Sexta, 19 de fevereiro de 2016
Territórios em disputa: “há dificuldade em saber qual é o tamanho real da presença estrangeira no Brasil”. Entrevista especial com Roberto Miranda
A partir dos anos 1990,
com a abertura econômica do Brasil e mudanças na legislação, “passa a
haver uma força muito maior do capital internacional atuando no processo
produtivo e de comercialização de grãos no país”, constata o
pesquisador.
Foto: www.paranacooperativo.coop.br |
Segundo Roberto Miranda,
especialista que acompanha de perto as questões sociais no campo,
existem diversos projetos territoriais no país que defendem seus
interesses quanto aos modos de ocupação e usos da terra.
O pesquisador desenvolveu uma investigação de fôlego na região do município de Balsas, Maranhão, que resultou em sua tese de doutorado intitulada Ecologia Política da Soja e Processos de Territorialização no sul do Maranhão, defendida na Universidade Federal de Campina Grande – UFCG.
Em entrevista por telefone à IHU On-Line,
o pesquisador frisa que os territórios não são exclusivos e quem tem
maior capacidade de mobilização financeira e política acaba vencendo os
embates. “Não podemos falar em um único projeto territorial, mas sim em
projetos que disputam legitimidade e recursos, e claro que os grupos que
têm uma capacidade maior de eleger deputados, governadores, vereadores e
prefeitos tendem a implementar com mais facilidade seus projetos. Nem
estou colocando em questão aqui o apoio muito forte dado pela imprensa.
Há redes de televisão e jornais de grande circulação no Brasil que
defendem alguns projetos, os quais, se forem analisados do ponto de
vista socioeconômico ou socioambiental, não são tão interessantes, mas
acabam sendo implementados”, aponta.
Tal disparidade de forças gera um problema sério e recorrente nessas disputas: a grilagem de terras,
que é a expropriação de áreas e a concentração de grandes territórios
nas mãos de poucos. Prática que ainda é uma realidade no Brasil e está
sempre atravessada por diversas violências. “Embora haja uma política do
governo para tentar regularizar a situação de pequenos proprietários e
populações ribeirinhas, esses grupos menores não têm capacidade, em
termos políticos e financeiros, de se organizar e mobilizar de forma tão
rápida quanto esses grileiros, que ‘regularizam’ as terras muito
brevemente, ao passo que populações do município de Balsas
tentam regularizar suas áreas há mais de 20 anos e sempre se defrontam
com questões burocráticas que dificultam muito essa titulação”, explica Miranda.
Com a expansão do agronegócio e a
globalização dos mercados, uma parte significativa da propriedade desses
vastos territórios, utilizados sobretudo para o cultivo de grãos como a
soja, tem ficado com o capital estrangeiro. “O objetivo é aumentar a
produção de grãos, então eles compram empresas locais e vão encontrando
outras maneiras de aproveitar as brechas que a legislação brasileira
deixa para a compra de terras, de modo que não há um dado oficial que
informe quantos hectares de terras no Brasil são propriedade de não
brasileiros”, alerta o pesquisador.
De acordo com Miranda,
essa participação internacional, além de gerenciar grandes porções do
território brasileiro, interfere também no cenário político e jurídico
do país. “O grande exemplo disso foi a Lei de Cultivares, Lei n° 9.456, de 25 de abril de 1996, que implementou no Brasil a possibilidade de cultivar organismos geneticamente modificados. Trata-se de um processo de mobilização de grandes empresas multinacionais, com destaque para a Syngenta e Monsanto,
que conseguiram, a partir do financiamento de campanhas de políticos e
de lobbies no Congresso Nacional, modificar a legislação brasileira”,
ressalta. Situação que demonstra que os limites, seja das leis, seja da
preocupação com o bem-estar da população e do ambiente, são elásticos
quando se trata de interesses econômicos.
Roberto Miranda é
graduado em Ciências Sociais, mestre em Sociologia e Doutor em Ciências
Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, instituição
onde também é professor da Unidade Acadêmica de Ciências e Tecnologia
Ambiental. Tem experiência em Sociologia Rural, especialmente na análise
da agricultura familiar, de instituições sociais e desempenho
institucional em assentamentos rurais, territórios da cidadania; em
Ecologia Política, com ênfase em conflitos e mudança ambiental no
Cerrado e Pré-Amazônia maranhense; e em Extensão Rural, trabalhando o
associativismo, o cooperativismo e a inovação tecnológica em
assentamentos rurais. Também integra a Sociedade Brasileira de
Sociologia, a Rede de Estudos Rurais e a Sociedade Brasileira de
Economia, Administração e Sociologia Rural.
Foto: lattes.cnpq.br |
IHU On-Line – O Estado
brasileiro tem um projeto territorial? Qual é? Que avaliação o senhor
faz desse projeto? Ao longo da história, de que modo os dirigentes do
país trataram desse tema?
Roberto Miranda – Eu
prefiro trabalhar essa questão no plural. Entendo que nós temos projetos
territoriais e que determinados territórios não são exclusivos. Então
nós podemos falar de vários projetos; temos um projeto na área da
agricultura, vinculado ao agronegócio,
por exemplo, que privilegia determinadas culturas, principalmente
commodities voltadas para a exportação; mas neste mesmo espaço rural
temos projetos vinculados às populações indígenas e também projetos
ligados aos agricultores familiares. Dentro dessa especificidade das
áreas rurais, esses projetos entram em conflito em
determinados momentos da história brasileira. Isso nós podemos resgatar
em um período amplo, ou em um intervalo mais breve, como acontece na
disputa pela posse da terra, onde sempre aqueles atores que conseguem
mobilizar mais recursos financeiros e políticos acabam tendo êxito na
implementação de suas ações.
Na área rural do Brasil, durante os anos
1970 houve uma modernização da agricultura que privilegiou os grandes
proprietários e marginalizou as populações locais tradicionais porque
elas ficaram de lado neste processo. Dos anos 1990 para cá nós tivemos
um período de criminalização dessas populações locais, porque os grandes
projetos agropecuários e minerais geram passivos
ambientais e como contrapartidas, em muitos casos, são criadas, por
exemplo, reservas biológicas. Então as populações originárias que foram
marginalizadas nos anos 1970 passaram a ser criminalizadas nos anos
1990, porque elas não têm mais acesso às áreas em que elas coletavam,
pescavam, porque esses espaços se tornaram zonas de conservação
ambiental em virtude dos grandes projetos agrominerais. Podemos tomar
como referência aí o caso da região amazônica.
Em outras áreas também temos grandes
disputas na questão urbana, por exemplo. Há um segmento empresarial que
mobiliza projetos, interesses, e nós temos duas cidades que são
referência para esse Brasil:
- Rio de Janeiro, com a realização das Olimpíadas,
onde muitos grupos historicamente desfavorecidos foram retirados de
seus locais para que os grandes empreendimentos vinculados aos Jogos
Olímpicos fossem construídos, desde unidades esportivas, até unidades
habitacionais para os atletas e outros grandes projetos.
- Recife,
onde o mesmo vem acontecendo, em que as pessoas são desalojadas para
que os setores imobiliários possam construir seus grandes
empreendimentos, horizontais ou verticais, e assim ganhar dinheiro.
Com isso quero resumir que nós não
podemos falar em um único projeto territorial, mas sim em projetos que
disputam legitimidade e recursos, e claro que os grupos que têm uma
capacidade maior de eleger deputados, governadores, vereadores e
prefeitos tendem a implementar com mais facilidade seus projetos. Não
estou colocando em questão aqui o apoio muito forte dado pela imprensa.
Há redes de televisão e jornais de grande circulação no Brasil que
defendem alguns projetos, os quais, se forem analisados do ponto de
vista socioeconômico ou socioambiental, não são tão interessantes, mas
acabam sendo implementados.
Essa é a ideia que perpassa a pesquisa que realizei. Não trabalho, por exemplo, a Amazônia legal e o Cerrado
como áreas exclusivas ou do agronegócio da soja, ou das populações
locais e tradicionais, mas como um território que é composto de
diferentes grupos sociais que procuram dar legitimidade aos seus
projetos. De um lado, temos os grandes produtores e empresas que
produzem grãos e, de outro lado, há os pequenos produtores, os chamados
agricultores familiares, e as disputas entre esses dois grupos ocasionam
diferentes tipos de mudanças sociais, econômicas e especialmente
ambientais.
IHU On-Line – Quais são as
forças de poder envolvidas nos processos de territorialização no Brasil?
Que conflitos são mais acirrados?
Roberto Miranda – Há
uma variação no tempo quando falamos em poder. Nos anos 1970 havia
muitos políticos locais, no caso da posse da terra, se articulando para
regularizar áreas não tituladas ou não reconhecidas formalmente pelos
cartórios como pertencentes a uma determinada família ou pessoa, embora
nesse espaço já existissem agricultores e índios morando e trabalhando
há muito tempo. Então, na pesquisa que realizei pude comprovar que, em
um primeiro momento, o que nós entendemos como grileiros ou pessoas que
procuraram regularizar essas áreas eram políticos locais, funcionários
da polícia e comerciantes influentes. A partir da consulta a outros
trabalhos, percebi que essa situação foi comum a outras regiões do
Brasil, como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, oeste da Bahia, sul do Piauí, Maranhão, Amazonas, Pará e outras áreas de expansão de fronteira agrícola.
Nos anos 1980 temos a chegada de outros
atores, algumas empresas passam a entrar nesse mercado. Muitas vezes são
empresas nacionais que vendem terras que possuem na região sul e passam
a investir no Cerrado, como, por exemplo, o grupo SLC Agrícola, que vendeu dois mil hectares em Horizontina, no Rio Grande do Sul, e comprou 26 mil hectares no Maranhão, então conseguiram mobilizar muitos recursos financeiros para se instalar.
Entrada do capital estrangeiro
Nos anos 1990 já há uma modificação
nesse cenário, com o processo de abertura econômica que o país iniciou,
com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES
financiando não só empresas de capital nacional, alguns segmentos sendo
privatizados, então há uma reestruturação do agronegócio brasileiro.
Empresas que detinham segmentos da indústria têxtil, processamento de
grãos e produção de carne foram se desfazendo de alguns segmentos que
atuavam. Por exemplo, o grupo Hering ficou só com a parte têxtil e vendeu a CEVAL para a BUNGE, empresa europeia que já atuava no Brasil e ampliou os seus tentáculos com a negociação. Há também uma expansão da atuação da CARGIL
e a entrada de outras empresas no mercado. Assim passa a haver uma
força muito maior do capital internacional atuando no processo produtivo
e de comercialização de grãos no país.
Esse cenário interfere também na questão
política, por isso julguei importante abordar no meu trabalho como
esses grupos e atores sociais conseguem mobilizar recursos financeiros e
políticos. O grande exemplo disso foi a Lei de Cultivares,
Lei n° 9.456, de 25 de abril de 1996, que implementou no Brasil a
possibilidade de cultivar organismos geneticamente modificados. Trata-se
de um processo de mobilização de grandes empresas multinacionais, com
destaque para a Syngenta e Monsanto,
que conseguiram, a partir do financiamento de campanhas de políticos e
de lobbies no Congresso Nacional, modificar a legislação brasileira.
Isso vem ocorrendo de forma muito mais
intensa nas duas últimas décadas dos anos 2000, porque hoje no Brasil
não existem apenas produtores particulares, ou empresas de grãos
investindo na produção agropecuária brasileira; há, por exemplo, um
grupo argentino, o Los Grobo, que não compra terra, mas
sim arrenda propriedades, maquinários, e o antigo proprietário se torna
às vezes um funcionário, um gestor. Há também outro grupo, o Agroinvest, muito associado aos grandes fundos de investimentos e de pensão dos Estados Unidos e da Europa, que está investindo na compra de terras no Brasil.
“A grilagem ainda continua sendo uma prática” |
IHU On-Line – De que forma a
expansão das atividades agropecuárias e de mineração tornou-se um dos
principais agentes da expropriação de territórios e de todos os
problemas advindos desse processo?
Roberto Miranda – O Estado brasileiro, principalmente durante a ditadura, partiu do pressuposto que o Cerrado e a Amazônia
eram áreas desabitadas, então houve um intenso processo de elaboração
de programas, políticas e projetos para deslocar populações para essas
regiões. O Estado disponibilizava terra para esses projetos, ou então os
atores políticos - que muitas vezes tinham informações privilegiadas
sobre esses planos do governo - grilavam terras para depois vender esses territórios para tais projetos governamentais.
Nessa articulação de compra e venda há
políticos locais e grandes empresários envolvidos, o que favorece que
pequenos produtores sejam expropriados de suas áreas porque não possuem
titulação formal delas. Assim os projetos governamentais de colonização
foram implementados, especialmente naquele momento em que não havia
muito rigor em termos de fiscalização ambiental.
Em um segundo momento, há grandes
grupos, como os fundos de pensão e de investimento, que passam a atuar
nessas áreas para produzir grãos, e também passa a ter uma articulação
do capital internacional para controlar esse processo produtivo, o qual
está muito relacionado ao cultivo dos organismos geneticamente
modificados, porque aí é possível receber royalties com essa produção.
Por outro lado, não se sabe quais são os impactos desses organismos
modificados no corpo humano nem na natureza, e não há uma preocupação do
Estado brasileiro e dos órgãos internacionais que teriam a função de
analisar com mais cuidado essa questão. A preocupação é do grande
capital em obter lucro.
Essa lógica é a mesma que desaloja populações indígenas para construir usinas hidrelétricas. Algo muito comum no sul do Maranhão
é vermos grandes torres de transmissão de energia elétrica e, ao mesmo
tempo, as populações que habitam abaixo dessas linhas nem sequer têm
acesso à eletricidade. Ou seja, a energia produzida é destinada a
abastecer grandes centros e o passivo ambiental e social fica para as
comunidades locais, geralmente indígenas, ribeirinhos e pequenos
produtores.
IHU On-Line – Especificamente na
região sobre a qual o senhor pesquisa, o sul do Maranhão, quais são as
implicações da expansão da cultura de soja nesse território que se
insere em dois biomas, Cerrado e Amazônia?
Roberto Miranda –
Existem muitos problemas e questões que podem ser relacionados a esse
processo. Uma dessas dificuldades é demográfica. O município de Balsas
basicamente dobrou sua população a cada década. Depois dos primeiros
cultivos de soja nos anos 1970, de 10 em 10 anos a população foi sendo
dobrada e a infraestrutura da cidade, como rede coletora de esgoto e
saneamento básico de um modo geral, transporte, educação e segurança,
não recebeu investimentos como o agronegócio e a soja receberam para ser
ampliados nessa região. Um dos reflexos é o crescimento exorbitante da
violência no sul do Maranhão, onde há diversos casos violentos de assassinatos e outros crimes.
Também há a questão da produção de
alimentos, que fica prejudicada, pois mais de 120 mil hectares da região
são destinados ao cultivo de soja, o carro-chefe da produção, além de
girassol, eucalipto, algodão e cana-de-açúcar. São culturas que
historicamente não fazem parte da dieta da população local,
especialmente a nordestina. Assim, se dá um aumento no preço da cesta
básica porque boa parte dos gêneros alimentícios precisa ser comprada em
outras localidades, uma vez que a quantidade de agricultores familiares
foi reduzida.
Nesse cenário, temos uma cidade com o custo de vida alto. Além disso, em termos ambientais há um aumento do desmatamento e com isso o assoreamento dos rios, contaminação de solo e água, pois o descarte correto das embalagens dos produtos agrotóxicos
utilizados na agricultura só passou a ser fiscalizado efetivamente
nessa região na segunda metade dos anos 2000. Chegaram a ser encontrados
casos de fazendas que acumulavam embalagens armazenadas de forma
incorreta em quantidade suficiente para encher cinco carretas de trem de
carga. Também há relatos sobre poluição da água e desvio de nascentes,
desrespeito à legislação ambiental no que se refere à área de
preservação permanente e reserva legal.
Assim, embora a região produza muita
riqueza, essa riqueza não se reverte em desenvolvimento social e
econômico local. Pelo contrário, todas as divisas são enviadas para as
grandes empresas, muitas delas com sede fora do país, como a BUNGE e a CARGIL. Junta-se a isso a participação dos fundos de investimento, como a Agroinvest e o grupo Los Grobo,
que compram terras no Brasil. Esse discurso de que a soja produz
desenvolvimento não é verdadeiro, porque as vantagens se revertem apenas
para os atores que produzem — as grandes empresas —, e para as
comunidades locais ficam os grandes passivos ambiental e socioeconômico.
Para se ter uma dimensão disso, para
cada 100 hectares de soja é gerado apenas um posto de trabalho, há
diversos estudos que comprovam esse dado. Então são gerados poucos
empregos, e a população rural que no município de Balsas,
nos anos 1980, era algo em torno de 70%, hoje está apenas entre 11 e
14%. Com a migração de boa parte da população do município para a zona
urbana, há um aumento da violência, prostituição e outros problemas que
afetam todos os municípios brasileiros que cresceram rapidamente e não
tiveram investimento em infraestrutura. Casos semelhantes são
encontrados em Uruçuí no Piauí; no oeste da Bahia, tanto em Luiz Eduardo Magalhães como em Barreiras; em cidades dos Estados de Goiás, Tocantins e Pará.
Há investimentos para que determinados grupos econômicos possam ter
mais lucros e as populações locais não têm acesso a esses dividendos.
IHU On-Line – Na trajetória
histórica do Brasil, que papel ocupa a grilagem de terras nas disputas
territoriais? Quando tem início esse processo e em que áreas é mais
frequente? Ainda é uma prática no país?
Roberto Miranda – A grilagem ainda continua sendo uma prática e o processo de ocupação de terras
no Brasil está muito relacionado à própria colonização, com a
prioridade que se deu às grandes áreas de cultivo e às grandes
propriedades. Mas a grilagem propriamente dita tem uma intensificação a
partir dos anos 1960 quando se inicia a política de cercamento das
propriedades. Se observarmos o Nordeste nesta época,
uma das principais atividades econômicas no interior era a pecuária e os
rebanhos eram criados soltos, os terrenos que deveriam ser cercados
eram as áreas de cultivo agrícola.
Então, a política de cercamento de terras e especialmente a modernização da agricultura nos anos 1960 e 1970 acirraram muito o conflito
pela posse da terra e a grilagem, principalmente nas regiões em que
havia grandes áreas de terras devolutas, e aqui me refiro ao oeste da Bahia, sul do Piauí, sul do Maranhão, Tocantins e Pará.
Essas localidades nesse período tiveram grandes grilagens. Eu cito no
meu estudo um comerciante da cidade de Balsas que possuía 500 hectares
de terras aproximadamente e, quando foi julgada a posse, essa
propriedade aumentou para 70 mil hectares. Logo que ele conseguiu
regularizar, toda essa área foi repartida com funcionários públicos
locais do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama, da polícia, comerciantes e políticos.
No momento os grileiros estão atuando em locais que ainda possuem terras devolutas, e o foco hoje é o estado do Pará,
onde há uma grande gama de áreas desse tipo. Embora haja uma política
do governo de tentar regularizar a situação de pequenos proprietários e
populações ribeirinhas, esses grupos menores não têm capacidade, em
termos políticos e financeiros, de se organizar e mobilizar de forma tão
rápida quanto esses grileiros, que “regularizam” as terras muito
brevemente, ao passo que populações do município de Balsas
tentam regularizar suas áreas há mais de 20 anos e sempre se defrontam
com questões burocráticas que dificultam muito essa titulação. No
entanto, os mais influentes conseguem em dois ou três meses regularizar
áreas enormes, utilizando pessoas como laranjas.
É um problema que muitas pessoas pensam
que não existe mais no Brasil, mas ele ainda ocorre, especialmente na
região amazônica, porque há municípios e estados muito grandes onde o
poder público é muito ausente ou faz parte do processo de grilagem.
IHU On-Line – Como se dão os
conflitos com as populações tradicionais, como os índios, ribeirinhos,
quilombolas e pequenos produtores, que habitam os territórios em
disputa?
Roberto Miranda – Os
conflitos se dão da seguinte maneira: como hoje é necessário
georreferenciar as terras, essas pessoas que vão grilar áreas enviam
funcionários para fazer essas coletas de informação. As populações
locais que estão minimamente organizadas entram em conflito proibindo
que esses funcionários entrem nos territórios, mas muitas vezes são
reprimidas duramente com execuções. Sobre o município de Balsas,
na minha tese apresento relatos de pessoas que sumiram depois que
entraram em conflito com grileiros. As pessoas já moravam naquela
localidade, porém os grileiros simplesmente chegaram com um funcionário e
disseram que determinadas terras eram deles. As pessoas, por sua vez,
se recusaram a sair e depois disso nunca mais foram vistas.
Estou falando de regiões que são mais
isoladas, nas quais, se não houver a atuação de movimentos sociais e
sindicatos para divulgar o que acontece no campo, não se tem acesso às
informações. Para se ter uma ideia, eu fiz meu estudo em uma localidade
que fica distante 200 Km da sede do município de Balsas, que são áreas de difícil acesso.
Os conflitos só não foram maiores na área onde pesquisei porque houve a intervenção de instituições internacionais, principalmente da Alemanha e da Itália, que defendem Direitos Humanos e passaram a pressionar o governo do estado do Maranhão
a criar assentamentos rurais. Entretanto, o projeto do grupo de
grileiros era de povoar a região só com produtores de soja, tornar as
populações locais trabalhadores rurais assalariados e criar um
município.
Então há muitos conflitos, alguns também relacionados à construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte,
em que os índios não foram ouvidos sobre as questões relacionadas à
cultura local, como a existência de cemitérios indígenas em áreas de
alagamento, a destruição de espaços de caça, pesca e moradia históricos
da população, elementos que não foram respeitados. Em alguns casos os
índios detiveram os engenheiros das empresas que trabalhavam nas obras e
ficaram com eles reclusos por um tempo para chamar a atenção da
imprensa.
Entretanto, um outro problema em relação
a isso é que a mídia massiva coloca as populações locais sempre como
vândalos quando fala, por exemplo, do Movimento dos Sem Terra - MST
como um movimento social que coloca fogo em pneus, que prejudica o
trânsito nas rodovias, que invade prédios; ou quando diz que os índios
brasileiros não produzem alimentos e por isso deveriam ter áreas menores
para morar para que o Brasil pudesse produzir mais e assim exportar
alimentos.
Dessa forma, há um conjunto de
interesses que procuram sempre apontar como culpado esses grupos sociais
mais vulneráveis. No estado do Pará há muitos casos de violência, mas
não temos acesso a essas informações, exceto quando é morto algum
missionário, como foi o caso da Irmã Dorothy Stang, que teve uma repercussão internacional muito grande. Mas o tempo todo lideranças de movimentos sociais rurais são executadas no Pará porque estão lutando pela posse da terra.
IHU On-Line – Tem havido
denúncias a respeito da compra de terras no Brasil por empresas
estrangeiras. Como têm se dado esses negócios no país? Em que implica
essa entrada de capital internacional na aquisição de grandes áreas de
terras brasileiras?
Roberto Miranda – Essa
movimentação se intensifica nos anos 2000, mas as primeiras grandes
entradas de capital estrangeiro aconteceram já nos anos 1970, com a
companhia de gás italiana Liquigas Group, que conseguiu extensas áreas na Amazônia, e também com o estabelecimento da Volkswagen no país.
No final dos anos 1990 e início dos anos
2000, quando os chineses passaram a investir mais na compra de terras e
na produção de grãos para garantir que o país tivesse acesso a
alimentos, o Brasil modificou um pouco a legislação, limitando o
percentual de terra que cada empresa ou pessoa não brasileira poderia
adquirir por município. No entanto, a lógica do capital é o tempo todo
criativa na tarefa de maximizar os ganhos. Assim a Agroinvest modificou o agronegócio brasileiro no mercado de comercialização de terras lançando formas distintas de captação de recursos.
No Brasil, se alguém quisesse comprar
terras e captar recursos procurava uma instituição financeira, um banco
público ou privado para fazer um empréstimo e realizar a operação. A Agroinvest criou um modo de captação de recurso
a partir da expectativa de ganhos futuros, como algumas empresas fazem,
mas isso não era uma prática comum na produção agropecuária. Dessa
forma, em termos de negócios de terras, se abriu a possibilidade de os
grandes fundos começarem a investir nessas empresas e indiretamente
adquirir territórios.
O Brasil fechou uma porta, ao limitar o
percentual de área que os estrangeiros poderiam comprar, mas abriu
outra, a partir da possibilidade de investir nessas empresas que
produzem grãos ou administram estabelecimentos agropecuários com base
nos ganhos futuros no médio e no longo prazo. Desse momento em diante
temos muitos casos de fundos internacionais que estão investindo nessas
empresas que ampliam o agronegócio brasileiro.
A Agroinvest hoje controla uma região que eles chamam de MAPITOBA,
que compreende o Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. O objetivo é
aumentar a produção de grãos, então eles compram empresas locais e vão
encontrando outras maneiras de aproveitar as brechas que a legislação
brasileira deixa para a compra de terras, de modo que não há um dado
oficial que informe quantos hectares de terras no Brasil são propriedade
de não brasileiros, porque embora a terra esteja em nome da Agroinvest,
quem administra e controla financeiramente não são brasileiros, são
fundos de investimento internacionais. Por isso que há dificuldade em
saber qual é o tamanho real dessa presença estrangeira. Eu gosto de
trabalhar com a seguinte hipótese: a área que a Agroinvest tem não é
basicamente área de brasileiros, são empresas ou fundos internacionais
que estão investindo nessa nova forma de negócio.
“Não há um dado oficial que informe quantos hectares de terras no Brasil são propriedade de não brasileiros” |
IHU On-Line - Em suas pesquisas o
senhor propõe uma “ecologia política figuracional” para pensar as
diversas dimensões dos processos de apropriação dos espaços. Em que
consiste essa ideia? O que ela pode esclarecer acerca da questão
territorial no país?
Roberto Miranda – Quando me debrucei sobre minha pesquisa, eu me deparei com algumas contradições. Existe uma gama de trabalhos em ecologia política
que sempre colocam a questão da justiça social, por exemplo,
posicionando os pobres sempre como os prejudicados, que não conseguem se
mobilizar, e ao mesmo tempo colocam sempre os grandes como os vilões —
não estou dizendo que eles não sejam responsáveis por uma série de
coisas. Essas ideias partem do pressuposto que os territórios são
exclusivos, ou seja, se há uma localidade onde existem grupos indígenas é
como se aquele espaço tivesse que ser obrigatoriamente destes povos.
Quando eu me deparei com meu local de pesquisa, percebi que no município
de Balsas, especialmente na região do estudo, que é Gerais de Balsas,
dentro do recorte histórico dos anos 1970 até os anos 2000, havia
pecuaristas, agricultores familiares e produtores de soja. Porém, dentro
desses grupos também havia diversificações.
A ideia de ecologia política é
interessante porque me permite fazer uma análise mais profunda. Meu
objetivo com a pesquisa era saber como o avanço da cultura de soja teve
impactos sociais e ambientais naquela localidade, mas faltava um
elemento que me permitisse analisar as disputas entre os grupos e as
disputas no interior desses grupos. Foi aí que eu lancei mão de Norbert Elias
com a noção de poder e figurações sociais, onde a questão central é que
mesmo o escravo não é tão desprovido de poder como se imagina, porque
se ele deixa de existir, toda a estrutura que se orientou em termos
organizativos na escravidão é desarticulada.
Assim me baseei nessa ideia para pensar os conflitos. Eu mapeei três grupos sociais: pecuaristas, sojicultores e agricultores familiares.
Em um determinado momento os pecuaristas eram a maioria, em seguida
tínhamos os sojicultores aumentando e sempre a agricultura familiar
diminuindo. A partir do momento que havia alguma alteração na pecuária,
repercutia na sojicultura e na agricultura familiar; seja na ampliação
ou diminuição de áreas cultivadas, seja no acesso a políticas de
créditos ou agrícolas de um modo geral. Então, decidi elaborar uma “ecologia política figuracional”,
que me permitiu ao mesmo tempo analisar questões ambientais, as
relações de poder que estavam por trás dessas mudanças ambientais e
ainda as disputas entre os diferentes grupos sociais.
O projeto dos sojicultores
é aumentar a produção e a produtividade, e para isso eles vão buscar
mudar a legislação ambiental, ter mais acesso a crédito e a terra. A
ampliação desse projeto repercute na diminuição das áreas de cultivo da agricultura familiar.
Como os agricultores familiares possuem uma capacidade de mobilização
institucional muito menor do que a dos sojicultores, é aí que se dão os
conflitos.
Por exemplo, comparando o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA com o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS
é possível ver isso claramente. É importante observar as disparidades
na quantidade de recursos destinada a cada um dos ministérios, muito
maior para o MAPA do que para o MDS, e o número de deputados vinculados ao agronegócio
brasileiro que é maior do que o de parlamentares que defendem a
agricultura familiar. Essas diferenças também repercutem, fazem parte
das disputas.
Eu avalio que com a “ecologia política
figuracional” é possível analisar de forma mais ampla a diversidade de
relações que acontecem em uma determinada localidade. Ainda há outra
variável importante: essa perspectiva me permitiu relacionar questões em
nível local, regional, nacional e internacional, e como esses
diferentes níveis de organização interferiam no processo produtivo. Em
um primeiro momento nos anos 1970 houve uma questão muito local e
nacional, porém hoje eu não posso analisar o agronegócio na soja
deslocado da perspectiva internacional, porque não somente a exportação,
mas o próprio processo produtivo desde o início está completamente
ancorado em uma lógica internacional.
A principal contribuição da minha tese
foi desenhar uma perspectiva teórica que permitisse compreender a
realidade que envolve todo um processo produtivo, social e econômico
capitaneado pela soja na Amazônia legal e no Cerrado brasileiro a partir da localidade de Balsas,
no sul do Maranhão. Essa pesquisa me permitiu ver a complexidade do
contexto e sair do binarismo de que o agronegócio só tem pontos
negativos e a agricultura familiar é a solução, situação que percebi em
diversos trabalhos. Por exemplo, em um período que a agricultura
familiar foi muito forte existia uma área de desmatamento causada por
fogo, muito maior do que há hoje. Isso porque o agricultor familiar
preparava o solo queimando a vegetação. Esse é um dos argumentos que o
agronegócio utiliza para dizer que é mais eficiente no processo
produtivo. Não estou querendo defender o agronegócio, meu objetivo foi
mostrar situações não romantizadas e apontar questões muitas vezes
esquecidas.
Por Leslie Chaves
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http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/542370-transgenicos-enquanto-o-mundo-recusa-o-brasil-aprova-entrevista-especial-com-joao-dagoberto-dos-santos
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Quinta, 07 de maio de 2015
Transgênicos: enquanto o mundo recusa, o Brasil aprova. Entrevista especial com João Dagoberto dos Santos
“Quando a empresa fala que
só irá plantar uma pequena porcentagem de 2% a 3% de eucalipto
transgênico, nós estamos falando de 20 a 30 mil hectares”, adverte o
engenheiro florestal.
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/542370-transgenicos-enquanto-o-mundo-recusa-o-brasil-aprova-entrevista-especial-com-joao-dagoberto-dos-santos
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