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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Paulo Arantes: Só uma educação calamitosa pode ser jogada na vala comum da relação custo-benefício

Paulo Arantes: Só uma educação calamitosa pode ser jogada na vala comum da relação custo-benefício
e
Ocupação das escolas paulistas e os ecos de junho de 2013

http://www.revistaforum.com.br/semanal/

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Edição 223 

Paulo Arantes: Ocupar as escolas foi um ato de inteligência instintiva desses jovens


As manifestações de estudantes paulistas contra a reorganização da rede de ensino vista pelo professor de Filosofia da USP. E mais, as opiniões de Jean Tible, Rudá Ricci, Lincoln Secco, Cristovam Buarque, Madalena Peixoto, Luiz Roberto Alves, Heleno Araújo, Ivan Russeff e Camila Lanes



Confira nesta edição: O filósofo e professor Paulo Arantes avalia o movimento de ocupação das escolas de São Paulo contra o plano de reorganização imposto pelo governo Alckmin. Educadores e cientistas sociais discutem a relação entre os protestos de junho de 2013 e o levante dos estudantes secundaristas de São Paulo. Leia também uma análise sobre a exploração da violência na cobertura televisiva dos atentados em Paris.


Paulo Arantes: Só uma educação calamitosa pode ser jogada na vala comum da relação custo-benefício


Professor aposentado de Filosofia da USP critica a reorganização proposta pelo governo Alckmin e analisa como o movimento as ocupações de escolas conseguiu tantos apoios



Por Leonardo Fuhrmann



Convidado para fazer uma palestra nos primeiros dias da ocupação da Escola Estadual Fernão Dias, em Pinheiros, o professor de Filosofia da USP Paulo Arantes vê semelhanças entre as ocupações de escolas e as manifestações de junho de 2013 e se surpreende com a grande solidariedade que o movimento atual recebeu. Ligado ao PSOL e um dos mais importantes intelectuais marxistas brasileiros, Arantes destaca que movimento de estudantes têm as vantagens e as desvantagens de apresentarem “um baixo grau de politização” e demonstram que os jovens não querem ser tutelados por organizações políticas.
Fórum – Como o senhor vê essas ocupações de escolas estaduais de São Paulo?
Paulo Arantes – É uma geração que não conheço inteiramente, porque convivo mais no ambiente universitário. Mas, até pelos relatos que tenho recebido, de quem tem acompanhado o assunto mais de perto, dá para fazer algumas suposições. O primeiro ponto é que fiquei realmente impressionado com o que está acontecendo.
Fórum – E a reorganização que foi estopim de insatifações maiores?
Arantes – As congregações das faculdades de educação da USP e da Unicamp criticaram o projeto do governo do Estado. O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo também. A decisão se baseou apenas em 19 páginas de um relatório sem pé nem cabeça, repleto de generalidades.
Fórum – Existem semelhanças dessas ocupações com outros protestos?
Arantes – Temos de ver como essa moçada vai metabolizar esse movimento, que ainda é incipiente. É um efeito das marchas de junho de 2013. É interessante que eles conseguiram se mobilizar sem serem politizados. Não dá para compará-los, por exemplo, aos pinguins chilenos, movimento secundarista que têm uma história de militância desde os anos da ditadura do general Augusto Pinochet.
Fórum – A reorganização anunciada pelo governo foi a gota d’água?
Arantes – A reorganização do ensino era uma novidade de um quadro de degradação do ensino público. O estado da educação é calamitoso em São Paulo e no Brasil como um todo.

Só em uma situação dessas é possível colocar a escola na vala comum da relação custo-benefício. O problema da educação vem desde a ditadura, quando decidiram investir no ensino universitário e abandonaram os outros níveis da educação. O resultado é que hoje temos graves problemas em todos.
Fórum – Ao que se deve o sucesso dessas ocupações?
Arantes – Esses jovens de 14 a 18 anos, com um baixo grau de politização para o bem e para o mal, tiveram uma inteligência política instintiva muito grande, que foi a decisão de ocupar as escolas. Depois da experiência de junho de 2013, eles conseguiram dar um nó no modo de repressão do governo paulista. Nas ruas, durante aquelas manifestações, a polícia conseguia colocar as pessoas dentro de verdadeiros caldeirões. Quando ocuparam as escolas, o método foi desmontado e a administração estadual ficou desnorteada. Tanto que chegou a mandar trinta carros de polícia para cercar uma escola. O governador ainda entrou na Justiça com pedido de reintegração de posse das escolas, mas apenas juízes com perfil mais conservador aceitaram esse argumento. A maioria deles entendeu que não há esbulho possessório no caso. Os alunos estão ocupando as escolas para que elas continuem sendo escolas.
Fórum – Como um movimento assim consegue manter sua força?
Arantes – A manifestação teve um efeito multiplicador muito forte. Tanto no rápido aumento no número de escolas ocupadas como no apoio de pais, familiares, professores, funcionários das escolas e da população em geral. Fora os pelegos, todos estão ao lado dos estudantes. Existe uma simpatia pelas ocupações que afeta a todos. Eles estão conseguindo fazer algo que o maior sindicato da América Latina, que é a Apeoesp, não conseguiu fazer durante suas greves durante todos os governos Alckmin. Mesmo com todos seus rachas, a Apeoesp é uma organização importante, forte.
Fórum – O que esperar desse movimento para além das ações contra o fechamento de escolas?
Arantes – Temos de ver quais serão seus próximos passos. Não deve haver unanimidade entre eles quanto a isso. Esses estudantes se anteciparam aos movimentos sociais e políticos, assim como nas marchas de junho de 2013. Eles mostraram que não querem ser tutelados por organizações.
(Foto: Daniel Garcia)



Ocupação das escolas paulistas e os ecos de junho de 2013
Especialistas, políticos e intelectuais analisam os impactos da ação de jovens que ocuparam unidades de ensino de São Paulo e da adesão que eles receberam de pais, professores e movimentos sociais
Por Ivan Longo e Leonardo Fuhrmann
Quando começaram as primeiras ocupações nos colégios estaduais – após o anúncio do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) sobre o projeto de reestruturação da rede de ensino, que pretende fechar quase uma centena de escolas, além de transferir milhares de alunos para instituir o ciclo único – o próprio governador chegou a ironizar os manifestantes. Em uma entrevista, ele disse acreditar que as escolas seriam esvaziadas rapidamente, pois o final de semana estava chegando e “ninguém é de ferro”.
Duas semanas depois, o tucano percebeu que nem toda força vem do ferro. Além de manterem as primeiras ocupações, o movimento se multiplicou e ultrapassou a marca das 100 escolas ocupadas. Mais do que isso, conseguiu apoio de pais, professores, funcionários da rede de ensino, movimentos sociais e da população em geral. Iniciativas como doação de aulas para as escolas ocupadas, guardiões que são comunicados para proteger os alunos quando a polícia chega a alguma das unidades são exemplos.
Ação dos estudantes conquistou o apoio de pais, professores, movimentos sociais e da população em geral
Ação dos estudantes conquistou o apoio de pais, professores, movimentos sociais e da população em geral
Na opinião de especialistas, políticos e intelectuais, as ocupações guardam semelhanças com as manifestações de junho de 2013 não só na unificação em torno de uma pauta relacionada à qualidade e o custo de serviços públicos essenciais – salvar as escolas neste momento e a luta contra o aumento das tarifas do transporte naquela época. A nova grande onda de protestos mantém a característica autonomista, ligada a uma nova forma de atuação das esquerdas e se mistura com movimentos negro, LGBT e feminista.
Para o professor de Ciências Sociais da USP Jean Tible, a explosão de ocupações de escolas mostra que a desobediência pode ser tão contagiosa quanto a obediência. “Houve uma rede viral de ocupações. O movimento depois recebeu a solidariedade de diversos grupos, como o MST e a Apeoesp, o que ajuda a dar sustentação para a permanência das ações”, acredita. Ele explica que o primeiro ponto em comum importante entre essas ocupações e as marchas de junho de 2013 é a luta por serviços públicos de qualidade. O cientista social analisa que a questão da escola de qualidade tem um peso muito grande dentro dessa discussão porque envolve diretamente a percepção de que vivemos em uma sociedade hierarquizada e desigual. “Para mudar essas características, precisamos de uma educação pública universal e de qualidade”, diz.
Tible admite que a questão concreta do fechamento de escolas conseguiu unificar revoltas com outros problemas da educação. “O governo não esperava por uma reação tão forte como essa”, destaca. O professor cita como exemplo de resposta a essa natureza das manifestações o programa Mais Médicos. “No começo, ele foi visto com desconfiança por parte da população, inclusive de potenciais beneficiários, mas hoje tem um alto nível de aprovação”, analisa.
Ele aponta um fortalecimento, a partir das políticas sociais do governo Lula, do “conflito redistributivo”. “Nos últimos 10 ou 15 anos, a periferia está bombando nos sentidos político, econômico e cultural. Existem conexões de ações como as ocupações com outros temas, como os direitos dos LGBTs, negros e mulheres. É uma nova geração, posterior aos que combateram a ditadura e os que viveram a redemocratização. A boa nova é que os filhos do governo Lula são rebeldes.” Ele entende que as manifestações começam a apresentar uma nova geração, que não passou pela luta contra a ditadura e o processo de redemocratização do País. “Não é por acaso que o MTST consegue dialogar bem com essa juventude, ele é o mais novo dos movimentos antigos ou o mais antigo dos novos”, afirma.
O cientista social vê nas escolas ocupadas iniciativas que envolvem participação e democratização do ensino, como os mutirões para cuidar da escola e as aulas que elas têm recebido de voluntários. “É uma imagem forte que você precisa passar por vários cadeados para chegar à sala de aula dentro de uma escola pública. Foi uma prática de democratização que eles tenham tomado para si esses cadeados”, opina.
Segundo o pesquisador, as marchas de junho são um evento no sentido filosófico, na medida em que marcam o início de um novo ciclo político. “Claro que não é uma criação judaico-cristã, algo que veio do zero. Mas tivemos um clima de insurreição, principalmente em Brasília, Rio e São Paulo”, diz. Tible ressalta que aquelas manifestações tiveram o poder de levar a política para a rua, no sentido de soberania popular. “O espaço público foi retomado, a rua deixou de ser um monopólio dos carros. Para ele, apesar de ter surgido como um movimento de esquerda. “A direita soube se aproveitar disso depois, tanto em alguns atos espontâneos da campanha do presidenciável Aécio Neves (PSDB), como nas manifestações contra o governo deste ano”, afirma.
O especialista avalia que existe uma rejeição grande a diversos poderes constituídos. “Claro que é mais visível contra o governo, o parlamento e os partidos políticos, mas a grande imprensa não tem interesse em mostrar que é também contra o capital financeiro, os grandes empresários representados pela Fiesp e os banqueiros, por exemplo”, cita.
Diretor geral do Instituto Cultiva e professor da Escola Superior Dom Helder Câmara, o cientista político Rudá Ricci também destaca a queda de credibilidade, que atinge governos e empresas privadas. Segundo ele, é um fenômeno que se acentua na América Latina como um todo desde 1995. “Mesmo com a redução no número de pobres, houve um aumento na percepção da profunda desigualdade social”, explica.
Para Ricci, era esperado que o clima de desconfiança geral passasse a atingir também governos do PSDB, especialmente em São Paulo, Estado governado pelo partido há mais de 20 anos. “O ideário da ética do trabalho, de pouca solidariedade, é muito marcante na política paulista e serviu durante esse período para que os tucanos fizessem um contraponto ao petismo. Como o PT foi praticamente dizimado no Estado, o governo do PSDB passa a ser analisado pelo que fez, sem a ameaça do oposto”, analisa.
Na opinião de especialistas, políticos e intelectuais, as ocupações trazem semelhanças com as manifestações de junho de 2013
Na opinião de especialistas, políticos e intelectuais, as ocupações trazem semelhanças com as manifestações de junho de 2013
Ele acredita que há um acirramento nessa geração, com posicionamentos mais radicais de direita e de esquerda. “Estudei muito as marchas de junho de 2013 e elas são de esquerda sim, mas não aqueles grupos clássicos, são grupos mais autonomistas e anarquistas. Houve uma direita que também saiu para as ruas, mas era um movimento mais concentrado em São Paulo”, diz. Para ele, essa esquerda demorou a fazer novas mobilizações porque foi praticamente desmantelada por ações policiais que usaram o argumento da luta contra o terrorismo, principalmente em função da Copa do Mundo de futebol do ano passado. Ricci diz que os jovens de direita estiveram muito presentes nas manifestações contra a presidenta Dilma em março deste ano, mas, a partir de abril, foram sendo substituídos por adultos mais velhos e com alto poder aquisitivo.
O cientista político acredita que a participação dos pais nas manifestações reforçam o caráter social em relação ao ideológico nas ocupações das escolas. “Temos a ocupação de um aparelho público por aqueles que são seus beneficiários no dia a dia”, diz. Ricci aponta que as manifestações estão sendo feitas também em um momento de realinhamento de sindicatos ligados ao funcionalismo público, inclusive os de professores, e do movimento estudantil, com rachas e disputas mais intensas. “A chegada do PT ao governo havia pasteurizado esse sindicalismo”, opina.
O pesquisador aponta características de debate da democratização do ensino nessas ocupações que remetem inclusive aos movimentos disparados a partir de Maio de 1968. “A escola tomada pela comunidade atenta para a necessidade de dar voz a eles e não de impor um projeto de cima para baixo. Eles estão colocando em xeque esse modelo de administrativismo do governo paulista, que tenta transformar tudo numa discussão de eficiência. De certa forma, estão na contramão de movimentos como aquele da escola sem partido”, afirma. Ricci acredita que haverá algum tipo de reação de movimentos de jovens de direita ao sucesso dessas ocupações.
Para o professor de História da USP Lincoln Secco, movimentos como o de ocupação de escolas não buscam ter uma estratégia permanente, como os partidos de esquerda. “E nem imitam o que já foi, como os copiadores de extrema direita (MBL, por exemplo). Eles começam a se desintegrar quando acontecem, mas abalam muito mais o poder do que os velhos partidos. É que eles sempre definem uma tática nova de acordo com a questão do momento. Mas é uma ilusão achar que sejam desorganizados e agrupados ad hoc. É sempre um grupo organizado que ataca um dos pontos da rede de poder, esperando com isso que outros se organizem em seguida para atacar outros pontos. Daí a forma horizontal do movimento quando visto em conjunto”.
Na avaliação dele, nesse sentido, são uma continuidade e descontinuidade com junho. “Continuam o método de agir por uma única pauta específica capaz de agregar parte expressiva da população. Mas o atual movimento seria dificilmente apropriado pela grande imprensa e os competidores de direita porque estes não podem exibir nenhum compromisso com a educação pública”, completa.
Integrante do Conselho Nacional de Educação, o professor Luiz Roberto Alves vê o sentimento de perda como um detonador para as ocupações das escolas. “É a sensação da perda da sua escola. Sociólogos brilhantes como Florestan Fernandes sugeriram que quando a gente fosse tratar de jovens e adolescentes a gente não esquecesse da dimensão psicossocial que leva à construção da escola. Esse momento histórico de vida que esses adolescentes estão é um momento em que as perdas são demasiadamente sentidas”, acredita. “Se você tivesse, como autoridade, trabalhado sistematicamente, previamente, qualquer reorganização, o seu ato organizatório não pareceria violento. Mas o seu ato organizatório, quando não passa de uma informação, ele é psicossocialmente violento”, complementa.
Para ele, a principal diferença entre esse movimento atual e as manifestações de rua do ano retrasado é que elas vinham de uma “fome de rua” e a ocupação das escolas atende mais a um desejo de defender a própria escola. “A relação entre o particular e o geral não é uma relação dada o tempo inteiro. Eu tenho que primeiro sentir que estou, o que é meu particular e depois eu me associo ao que é geral. E o que é geral ajuda a compreender o que é particular”, afirma.
Segundo Alves, a reação dos alunos retomou o espaço deles como sujeitos no processo educacional. “É algo que está expresso na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Se São Paulo exemplificou nesse momento algo que não está dentro disso, que não responde a essa ideia desses moços e moças como sujeitos, se não foram tratados como sujeitos nesse momento, eles quiseram fazer-se sujeitos. E há muitas maneiras de fazer, até aquelas que alguns de nós não gostamos. Portanto, eles podem ter dado uma informação nacional: a escola volta a ser nossa”, analisa.
Pós-doutor em Educação e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Ivan Russeff afirma que alunos e a sociedade organizada fizeram bem ao ocupar as escolas, pois conseguiram forçar o debate. “Aquilo que os planejadores, os velhos professores, como o secretário de Educação de São Paulo, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, não tiveram competência para fazer – e isso é uma incompetência política e social, pedagógica –, os meninos estão ensinando”, diz.
“Em relação ao legado, o primeiro é o da educação da autonomia. Para mim, isso é fundamental. A pedagogia da autonomia está ligada à responsabilidade, e esses meninos estão mostrando o que é ser autônomo – porque estão propondo ideias alternativas às oficiais, institucionalizadas pelo poder central – e, ao mesmo tempo, assumindo a responsabilidade de gerir a escola, não só na limpeza e organização dos serviços, mas na discussão do problema pedagógico, da questão do ensino, da educação, junto a seus professores”, afirma.
Ele destaca que os educadores que estão colaborando com as ocupações são mais “irmanados” com o projeto de uma escola de qualidade. “Você vê que ali tem professor ligado não apenas à sua carreira profissional, mas à política da comunidade e da escola. Portanto, o grande legado é esse. Ele está incrustado em uma geração específica de alunos, mas essa será apenas a primeira página dessa história: as ocupações discutirão uma alternativa da qualidade do ensino e trarão a responsabilidade dessa discussão ao aluno também, que até agora estava forçadamente apartado, não o chamaram para discutir”, aponta.
"O governo não esperava por uma reação tão forte como essa”, diz professor da USP
“O governo não esperava por uma reação tão forte como essa”, diz professor da USP
“Quantas aulas ruins foram substituídas por essa grande aula coletiva? Aliás, não quero ser muito pessimista, mas acho que quase todas, pois os professores estão no final do ano, desgastados com a falta de consideração do governo, com o desprestígio salarial e intelectual. Não é que sejam perversos por si, mas estão arrebentados pelas relações de trabalho, com a Secretaria e com a própria sociedade. Tem mais esse dado: esses alunos estão levantando o moral – não a moral –, o ânimo de seus professores, que viram que o que fizeram também colaborou para a formação de estudantes críticos e participativos”, analisa.
Russeff admite que vê sentido na proposta pedagógica de dividir as escolas por ciclos e idades porque essa é uma possibilidade de organizar e capacitar melhor os professores. Mas, para ele, isso não é uma questão sine qua non. “A convivência com idades diferentes também amadurece, cria níveis de sociabilidade interessantes para a formação da criança e do adolescente. Ainda com relação a ela, acho interessante rever a ocupação das escolas, pensar melhor como é possível distribuir as demandas, e distribuir demandas não significa eliminar escolas. Não tem sentido – e para mim isso é um dado que beira o absurdo – pensar na possibilidade de transformar equipamentos escolares em uma unidade de atendimento médico ou de formação e capacitação profissional, por exemplo”, diz.
“A comunidade tem com as suas escolas a mesma relação que tem com sua família. A escola é fundamental, é o equipamento social que está ali como escola e como tal deve ser mantida”, ele avalia. “Os planejadores infelizmente não entendem a escola – deveriam, mas esses não entendem. Não entendem a política interna, as relações sociais, afetivas, como se dá o movimento gregário entre comunidade e escola. Baixaram uma portaria sem consultar, sem discutir com os professores, sem apresentar alternativas, sem explicar qual o sentido pedagógico”, completa.
O coordenador do Fórum Nacional de Educação, Heleno Araújo, acredita que a ocupação das escolas é, antes de tudo, um gesto em busca da necessidade e do direito. “Essa necessidade está vinculada pelo direito que cada um tem de educação pública, e no local em que escolheu pra viver e estudar. Eu faço mais uma leitura de um movimento que traz para o ser humano, para a juventude que tá sentindo na pele os efeitos da medida de fechar as escolas”, diz.
Para ele, a reorganização foi um equívoco “que sofreu a reação forte e correta dos estudantes que estão matriculados, não querem sair do espaço da escola em que estão matriculados”. Na opinião de Araújo, as ocupações têm um efeito multiplicador na discussão da qualidade de ensino que vai além da rejeição à reorganização tentada pelo governo Alckmin. “Esse ato é importante porque aumentou em São Paulo e está replicando em outros estados. Acho que é um movimento positivo que a juventude está protagonizando e são eles que farão a diferença para avançar ainda mais na conquista de direitos sociais no nosso país”, opina.
Ministro da Educação durante o governo Lula, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) acredita que a mobilização dos alunos tem poder de melhorar a qualidade do ensino. “Eu vejo os jovens se mobilizando, não só os professores, que são um meio muito corporativo. Quando o aluno se mobiliza, a chance é muito grande de que seja algo que vai melhorar a educação”. Segundo o parlamentar, o governo Alckmin não conseguiu passar a ideia de que a reorganização é positiva; por isso, já perdeu na maneira de encaminhá-la. “Tinha que primeiro convencer a sociedade de que a mudança é positiva. Eu pesquisei, consultei pessoas em São Paulo e não me convenci. Imagine a sociedade”, diz.
“Ninguém pode ficar contra fazer a reorganização desde que seja feita buscando melhorar a situação das crianças, das famílias e dos professores. A impressão que dá nas mudanças que o governo está fazendo é que ela visa reduzir gastos. Não sou contra reduzir gastos, mas a ênfase tem que ser em melhorar o sistema escolar. O governador Alckmin não conseguiu convencer que essa reforma melhora a educação”, analisa.
Em seu perfil no Facebook, o professor de Filosofia da USP Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da presidenta Dilma Rousseff, também destacou a falta de diálogo do governo paulista como estopim das mobilizações em defesa das escolas. “O erro do governador Alckmin foi mexer em algo importante para a identidade de cada jovem, como sua escola, sem uma boa discussão prévia. Se tivesse havido explicações e debates, o resultado seria outro”, escreveu.
Recém-eleita presidenta da Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), Camila Lanes avalia que o sentimento e luta contra o fechamento das escolas mostra muito a irreverência dos estudantes para tratar do assunto. “Para além das ocupações, os debates que circulam nos corredores das escolas é sobre a conscientização da comunidade para com a qualidade do ensino. Um grande desafio é debater junto com toda a comunidade a superlotação das salas de aula, a desvalorização do professor, a estrutura física da escola, gestão democrática, grêmio livre, acessibilidade e outros temas”, diz.
Ela afirma que estudantes de dez estados já aderiram a um ato de apoio aos paulistas, que ocupam as escolas. “A ideia é uma paralisação momentânea nas escolas Brasil afora em solidariedade às ocupações, mas principalmente pela valorização da educação pública”, conta.
Colaboraram Anna Beatriz Anjos e Maíra Streit

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