Um dos maiores desafios de um whistleblower é aprender a conviver com a ideia de que há funcionários trabalhando em seus escritórios, assim como fizemos, espalhados por todas as unidades da agência de segurança, vendo o que você viu, conformados em silêncio, sem reagir ou reclamar. Eles aprendem a viver não apenas com inverdades, mas com inverdades desnecessárias, inverdades perigosas e inverdades nocivas. É uma tragédia dupla. Aquilo que começa como uma estratégia de sobrevivência acaba por prejudicar quem pretendia proteger e desvirtuar a mesma democracia que justificava tamanho sacrifício.
Mas, diferentemente de Dan Ellsberg, não tive que esperar 40 anos para que outras pessoas rompessem o silêncio através da revelação de mais documentos. Ellsberg entregou os Papéis do Pentágono para o New York Times e outros jornais em 1971; Chelsea Manning cedeu os registros das guerras do Iraque e do Afeganistão, bem como o material do Cablegate (telegramas diplomáticos dos Estados Unidos) para o WikiLeaks em 2010. Eu decidi fazer a minha parte 2013. E aqui estamos, em pleno 2016, e mais uma pessoa embuída de coragem e consciência disponibilizou um extraordinário conjunto de documentos que foram publicados em The Assassination Complex (O Complexo de Assassinato), um livro de Jeremy Scahill e da equipe do The Intercept. (Os documentos foram publicados originalmente em 15 de outubro de 2015 na reportagem The Drone Papers.)
Estamos começando a compreender este período em que políticas de Estado nocivas se escondem nas sombras, aquele interim em que atividades inconstitucionais podem ser levadas a cabo antes de serem expostas por atos de consciência. Essa compressão temporal é importante não só no âmbito das manchetes jornalísticas; ela permite que cidadãos tomem conhecimento de medidas importantes do governo, não como parte do registro histórico, mas de forma que possam manifestar suas opiniões diretamente através do voto. Em outras palavras, de forma a capacitar uma sociedade mais bem informada para defender a tal democracia que os “segredos de Estado” dizem proteger. Quando vejo indivíduos capazes de divulgar informações importantes, tenho esperança de que não vamos precisar questionar as atividades ilegais de nossos governos incessantemente, como uma necessidade constante, tentando erradicar irregularidades com a mesma frequência com que cortamos a grama. (O curioso é que algumas pessoas começaram a descrever as operações de assassinato por drones como “cortar a grama”.)
Um ato isolado de um whistleblower não altera o fato de que há inúmeros setores do governo operando por debaixo dos panos, fora do alcance da fiscalização da sociedade. Essas atividades secretas vão continuar, apesar das reformas constitucionais. Porém, os responsáveis terão de conviver com o medo de serem legalmente responsabilizados caso se envolvam em atividades contrárias ao espírito democrático – basta que apenas um cidadão seja impelido a frear os mecanismos dessa injustiça. Essa igualdade perante a lei é o fio condutor que sustenta a boa governança, já que o único medo daquele que move essas engrenagens é acabar sendo vítima delas mesmas.
Mas há esperança em passarmos de revelações extraordinárias para uma cultura de responsabilização na comunidade de inteligência. Assim, teremos dado um importante passo para a solução de um problema que existe desde que governo é governo.
Nem todos vazamentos são iguais, assim como seus responsáveis. O Gen. David Petraeus, por exemplo, forneceu à sua amante e biógrafa informações tão secretas que desafiam o próprio conceito de confidencialidade, incluindo os nomes de agentes secretos e as opiniões privadas do presidente sobre assuntos de interesse estratégico. Petraeus não foi acusado criminalmente, conforme o Departamento de Justiça recomendara inicialmente. Foi permitido que o general se declarasse culpado por uma simples contravenção penal. Se um soldado de baixa patente levasse diversos documentos confidenciais e os passasse à sua namorada para arrancar-lhe um sorriso, estaria sujeito a muitas décadas na prisão, e não a diversas referências de caráter de um quem é quem do Coração do Estado. Há vazamentos autorizados, assim como há revelações admissíveis. É raro ver figuras do alto escalão pedindo explicitamente que um subordinado vaze o nome de um agente da CIA em retaliação a seu marido, como parece ter sido o caso de Valerie Plame. É igualmente raro que um mês inteiro se passe sem que uma figura do alto escalão revele informações confidenciais com interesses partidários, porém, evidentemente “nocivos à segurança nacional”, de acordo com nossa legislação.(...)
*ler texto integral em:
https://theintercept.com/2016/12/14/edward-snowden-whistleblowing-nao-e-apenas-vazamento-de-informacoes-e-um-ato-de-resistencia-politica/
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