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quarta-feira, 30 de junho de 2010

Direito de Greve e Direitos Básicos


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Carlos Alberto Lungarzo
Anistia Internacional (USA) – 2152711
Em Tempo:
Quando já tinha distribuído esta nota na minha rede de contatos, o senhor Acauã Rodrigues, diretor executivo da Associação de Pais e Funcionários da Creche Central (APEF), enviou um e-mail a mim e a Celso Lungaretti que começa desta maneira:
“Avaliações, opiniões e estratégias a parte, uma informação que já tinha lhes repassado: A ampla maioria dos funcionários da Creche Central, mais de 75%, (44 em 58 funcionários), decidiram não se ausentar por considerar o impacto negativo nas crianças”.
Quero manifestar o seguinte: (1) Por algum problema de comunicação não recebi a nota enviada antes pelo senhor Acauã, mas não tenho qualquer dúvida sobre sua seriedade. (2) Não reproduzo o resto da mensagem porque ainda não recebi uma resposta onde se me autorize a isso. (3) Como defensor dos Direitos Humanos, não me enrolo em causas puramente políticas; defendo o direito de greve porque é uma ferramenta justa do movimento operário, e nós sabemos há muito tempo que os DH individuais não subsistem muito tempo sem direitos sociais, como o prova o caso dos Estados Unidos. (4) Minha nota é crítica respeito da repressão e classismo da CRUESP e dos reitores e professores subservientes ao terrorismo de estado paulista, mas isso não significa apoiar nenhuma forma selvagem assumida durante uma greve. Não sei se este é o caso, mas insisto em que uma greve é feita para atingir o patrão e seus cúmplices, e não vítimas inocentes. Publicarei qualquer outra nota polêmica, escrita dignamente como esta, de qualquer pessoa que se sinta ofendida por minha matéria.
Obrigado
É excepcional a oportunidade de escrever sobre algo que tanja minha condição de ativista de Direitos Humanos, e meu histórico como (ex) membro da comunidade acadêmica. Mas, a greve dos funcionários da USP me oferece, neste momento, essa dupla oportunidade.
Greves Universitárias
Não preciso dizer que aprovo totalmente as reivindicações do SINTUSP. Durante décadas, a CRUESP tem se mostrado uma entidade buffer entre os governadores patrões, e os trabalhadores universitários. Com um poder superior ao de vários governos estaduais no país, a CRUESP negocia sua influência, mas, nos momentos críticos que se viveram na UNICAMP, USP e UNESP, se decidiram sempre a favor a patronal.
Isto pode parecer uma contradição, porque os membros da CRUESP possuem fortes interesses nos claustros docentes, e tanto sua estabilidade como seu funcionamento dependem da aquiescência dos professores. Entretanto, há uma situação evidente que facilita o poder tirânico dos reitores: a divisão rígida de classes entre a maioria do funcionalismo universitário (nas universidades paulistas) e os membros dos quadros “acadêmicos”. Com algumas exceções que devem ser honradas (especialmente entre as referências mais baixas da academia), os professores defendem seus interesses em separado e, durante muito tempo, os trabalhadores foram tratados quase como escravos.
Funcionários e Professores
Quando cheguei ao Brasil, eu conhecia a quase totalidade das Américas e parte da Europa, e, embora estivéssemos ainda no período da ditadura, com um resíduo de repressão decrescente, era inexplicável que este fosse o único país em que as lutas sociais dentro da Universidade eram quase inexistentes.
Desde 1968, a ditadura militar, envaidecida por uma espécie de “despotismo pseudo-esclarecido” decidiu aumentar os salários dos professores e dos funcionários mais altos (consultores, chefes de gabinete, etc.) a níveis que eram invejáveis até nos países ricos como Suíça e Alemanha.
Nesse período, as Universidades Paulistas, especialmente a UNICAMP, contrataram numerosos estrangeiros. Geralmente, os próprios pesquisadores evitavam indicar perseguidos políticos (a despeito de sua qualidade), o que descarta qualquer suspeita de que essa deferência com estrangeiros tivesse caráter humanitário (Meu caso foi uma exceção que não cabe relatar aqui). Os verdadeiros perseguidos deviam buscar emprego no Nordeste, onde foram em geral generosamente acolhidos.
Essa política arrefeceu com a democracia, que, apesar de frágil e precária, entendeu que a imagem do país não seria boa com uma universidade feudal-escravocrata. Agora, 25 anos após, não saberia dizer quais foram, na minha área (e muito menos nas outras), as vantagens do esbanjamento indiscriminado em procura de badalação internacional. Que eu saiba, as contribuições mais positivas de nossas universidades se devem a jovens pesquisadores das áreas experimentais, e não a visitantes famosos cujo convite foi, especialmente, a reciprocidade turística com seus colegas brasileiros.
A partir da democracia os funcionários começaram a serem melhor apreciados, porque o establishment queria criar a imagem de que a classe acadêmica não era discriminatória, e que valorizava o trabalho não intelectual como nos países civilizados.
Convivi um total de 15 anos com a Comunidade Acadêmica da Unicamp. Estive entre 1976 e 1979 (quando dois agentes dos serviços de inteligência argentinos e um agente dos serviços chilenos, que eram professores de minha área, exigiram minha expulsão), e logo, após a Anistia, de 1986 a 1996.
Nesse período, sempre foi muito claro que, enquanto os Reitores reprimiam as greves de funcionários, os professores evitavam identificar-se com elas, salvo em alguns poucos casos de militantes de esquerda, que se concentravam nos departamentos de ciências sociais. Inclusive, minha identificação com o movimento dos funcionários foi um motivo de discriminação, e de minha decisão de me aposentar precocemente.
Problemas nas Greves
Desde que se cunhou o conceito de greve no século 18, uma paralisação é um ato pelo qual o empregado procura pressionar seu empregador. A pressão visa prejudicar os interesses do patrão, cuja mentalidade utilitária o conduzirá a fazer o que seja mais barato: atender as demandas ou reprimir.
No estado de SP, as greves de professores foram sempre processos corporativos, que acabavam em acordos com a CRUESP, e onde o único risco era corrido pelas direções classistas de algumas Associações Docentes. Mas estas direções eram, muitas vezes, simples intermediários políticos, que exploravam o desprestígio que a greve produzia ao reitor ou a seus contatos no parlamento.
Por exemplo, durante meu último ano na UNICAMP, o reitor era o pediatra José Martins Filho, uma pessoa sensata, que uma panela de professores queria demolir para colocar seu próprio candidato, o que acabou acontecendo. Na avidez de produzir confronto, aproveitaram uma greve cujas causas básicas eram justas, mas que não afetavam os membros desta panela, e obstruíram o passo de uma ambulância que transferia um doente. É claro que a mídia não perdeu a oportunidade e acusou a esquerda, favorecendo o prestígio dos candidatos de oposição.
É necessário ter em conta que uma greve só deve prejudicar o establishment e, eventualmente, seus clientes, que, ao protestar pela falta de serviços, contribuirão à pressão.
Mas a greve não deve prejudicar pessoas inocentes, que são justamente as que queremos defender. Os professores da UNICAMP tinham muitos métodos não desumanos pressionar o establishment, mas utilizavam de maneira predominante a paralisação do hospital das clínicas.
O método mais eficiente, que nunca se aplicou, teria sido inviabilizar o vestibular, fazendo com que as famílias entrassem em pânico, visto que seus filhos ficariam sem a vagas gratuitas que as universidades de maior nível oferecem aos filhos de ricos, generosamente cedidas pelos governos que investem nelas tudo o que tiram do ensino básico.
Com efeito, em 1988, perto de fim do ano, dúzias de pistolões (políticos, magistrados, empresários), ligavam a Unicamp, desesperados, perguntando se a greve prejudicaria o vestibular. Em novembro de 1988, eu propus numa assembleia que o comando de greve divulgasse as respostas do vestibular uns dias antes de sua aplicação, para invalidar o sistema. Fui muito criticado quando disse: “Temos de ferir a burguesia onde ela é sensível. Não podemos seguir fazendo greve no Hospital das Clínicas, frequentado pelos mais carentes.”
Alguns coincidiram comigo em levantar a greve do HC, mas poucos (salvo alguns colegas marxistas, verdadeira raridade na UNICAMP da época) coincidiram em “melar” o vestibular. Alguém me disse: “Você não sabe que podemos ir presos?”. Eu sugeri ao colega assistir o filme de Monicelli, I Compagni. As lutas sociais devem ser pacíficas quando é possível, mas nem todo confronto pode ser evitado, porque o inimigo é violento. A prisão é um risco natural a pagar por nossa dignidade individual e social.
SINTUSP e as Creches
A greve da SINTUSP 2010 parece ser uma das mais combativas de que tenho memória. Não pode duvidar-se que todo o movimento progressista da região a apoia decididamente. Entretanto, acreditamos que devem ser evitados transtornos que possam prejudicar os mesmos trabalhadores, suas famílias e outras pessoas inocentes, e também, os danos à imagem do movimento.
Neste sentido, é significativa a declaração do Diretor da SINTUSP, Magno Carvalho, ao Estadão de hoje. Vide.
Magno foi interrogado pela repórter sobre o possível dano à imagem do movimento, por causa de estar uma creche fechada e outra em vias de paralisação. O Diretor mencionou vários fatos que são sobejamente conhecidos, mas que a mídia distorceu ao máximo possível:
1. As creches não foram fechadas por decisão da SINTUSP, mas porque os funcionários das mesmas tinham dificuldades para atender a demanda.
2. Houve uma provocação de dois professores, cujos filhos usam essas creches, que denunciaram o movimento à polícia, provocando uma imediata reação de autodefesa.
3. Por causa da provocação contra a greve, criou-se um clima de intimidação no trabalho, que pode prejudicar as próprias crianças.


Este comentário está baseado no texto do Estadão, mas não posso garantir a verdade de seu conteúdo.


Entretanto, muitas mães e pais trabalhadores não possuem nenhuma condição de deixar seus filhos em local seguro, quando assistem a seus trabalhos. Poderiam, sim, deixar de comparecer aos locais de trabalho, mas isso destruiria o caráter de greve ativa.
É temerário dar opinião sem conhecer o detalhe das situações, mas acredito que as creches deveriam ser mantidas abertas para:
1. País e mães que participam na greve. (Dificilmente os professores, mesmo que tenhamos problemas econômicos, não poderíamos pagar uma creche privada).
2. Funcionários que por razões especiais não podem deixar seus filhos com ninguém (doença, ausência de amigos ou parentes próximos, etc.)
Finalmente, o fechamento da greve e do hospital são casos extremos. Recém hoje soube que o Centro de Computação Eletrônica não foi ainda paralisado. Acho que essa é uma providência fundamental, adotada nos países democráticos, onde o movimento sindical é mais forte. O CCE brinda muitos serviços úteis a todos nós, inclusive aos pesquisadores que já não fazemos partes dos quadros. Mas o dano que podem sofrer nossas pesquisas é mínimo comparado com os problemas para a administração e a economia do “fascismo de mercado” (como dizia Samuelson) que governa o Estado.
O capitalismo, em geral, não atende razões éticas nem sociais. Muito menos em sociedades escravagistas, e menos ainda em regiões como SP, dominadas pelos aparatos de repressão, a corrupção e o policialismo. A única saída possível é tocar onde mais dói, que não são as creches. Problemas nas creches só prejudicam nossos irmãos de classe, e alimentam o lixo mediático.

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