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domingo, 28 de agosto de 2016

Gilmar escancarou: o Supremo sempre soube dos abusos

Ribamar Fonseca - Jornalista e escritor

https://www.brasil247.com/pt/colunistas/ribamarfonseca/251871/Gilmar-escancarou-o-Supremo-sempre--soube-dos-abusos.htm


De repente, depois de mais de dois anos de vazamentos seletivos rotineiros da Operação Lava-Jato, que destruíram a reputação de muita gente, o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, descobriu que os mesmos são ilegais e, por isso, suspendeu a negociação para a delação premiada do empresário Léo Pinheiro, da OAS, cujos trechos foram antecipados pela revista "Veja". Até então ele via com indiferença e até – quem sabe? – secreta alegria, os vazamentos que incriminavam petistas e pessoas ligadas a Lula e Dilma. Nunca se manifestou, nem em sonhos, contra aqueles vazamentos que, escandalosamente noticiados pela imprensa comprometida com o golpe, criaram na cabeça dos imbecis a ideia de que o petismo – ou como costuma rotular o guru tucano e honestíssimo FHC – o lulopetismo seria o responsável pela corrupção no país. Talvez porque tais vazamentos, também vistos complacentemente pelo Supremo, atendiam aos interesses dos que estavam conspirando para assaltar o poder através de um vergonhoso golpe, cujos beneficiários insistem em negá-lo.
A decisão de Janot, suspendendo as negociações para a delação de Leo Pinheiro, fez aumentar as suspeitas de que nela poderiam estar envolvidos o senador Aécio Neves e o ministro José Serra, além do próprio presidente interino Michel Temer. A motivação do PGR, portanto, não teria sido apenas o envolvimento do ministro Dias Toffoli, conforme a divulgação da "Veja", mas o risco que essa delação representaria para os tucanos e o presidente provisório. A dura reação do ministro Gilmar Mendes, do STF, parece confirmar essa suspeita: "É preciso colocar freios nisso, nesse tipo de conduta", ele disse, em meio à acusação não tão velada de que o vazamento teria sido feito pelos procuradores da Operação Lava-Jato, com a cumplicidade de Janot, como vingança por ter Toffoli determinado a libertação do ex-ministro Paulo Bernardo. "Como eles (procuradores) estão com o sentimento de onipresentes – destacou – decidiram fazer um acerto de contas". E complementou: "Não é de se excluir que isso esteja num contexto em que os próprios investigadores tentam induzir os delatores a darem a resposta desejada ou almejada contra pessoas que, no entendimento deles, estejam contrariando seus interesses".
Gilmar, que é uma espécie de porta-voz não oficial do Supremo Tribunal Federal, foi mais além em sua crítica contundente ao pessoal da Lava-Jato. "já estamos nos avizinhando do terreno perigoso de delírios totalitários" – ele acentuou, acrescentando que "me parece que [os procuradores da Lava Jato] estão possuídos de um tipo de teoria absolutista de combate ao crime a qualquer preço". E foi mais enfático ainda ao dizer que "quando há concentração de poderes cometem-se abusos". O ministro também abordou o projeto de lei de combate à corrupção, apresentado pelos procuradores ao Congresso, classificando os seus autores de "cretinos". Ele disse: "É aquela coisa de delírio. Veja as dez propostas que apresentaram. Uma delas diz que prova ilícita feita de boa fé deve ser validada. Quem faz uma proposta dessa não conhece nada de sistema, é um cretino absoluto. Imagina que amanhã eu posso justificar a tortura porque eu fiz de boa fé?", indagou. Essa proposta foi defendida pelos procuradores da Lava-Jato, inclusive pelo próprio juiz Sergio Moro.
Com essas contundentes declarações o ministro Gilmar Mendes deixou claro que o Supremo tem consciência dos abusos cometidos por magistrados, procuradores e pela Operação Lava-Jato, inclusive quanto à indução para que os delatores digam o que interessa aos investigadores, mas até hoje não havia se manifestado ou tomado qualquer medida para contê-los porque, obviamente, não havia interesse ou, melhor dizendo, não haviam atingido os seus calos. Na verdade, como bem observou o ex-presidente Lula, Gilmar "enfiou o dedo na ferida" da Lava-Jato, o que provocou imediata reação, de certo modo até desrespeitosa, das entidades de classe de juízes e procuradores. Eles acusaram o ministro de pretender decretar o fim da Operação Lava-Jato porque "interesses poderosos sem dúvida são contrariados" e ainda que "são lançadas à Lava Jato e ao procurador diretivas vagas e acusações vazias de pretensos abusos que raramente são especificados e que não são confirmados por qualquer instância do Poder Judiciário". O que parece mais ter afetado os magistrados, no entanto, foi a declaração de Gilmar de que vários juízes de instância inferior ganham até R$ 100 mil por mês, burlando o teto constitucional de R$ 33,7 mil, especialmente com a afirmativa de que "cada um faz seu pequeno assalto". Isso lembra aquela declaração bombástica da ministra Eliana Calmon, hoje aposentada, segundo a qual "o Judiciário está cheio de bandidos de toga".
Na realidade, tudo o que o ministro Gilmar Mendes falou já vem sendo denunciado há tempos, sem que os organismos superiores da Justiça e do Ministério Público tenham tomado até agora qualquer medida para conter os excessos de juízes e procuradores. Resultado: como toda impunidade incentiva o crime, os responsáveis pelos abusos foram se sentindo a cada dia mais fortes, especialmente o juiz Sergio Moro, que já afronta até o Supremo, não apenas desrespeitando suas determinações como, também, investigando alguns dos seus membros. Transformado em mega-star pela mídia golpista, o magistrado é hoje temido até pela mais alta Corte de Justiça do país. Resta saber, agora, se depois da grita do ministro Gilmar Mendes vai continuar tudo como dantes. Para que haja mudanças é necessário que respondam pelo menos às seguintes perguntas: O Ministério Público vai abrir investigações para descobrir o autor dos vazamentos? O ministro Dias Toffoli vai processar a revista "Veja"? Por que não querem as delações da OAS e da Odebrecht? Gilmar vai ficar só nas palavras ou vai tomar medidas concretas contra os abusos?



 
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