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quarta-feira, 30 de junho de 2010

É HORA DE SE REPENSAR A GREVE NA USP

Celso Lungaretti (*)

Quando uma revolução é identificada com
cravos, como a portuguesa de 1974, torna-se
simpática aos olhos do mundo inteiro.
Minha primeira participação concreta na Vanguarda Popular Revolucionária se deu em abril de 1969, quando meu grupo de oito secundaristas foi convidado a enviar um representante ao congresso da Organização, numa casa de praia de Mongaguá (SP).
Foi quando Carlos Lamarca e outros revolucionários egressos do Exército e da Marinha (homens duros, portanto), avaliaram que, embora estivéssemos enfrentando uma tirania atroz, não podíamos nos dar ao luxo de agir como bem entendêssemos.

No ano anterior, houvera três ações armadas questionáveis: duas explosões de bombas que deveriam ser meramente simbólicas, mas acabaram atingindo uma dupla de incautos; e o justiçamento de alguém que aparentava ser agente da CIA.

A posição do congresso foi a de que dali em diante seria evitado ao máximo o derramamento de sangue.

As ações armadas passariam a ser planejadas exaustivamente, no sentido de evitar-se a ocorrência de tiroteios; e executadas por um número maior de militantes do que o estritamente necessário, para facilitar a administração de algum imprevisto.

E não atingiríamos mais nenhum inimigo que só fosse identificado como tal por nós, não pelas massas.

Ou seja, por pior que fosse o sujeito, mesmo um brutal carrasco, não o justiçaríamos para depois explicarmos à população quem era e o que fizera para merecer tal destino. Se não era visto pela coletividade como torturador e assassino, paciência. Não levantaríamos a mão contra ele.

Enfim, ficou decidido que nossa atuação seria sempre no sentido da propaganda armada -- a utilização das armas para apresentar e tornar simpáticos os nossos ideais para a população -- e não do enfrentamento militar puro e simples.

Neste sentido, estabelecemos como metas o sequestro de grandes empresários, que seriam libertados em troca da distribuição maciça de víveres em favelas e bairros pobres; e a tomada de supermercados e magazines de locais onde o povo fosse particularmente carente, para que os excluídos os saqueassem.

Acabamos não conseguindo concretizar tais objetivos, pois exigiam recursos humanos e infraestruturais dos quais logo deixamos de dispor, como consequência do agravamento da repressão e das sucessivas baixas em nossas fileiras.

Mas, o que eu quero destacar é: mesmo sendo guerrilheiros em luta contra uma ditadura sanguinária, demos um passo atrás quando percebemos que certos excessos só ajudavam o inimigo, que tinha os recursos de comunicação para explorá-los e capitalizá-los ao máximo.

Embora estivéssemos vendo, dia após dia, companheiros estimados sofrerem as piores torturas e serem abatidos como cães, manteríamos a serenidade, priorizando a imagem política de nossa luta e não a contundência militar.

Gostaria que este exemplo fosse tomado em consideração pelos grevistas da Universidade de São Paulo, que estão levando em conta exclusivamente a repercussão dos seus atos no universo estrito da Cidade Universitária, sem atentarem para o efeito devastador da maneira como eles são apresentados ao restante da população.

Reivindicações imediatas, mesmo que justas, não devem prevalecer sobre valores e objetivos maiores. Alguns excessos da greve atual estão dando pretexto a uma arregimentação das forças reacionárias, no sentido da imposição de graves retrocessos -- e não só na USP.

É a hora daquele famoso passo atrás, para se poder depois dar dois passos adiante.

* Jornalista, escritor e ex-preso político. 
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com


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