico e instaurador libertário Roberto Freire (1927-2008) nos anos 1970, no período da ditadura civil-militar, a Somaterapia procura entender o comportamento humano a partir das relações sociais desenvolvidas no cotidiano dos indivíduos. Trata-se de uma prática que estabelece associação entre psicologia, corpo e política. Nesse sentido, dois fatores são fundamentais para os somaterapeutas: a implicação do corpo na clínica e a análise das práticas de poder nas relações sociais e seus efeitos sobre as emoções e os comportamentos. "Acreditamos na necessidade de voltar nosso olhar para as microrrelações sociais, pois é a partir delas que compreenderemos os mecanismos basais de poder e suas extensões para planos mais amplos da sociedade", explica o somaterapeuta João da Mata. "Tais mecanismos funcionam como o germe do autoritarismo que se alastra por diversos pontos das interações humanas, produzindo inegáveis influências sobre áreas vitais do comportamento e das relações sociais." Roberto Freire, que era anarquista, encontrou na obra de Reich a confirmação de suas impressões sobre a influência dos conflitos de poder no comportamento individual, além da implicação do corpo nesse processo. Segundo sua conclusão, a obra de Reich indicava uma noção importante que deveria fazer parte de sua terapia libertária: desencadeada por um processo de ajustamento social, a neurose não residia no pensamento e na cabeça, mas em todo o corpo.
A busca pela compreensão dos motivos que estimulam o emocional a fabricar sinais de neurose fundamentou sua crítica às relações de poder que reprimem, disciplinam e bloqueiam a liberdade das pessoas nas sociedades hierarquizadas. Para Freire, alguém tolhido de agir como realmente é, sem poder expressar seus ideais e desejos, entra, defensivamente, em estado neurótico. "Ao articular o pensamento e a obra de Wilhelm Reich com o anarquismo e sua crítica ao poder, Freire defendia a ideia de se trabalhar também sobre a esfera ética e política das pessoas. Afirmava que, para eliminar os efeitos da neurose, não basta acabar com os sintomas resultantes da couraça, e sim combater suas causas sociais e políticas", detalha João da Mata. Segundo ele, "sintomas como angústia e depressão, por exemplo, são 'sinais de alarme', indicando que algo de errado está acontecendo na vida do indivíduo. Apagar essa 'luz vermelha' seria como eliminar uma febre sem combater a infecção: os sintomas apenas sinalizam algo." Por isso, a Somaterapia enfatiza os processos grupais, nos quais o coletivo serve como laboratório de diagnósticos e transformações dessas práticas sociais e seus impasses. "Um grupo de Soma, que tem duração pré-definida, utiliza-se de um conjunto de técnicas e dinâmicas de grupo que estabelece uma relação permanente entre o comportamento individual e a construção de sociabilidades menos hierarquizadas", diz da Mata.



Atividade Somaterapeuta. (Foto cedida por João da Mata).
A Somaterapia visa mobilizar a energia orgônica pelo nosso corpo, restabelecendo o equilíbrio energético e aumentando a potência vital. Reich acreditava que as funções vegetativas (referentes ao sistema nervoso autônomo) deveriam funcionar livremente. "Tais funções se tornam desequilibradas especialmente pela criação de estases energéticas que limitam a circulação da energia vital. Esse bloqueio se dá por meio da frustração do prazer durante o desenvolvimento da criança", pontua da Mata. Reich considerava a repressão sexual como a principal fonte das neuroses. João da Mata discorre sobre a questão: "A moral conservadora, base da cultura patriarcal, procura condenar os impulsos genitais naturais. Isso leva à criação de impulsos secundários ou pornográficos, tornando a sexualidade uma mera realização do coito, muitas vezes desprovida de qualquer sentimento. Ao mesmo tempo, ergue-se um conjunto de leis e normas moralistas desastrosas contra a mesma mente humana pornográfica criada pela condenação da sexualidade natural".
A obra de Reich A Função do Orgasmo mostra como o orgasmo sexual pleno e satisfatório, além de proporcionar grande prazer e bem-estar, tem uma segunda função capaz de agir sobre a couraça, dissolvendo-a por alguns instantes através de um "curto-circuito energético" que solta a musculatura tensa e restitui a harmonia energética. "Devido a uma poderosa descarga energética, o corpo entra em estado de relaxamento, proporcionado pela circulação livre da bioenergia e por uma dissolução provisória das couraças", observa da Mata. Nesse aspecto, o somaterapeuta ressalva que, "interessado em buscar outras possibilidades de mobilização energética além do orgasmo, Reich passou a pesquisar o que ficou conhecido como os equivalentes orgásticos. Existem equivalentes ditos 'naturais' do ponto de vista bioenergético, como o ato de dançar, de gargalhar, de bocejar, de espreguiçar e uma série de outras possibilidades disponíveis ao homem como forma de relaxamento." E prossegue: "Ao relacionar a neurose às perturbações da função genital, a atividade orgástica passa a ter um significado importante no tratamento e [na] elaboração da saúde somática e psíquica de seus pacientes. A partir daí, ele defende a ideia de que a função orgástica se autorregula por um processo de tensão-carga-descarga-relaxamento, que se transformaria numa das principais bases para a formulação do conceito de pulsão de vida, em contraponto à pulsão de morte freudiana".



Praticantes da Somaterapia jogando Capoeira da Angola. (Foto cedida por João da Mata).
Aqui, vale frisar que ele não está falando da mera realização do gozo, mas de uma profunda e ampla ligação ao outro. Reich refere-se à experiência emocional primária da fusão de dois organismos. Nada a ver com a relação genital, e sim com a experiência emocional concreta da perda do ego. Uma das descobertas fundamentais de Wilhelm Reich nesse campo foi detectar, no orgasmo sexual, o instrumento natural e espontâneo da nossa fisiologia para corrigir a má distribuição energética. Como consta em A Função do Orgasmo, a restituição circunstancial do equilíbrio energético seria alcançada graças ao que Reich chamou de "potência orgástica", condição almejada ao final do processo terapêutico. Foi justamente o reducionismo dessa ideia de Reich, associado às teorias da liberação sexual, que contribuiu para o esvaziamento da importância de suas pesquisas e prejudicou o entendimento da ideia central de seu pensamento, que estendia a noção de orgasmo para além do sexo, transportando seu conceito para outras áreas da vida. "Ou seja", conclui João da Mata, "ter orgasmos na vida significa entregar-se à plenitude e abandonar-se às experiências: deixar de ser governado."




O Núcleo de Psicoterapia Reichiana Propõe uma Abordagem Contemporânea das Ideias de Reich
 
Ernani Eduardo Trotta é um dos coordenadores do Núcleo de Psicoterapia Reichiana, com sede no Rio de Janeiro. Psicoterapeuta reichiano com prática clínica desde 1982, ele começou pela psicanálise, mas ao mesmo tempo sentiu-se impelido a vivenciar e estudar outras abordagens, como a bioenergética, o psicodrama, o teatro terapêutico e variados métodos corporais e energéticos. Além de psicologia, estudou ciências biomédicas, área em que concluiu seu doutorado. "Essas buscas terminaram se convergindo para um aprofundamento em Reich", conta ele. "Viajei à Inglaterra para fazer um pós-doutorado no Instituto de Psiquiatria de Londres e, paralelamente, fiz um curso de formação em psicoterapia reichiana com discípulos de Ola Raknes e Asbjorn Faleide. De volta ao Brasil, buscando aperfeiçoar minha formação, me tornei paciente e aluno de Felipe Fernandez, orgonoterapeuta recém-chegado da Argentina."
Ernani participou da primeira instituição reichiana carioca, o CIO (Centro de Investigações Orgonômicas W. Reich), e também ministrou cursos de formação terapêutica em Porto Alegre, a convite de Ralph Vianna, que, na época, editava as revistas Rádice e Luta e Prazer, além de organizar simpósios com ênfase em Reich. Foi essa experiência que acabou se desdobrando na fundação da Sociedade Wilhelm Reich no Rio Grande do Sul. "No Rio de Janeiro, continuei coordenando grupos de formação e, em companhia de alguns ex-alunos, fundamos o Núcleo de Psicoterapia Reichiana, uma instituição que acreditamos ter um papel importante na pesquisa, na clínica e no ensino da abordagem rechiana na atualidade", explica.
Sendo o Núcleo uma instituição formada por psicoterapeutas especializados em uma versão contemporânea da abordagem clínica criada por Reich, o pilar-chave daquilo que propõe, segundo Trotta, "é a compreensão do ser humano como uma unidade corpo-mente indissociável. E essa visão orienta a análise e as intervenções do terapeuta. Existem diferentes linhas de psicoterapia reichiana. Utilizamos uma integração da abordagem inglesa e norueguesa oriundas de Ola Raknes e da escola norte-americana iniciada por E. Baker, com importantes contribuições de B. Koopmam, como a foto-estimulação; também incorporamos algumas das contribuições de F. Navarro." Quase 60 anos desde a morte de Reich, a metodologia clínica criada por ele evoluiu, principalmente diante das descobertas recentes no campo das neurociências, da psicomotricidade e da psicologia do desenvolvimento.
"Uma melhor compreensão da influência dos estados emocionais sobre os mecanismos cerebrais de processamento de informações e memórias, e dos efeitos de estímulos sensoriais sobre essas funções cerebrais, permitiram o aperfeiçoamento dos métodos clássicos e a criação de novos métodos terapêuticos", esmiúça Trotta. "Incorporamos também conhecimentos e técnicas de outras abordagens terapêuticas que se mostram compatíveis com a reichiana. Reconhecemos e valorizamos os aperfeiçoamentos e inovações incorporados, porém ressaltando que continuamos a seguir em essência todos os referenciais teóricos e metodológicos propostos por Reich." No que tange a esse tópico, ele chama atenção para o fato de que, ultimamente, muitas abordagens terapêuticas psicocorporais, com os mais variados nomes, vêm sendo apresentadas como novidadeiras. Contudo, elas lançam mão dos mesmos conceitos básicos da abordagem reichiana sem fazer qualquer tipo de menção a Reich. "É como se alguém descrevesse hoje uma teoria essencialmente idêntica à teoria da relatividade, dizendo que se trata de algo novo, porém sem fazer qualquer referência a Albert Einstein", critica.




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A Incompreendida Psicoterapia de Wilhelm Reich



Há uma centena de pessoas por aí que adoraria conceder uma entrevista repleta de declarações seguras sobre o que Wilhelm Reich (1897-1957), psiquiatra, físico e cientista austríaco, pensava ou pensaria sobre uma série de questões. Escritores, palestrantes, terapeutas, ideólogos, pesquisadores, historiadores, intelectuais e pseudointelectuais das mais variadas ordens, tão convencidos sobre o seu entendimento acerca das ideias de Reich. Mas Kevin Hinchey não é um desses tipos. Kevin atua desde 2002 como codiretor do Wilhelm Reich Infant Trust, em Rangeley, no Estado de Maine, EUA. Trata-se de um instituto criado pelo próprio Reich em seu testamento que administra o material de arquivo do psiquiatra, publica livros e artigos, entre reeditados e inéditos, além de também operar um museu no mesmo local. Kevin está fazendo um documentário para justamente mostrar ao mundo que várias das coisas que se espalham e que se atribuem a Reich são pura lorota. Em nossa entrevista, todas as vezes em que tentei entrar em algum tipo de especulação, ele foi enfático em sugerir que as pessoas leiam as coisas escritas de próprio punho por Reich ao invés de se apegarem aos artigos interpretativos que inundam a mídia desde sua morte – e que é o que geralmente se faz. Uma das deturpações sobre Reich prega que ele teria sido o ideólogo do amor livre. O lance de Reich não era bem esse. Embora ele afirmasse que orgasmos levavam a uma vida melhor e fosse um crítico da educação sexual e da estrutura familiar, transformá-lo num escudo panfletário para esse tipo de causa é puro reducionismo.
Entre muitas percepções surpreendentes, Wilhelm Reich foi o cara que identificou a neurose no corpo das pessoas. A partir de suas pesquisas, ele descobriu que a neurose era causada pelo desequilíbrio energético. Mas ele não focava apenas a energia psíquica, e sim a energia única que circula por todo o nosso corpo, à qual se designaram modos diferentes de chamar com o mesmo significado: bioenergia, energia orgônica ou energia vital. Ex-pupilo de Freud, abandonou o divã e passou a estudar aspectos como tom de voz, postura, respiração e outros indícios corporais que observava durante as terapias. Ele rompeu com o padrão psicanalista de não se olhar no olho do paciente e de colocar em segundo plano a percepção das modificações de postura e gestos: sua proposta era a de integrar a análise corporal com a escuta. Assim, Reich detectou sete regiões corpóreas onde se formam as tensões musculares que chamou de "anéis" ou "segmentos de couraça": ocular, oral, cervical, torácica, diafragmática, abdominal e pélvica. Seria, portanto, a distribuição imprópria da energia orgônica, sobretudo na musculatura voluntária, a causa da formação da "couraça caracteriológica" ou "couraça muscular do caráter". Outro pilar fundamental do pensamento de Reich é que os conflitos emocionais surgem das relações sociais, e não de algo eminentemente individual. Sob tal prisma, a neurose e as psicoses podem ser entendidas como fenômenos decorrentes de conflitos e práticas de poder postas em prática na vida cotidiana – está aí a origem política da neurose. Na visão de Reich, a psicanálise ficava presa ao estudo simbólico dos acontecimentos e às suas interpretações. Enquanto isso, ele acreditava na necessidade de se valorizar mais a maneira como o paciente apresenta certas dificuldades do que o porquê.
Mas isso é o básico, a primeira camada da cebola, a respeito das ideias de um intelectual que morreu sem ser apropriadamente compreendido. Por isso, o filme que está sendo produzido pelo Kevin Hinchey se faz importante. Pela primeira vez na história, alguém gabaritado, à frente da instituição que foi idealizada pelo próprio Reich, se propõe a realizar o documentário definitivo sobre sua trajetória, suas principais teorias e seus estudos. Assista ao trailer do projeto e acompanhe a entrevista: (...)
*Para ver este vídeo, um outro e ler na íntegra, acessar :  http://www.vice.com/pt_br/read/a-incompreendida-psicoterapia-de-wilhelm-reich



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