O
Sequestro Relâmpago de Cesare Battisti
Carlos A. Lungarzo
Na
última quinta feria, o escritor italiano Cesare Battisti, esteve na situação
mais perigosa de sua vida, muito pior que na Papuda, em Frossinone, ou na Santè.
Não sei se ele é consciente disso, mas na América Latina e em países como a
Itália, a Espanha e a Polônia, os sequestros e
posterior extradição ilegal de refugiados é quase rotina.
A
presença do ex-senador Suplicy e do
excelente advogado Igor Tamasauskas
foi imprescindível. Não podemos dizer com precisão que teria acontecido se eles
não estivessem estado aí.
O
advogado Igor teve a atitude de qualificar esta detenção, durante uma
conferência da imprensa na própria sede da PF, como o maior absurdo que já
havia visto. Era a primeira vez que eu ouvia-o falar, e fiquei surpreso pela
calma, o rigor, mas também a decisão com a qual fez essa denúncia. Logo
momento, o absurdo ato já havia ganhado manchetes internacionais, e, desta vez,
a imprensa italiana só podia balbuciar algumas bestemmias (xingamentos). Nem sequer as agressões vulgares dos anos
2009 a 2012 tiveram coragem de proferir. Por sua vez, a maior parte da mídia
francesa foi muito honesta e objetiva.
A
denúncia de Igor de que o ato havia sido um absurdo, que a juíza tentava
entorpecer o processo e precipitar a extradição sem que defesa pudesse analisar os
autos foi de grande impacto. Mais
efetiva ainda foi a denúncia de que a juíza não publicou a sentença
no diário oficial, não deu prazo para o direito de defesa, não
informou o próprio advogado, e mandou prender bruscamente a Battisti
para obstruir o devido processo.
Tudo
isto é verdade, nada é exagero. De fato, Battisti tem direito a todos os
recursos contra a sentença, que são três, e podem tomar dois anos e até mais. A
juíza queria que ele não tivesse nenhuma oportunidade. A prisão “temporária” (segundo os agentes federais) tem todo o aspecto de
ser apenas uma máscara para uma extradição clandestina durante a madrugada.
Logo
em seguida de que esta breve entrevista saiu ao ar, recebi vários e-mails de
amigos jornalistas da França, a Suíça e a própria Itália, pedindo que mandasse
algum texto da Internet onde estivesse reproduzida a manifestação do advogado,
porque em alguns países da Europa jornalistas
e juristas não acreditavam que uma barbárie desse tamanho pudesse ser feita,
mesmo na América Latina. Dois dias depois, recebi a visita pessoal de uma jornalista
da AFP, também espantada pelo inusitado da situação. Jornalistas italianos do
jornal Il Garantista, um jornal
diário que defende os direitos humanos, não entendia como a ação dessa juíza
não havia sido impedida pelos mesmos corregedores de justiça.
A
farsa inventada pelo procurador de Brasília mostra que ele contava com a falta
de informação de muitas pessoas. Lamentavelmente, nossos jornalistas conhecem
pouco de sutilezas jurídicas. Battisti, que é um estrangeiro com radicação
definitiva no Brasil e RNE, é tratado em muitos jornais (inclusive de maneira
amigável) como refugiado. É natural,
então, que a maioria não entenda a diferença entre expulsão e extradição.
Com
efeito, pessoas de nossa rede de defesa de Cesare, mandaram mensagens
desesperadas com um conteúdo deste tipo: “É necessário fazer algo rápido. Se
ele passar a noite na PF, pode ser morto ou entregue a Itália”.
Eu
nunca tive dúvidas de que esse era o plano, mas, se tivesse tido, era só ler a
Ação Civil Pública daquele inquisidor para sair das dúvidas.
Ele pede “deportação” para México ou
Brasil. Leram bem, DEPORTAÇÃO. O que é isso? E o mesmo que expulsão? Não, é
algo bem explícito, um caso muito específico e draconiano de expulsão.
Segundo a lei 6815
Artigo 58 -
A deportação consistirá na saída compulsória do estrangeiro.
Parágrafo único - A deportação
far-se-á para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou
para outro que consinta em recebê-lo.
Vejamos
claramente as três possibilidades:
a)
País da Nacionalidade. Então, é a Itália. Portanto,
a deportação coincide com a extradição.
Vocês acham
que, quando Battisti chegasse a Fiumicino, a Itália perguntaria: “Por favor, o
que devemos fazer? Ele foi deportado, ou está sendo extraditado como a gente
pediu?
A
extradição foi definitivamente rejeitada pelo Presidente, em 31/12/2010 e pelo
STF, que aprovou a decisão de Lula, em 8/6/2011, por 6 votos a três.
b)
País de procedência. Aí é a França. OK. Mas, o Promotor e a juíza do DF deveriam saber, que na França há um decreto de
extradição de 2005, que ainda não foi revogado. Logo, novamente haveria extradição.
c)
País que aceite o receber.
Muito bem. O Procurador indica México, e a juíza concorda. Mas, como eles sabem
que o México o receberia? Onde está a prova de que Itamaraty já negociou isso
com Tlatelolco? Nenhum país está obrigado a
receber um estrangeiro. Pode fazê-lo por interesse, por cortesia ou por razões
previstas em lei. Mas, então é necessário solicitar.
Incrível
o cinismo desta galera. Eles estavam preparando a extradição relâmpago de Battisti.
Se o advogado não houvesse atuado com
essa velocidade, e o desembargador não tivesse respondido adequadamente,
Battisti teria passado em sua cela da PF a primeira
parte da Noite. A partir das quatro, hora favorita dos policiais, quando
suas pressas estão no mais profundo do sonho e as ruas estão mais desertas, ele
poderia ter sido enfiado numa viatura com rumo a Guarulhos. Um procedimento
fácil, rotineiro, nada que precise das habilidades de Jack Bauer.
Talvez, hoje ou amanhã, ele apareceria uma cela de Rebibbia, tendo-se se suicidado num ato de desespero. Mas, suicidado como? Com
uma gravata, claro. Ele sempre usa gravatas de grife italiana. (Rssss)
A repetição de um golpe como este,
mais cedo ou mais tarde, não pode ser descartada. Sobretudo, por causa de que,
numa sociedade não já de classes, mas de castas, os juízes são
intocáveis, como os antigos xamãs das tribos.
Portanto, nosso comitê de apoio deve
coordenar todos os esforços para denunciar detalhadamente o autor desta nojenta
Ação Civil Pública e a magistrada que se tornou sua cúmplice aos foros
internacionais, e aproveitar este momento de sensibilidade da imprensa dos países
democráticos.
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