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sábado, 10 de maio de 2014

LINCHAMENTO: A QUEM SERVE?







Linchamento: A quem Serve?
Carlos A. Lungarzo
O linchamento é uma aberração que subsiste nos países onde o ódio social, a superstição e o sadismo foram superlativos: casos típicos são as teocracias orientais, o sul profundo dos EUA (onde, até datas recentes, os negros eram vítimas do linchamento massivo), alguns países da América Latina e, notoriamente, a África do Sul na época de apartheid.
Na América Latina, a maior densidade de linchamentos está na Argentina e no Brasil. Neste, teve lugar, em 1990, em Matupá (MG), um dos linchamentos mais cruéis registrados no país contra três homens que tentaram furtar algo de uma casa. Segundo investigações feitas por diversos procuradores tempo depois, a polícia militar que os capturou os teria entregado à ralé linchadora, que os queimou vivos no meio a uma grande farra de psicopatia regada a álcool e drogas. O assunto percorreu o mundo, e deixou claro nos países mais desenvolvidos, que no Brasil persistia um fenômeno que até nos EUA havia declinado até quase desaparecer; esse fenômeno era...
...a cumplicidade da polícia, que considerava o linchamento como um método para eliminar possíveis delinquentes sem comprometer-se de maneira direta.
Um traço importante é caráter sacrificial do linchamento. Durante a tortura de um dos linchados, um dos linchadores lhe ordenou
“Pede perdão a Deus!”,
O moribundo responde como se essa exigência fosse o mais natural.
“Perdão, Deus, por tudo o que eu fiz. Perdoa, meu pai”,
Mato Grosso é um modelo de barbárie, acima da média do Brasil, embora a corrida por “quem é o pior” seja difícil. No dia 22 de setembro de 2011, policiais militares torturaram até a morte num restaurante o estudante negro Toni Bernardo da Silva, por causa de estar incomodando a um grupo de pessoas que, segundo a juíza, corriam perigo por causa da conduta desajustada do rapaz: um menino bêbado e desarmado colocando em risco dúzias de fregueses!!! Aliás, a solução para “proteger” as famílias indignadas era o linchamento.
O monstruoso caso foi levado a justiça internacional sem que até agora tenha podido ser feita coisa nenhuma. (O que é esperável num sistema jurídico internacional em que os negócios estão muito acima dos direitos humanos.)
http://mamapress.wordpress.com/2014/05/07/juiza-defende-tortura-e-linchamento-culpa-vitima-e-inocent
Novamente, nestes dias, o Brasil voltou a impressionar o planeta com as barbáries aqui praticadas. Um novo linchamento, na cidade Guarujá, do Litoral Sul do Estado de São Paulo, foi ainda mais bárbaro, se Isso for possível.
Desta vez, uma mulher que não tinha feito nada, foi linchada por cerca de cem pessoas.
Não foi nada raro que a policia “se atrasasse” chegando quando a vítima estava mortalmente ferida. Mesmo assim, os policiais sabiam que a tortura tinha durado 30 minutos, e, muito mais esquisito ainda, só conseguiram deter algumas pessoas bastante depois.

O Caso de Fabiane

O Linchamento de Fabiane Maria de Jesus, moradora de 33 anos de um bairro de Guarujá, é um dos mais monstruosos que já se cometeram no país desde que se tem notícia. Preocupa enormemente o fato de que, salvo ativistas de direitos humanos, nem a esquerda, nem membros do governo têm atuado além da simples crítica.
Recentemente, ao referir-se a esse linchamento, um deputado de esquerda dizia que se havia cometido uma grave atrocidade com uma pessoa inocente.
E se fosse culpável:
Será que o linchamento seria correto?
Mas longe foi um professor da PUCMG (não lembro o nome, mas ninguém vai lamentar) que, num programa de Globonews disse que “o linchamento é uma forma em que a sociedade mostra sua indignação”.
Quem são os culpáveis do atroz crime contra Fabiane?
Sem dúvida, os executores são um grupo significativo. Várias pessoas que se reúnem para matar outra formam uma explosiva gangue de sádicos covardes. Mas, observemos o aspecto de alguns desses detentos (até o momento de escrever isto são apenas cinco). O mais notório é um homem de quase 50 anos, de aspecto físico doentio, segundo parece, ex viciado em drogas, que mal sabe falar. É, como alguns dos outros, um sujeito marginalizado. Sua mentalidade talvez o poderia ter conduzido ao crime comum, ou, se fosse mais afortunado, a integrar uma força policial. É muito provável que, dada a falta de um acolhimento para sua violência, haja decidido cometer um linchamento: um crime fácil, com quase cem pessoas contra uma mulher desarmada, e, ao mesmo tempo, se gabar entre os vizinhos de sua ação contra os “bandidos”.
Os outros linchadores são de diverso estilo. Não se conhecem ainda todos, mas os poucos que a polícia prendeu (com evidente falta de entusiasmo) parecem “pés rapados”, lumpen tradicional em busca de emoções. Mas não são os únicos nem os principais. Praticamente, qualquer grupo social que se sente identificado com a ética oficial do sistema, pode ser um linchador. Por isso, mesmo em sociedades relativamente civilizadas, é difícil processar os linchadores, porque eles se reciclam permanentemente. Qualquer que considere a vida alheia banal, que acredite na divisão absoluta entre Bem e Mal, que adira à mentalidade teocrática do castigo, pode ser linchador. Só quando a repulsão individual ante a monstruosidade do ato balança o equilíbrio psíquico da pessoa, esta, sem necessariamente rever suas crenças, vê o linchamento como algo “sujo”.
Vejam uma prova interessante desta afirmação. No Ocidente, os únicos países perfeitamente seculares, são os Escandinavos e, eventualmente, grande parte da França (porém no toda). Na Europa Oriental, devem ser acrescentados os poucos países que realmente adotaram uma filosofia marxista (o que não foi o caso da URSS, onde após o fim da união, reapareceram todas as religiões da época do tsar). Em realidade, o único país secular dos supostos ex países comunistas é a República Tcheca. Tomando o exemplo da Escandinávia, que é o mais tipicamente secular, pode ver-se que o último caso de linchamento nos quatro estados nórdicos, foi em 1800, quando Anna Klemens (1718–1800), uma mulher marginal acusada de bruxaria, foi linchada em Brigsted em Horsens,  Dinamarca, por um “tribunal” de fanáticos luteranos. Este foi o último linchamento na Escandinávia. Entretanto, em nossa “Sul América do Futuro”, 214 anos depois, os linchamentos continuam com todo seu gás, e aumentando.
NOTA. Além disso, a mulher que comandou o linchamento foi executada e os seis homens que colaboraram foram obrigados ao exílio. Antes desse caso, o único linchamento nesse século na Dinamarca foi o de Dorte Jensdatter, amarrada dentro de sua casa por uma uma gangue de camponeses, que tocaram foco na mesma em Øster Grønning em Salling em 1722.
O fato de que a ralé seja chegada ao linchamento não é raro. Desde crianças, temos sido ensinados a que o mais bárbaro ato da espécie humana, a guerra, é um ato de coragem e lealdade, quando, de fato, é o resultado da ambição e consiste em massacrar pessoas indefensas com poderosas armas. Também nos ensinaram que devemos reger nossa moral por fábulas escritas por maníacos doentios (afortunadamente anônimos), que, em seus momentos de surto, achavam representar a voz divina.
Como podemos pedir agora que esse pessoal, enganado durante séculos, reduzido à barbárie pelas instituições, seja culpável de ter tomado a sério o que lhe ensinaram?

Incitadores ao Linchamento

Os incitadores ao linchamento são, geralmente, lumpen de classe média, puritanos, pessoas que têm alguma pose e tem medo de perdê-la. No século XVIII até o nobreza assistia aos linchamentos, mas eles decidiram se afastar deste espetáculo, porque pensavam que era demasiado brutal, e só era adequado para uma turba que encontra prazer na sede de sangue. As elites dessa época já eram mais ilustradas e tinham certo pudor. Então, foram as classes médias, os pequenos burgueses e os autênticos lumpen que os atuavam nos linchamento.
Há um excelente artigo de Jean Wyllis em Carta Capital, onde ele indica as outras possíveis causas dos linchamentos, entre elas, a demora do estado para implementar leis que valorizem a cultura africana e promovam realmente a igualdade racial. Mas, além desta observação, ele destaca fatos cruciais: a falta de uma verdadeira e profunda ação educativa e social, a herança da ditadura, a indiferença com a tortura praticada massivamente pela polícia, e outras reflexões que deveriam fazer deste artigo uma pedra angular na apreciação do problema dos linchamentos.
Sabemos, porém. que, ainda há outros culpados, que estão sempre detrás dos crimes sociais e do estado.
Por um lado, a polícia adota as técnicas do xerife Wyatt Earp e muitos outros dos anos 1850 a 1900, quando se punha preço aos criminosos como se fossem objetos perdidos, junto a fotos de seus rostos.
Oferecer dinheiro por denúncias é um método pérfido, que visa que o cidadão denuncie pessoas por lucro. Além disso, qualquer pessoa que tenha olhos sabe que, para quem olha uma foto num cartaz, há sempre vários rostos que parecem atender a imagem, salvo que o procurado seja muito conhecido (tipo Bin Laden, por exemplo). Então, essas fotos são um convite sumamente explícito ao linchamento. Como foi dito por alguns ativistas de direitos humanos, a Internet ainda facilita o linchamento, pois é um método eficiente para convocar os linchadores.
Por outro lado, deve culpar-se os blogueiros, que estimulam a perseguição de pessoas que nem sequer estão bem identificadas. Embora falou-se que o responsável pela publicação da foto em Guarujá poderia ser responsabilizado, até este momento, não se sabe de que nenhuma ação haja sido tomada contra ele.
Mas, os principais culpados são alguns apresentadores de TV, os “especialistas” em segurança, simples charlatães que a mídia contrata para incrementar o ódio popular, e, obviamente, os numerosos pastores, padres e outros mercadores da superstição, que atiçam a ralé ignorante e sanguinária contra quaisquer “pecadores” que apareçam. Isto se faz não apenas com os que cometem delitos, mas até com aqueles que são simples dissidentes das crenças impostas pelas elites. Especialmente ridículo (porém trágico) é o caso do brutamontes que começou uma campanha contra os ateus, acusando todos eles de criminosos, e deveu parar por causa de que esta perseguição cretina indignou até algumas pessoas religiosas.

Linchamento e Tortura

Um linchamento, no Brasil, não é atualmente, apenas um julgamento sumário e execução arbitrária. Os linchamentos inventados por Charles Lynch  (Virginia, EUA, 1736-1796) eram bárbaros, porém punham a ênfase na morte do réu e na “eficiência”. Já os linchamentos que se aplicam nas Américas e nos países islâmicos têm por objeto que a vítima receba uma morte o mais sádica e dolorosa possível.
Portanto, linchamento é tortura, mas, além disso, é uma tortura especialmente cruel: esmagamento, evisceração, mutilação, esvaziamento dos olhos, queimaduras, empalamento, torturas sexuais, amputações, e assim em diante.
Não existe tampouco o tiro de misericórdia dos vigilantes de Charles Lynch. As ralés enlouquecidas deixam a vítima morrer de sangramento ou de queimaduras, e celebram o espetáculo da morte enchendo-se de cachaça e gritando. Se não aconteceu isso com Fabiane, foi porque a polícia chegou o bastante tarde para que os linchadores fizessem a primeira faina, e o suficientemente cedo para evitar o espetáculo que tiraria a “seriedade” ao fato.
Aliás, mesmo nos regimes e ditaduras mais bárbaras, é infrequente que alguém seja torturado por mais de três pessoas ao mesmo tempo. No caso de Fabiana, falou-se de cem pessoas. Em fim, o linchamento está entre as piores formas de tortura.

Linchamento e Ódio

O ódio coletivo (racial, classista, justicialista, xenófobo, etc.) se trans­forma no que o psicólogo austríaco Wilhelm Reich (1897-1957) chamou “praga emocional” (Emotio­nale Pest): um estado de alienação que favorece o surto massivo de rancores, orientados por obje­tivos como racismo, ge­nocídio,  homofobia e, especialmente, justicialismo.
Este ódio é deflagrado pela convergência das deficiências de cada um dos atores em sua vida individual, especialmente no aspecto sexual. Tendo rom­pido com a psicanálise, Reich tirou os mitos da teoria de Freud sobre o sexo, e deu a primeira explica­ção da psico­patia das massas a partir da real repressão sexual[i].
Pesquisas posteriores têm mostrado que torturadores,  genocidas, linchadores, e pessoas com ofícios violentos, satisfazem a dificul­dade para obter prazer normal, através da imposição de sofrimentos nos ou­tros[ii].
Esta afirmação é evidente mesmo sem fazer nenhuma pesquisa. Por exemplo, a frequência de estupro entre agentes de repressão na América Latina, nos EUA e até em alguns países da Europa Ocidental (a Itália e a Espanha, especialmente) mostram que o ódio do repressor, ou do linchador tem um componente sexual que, junto com o místico, é prevalente. Em realidade, como quase toda religião estigmatiza a sexualidade, ambos podem considerar-se equivalentes.
Salvo numa minoria de casos patológicos, os hu­manos e ou­tros mamíferos primam pela tendência à soli­dariedade e ao afeto, e não à destruição. Como acontece que mi­lhões desses se­res sejam transfor­mados em linchado­res por causa de uma “praga emocional”? Este é um problema cuja investigação foi sempre censurada por exércitos e igrejas, que ocultam os segredos “industri­ais” de sua en­genharia do ódio. Mas, existe a impressão de que a alienação mas­siva e sistemática consegue criar uma “mística coletiva”.
Isso esti­mulou a Reich, Fromm, Marcuse, Mannheim e muitos outros, a bus­car uma explicação para o nazismo. Entretanto, essa praga com raí­zes psicológicas precisa de um meio social apto para seu cresci­mento, e por isso as marés de ódio surgem em certas cultu­ras em circunstâncias específicas. Entre os diversos “escapes” para os afetados por uma praga emocional, está o linchamento, que pode ser entendido também como uma forma de vendetta, deflagrada por um detonador ex­terno, como um ladrão, um estuprador, ou, simplesmente, um desconhecido.
Todavia, em­bora o linchador não precise de grandes causas para ex­ternar sua violência, a existência de “valores importantes” reforça muito a intensidade e a duração de sua vingança. O ódio contra um cara que assalta um bar para roubar uma coxinha pode ser suficiente para que ele seja aniquilado depois de horas de espancamento e tortura. Os linchadores não se importam com a coxinha, mas se importam com o fetiche da propriedade privada. Defendendo essa propriedade, suas míseras pessoas viram mais importantes, e talvez eles recebam o reconhecimento do dono do bar, o que os fará sentir-se importantes.
Por exemplo, os mesmos vizinhos de Fabiana, dizem que o principal linchador, que se dizia arrependido ao declarar na polícia, andou pelas ruas da vizinhança se vangloriando de ter contribuído a linchar à menina.

Linchamento e Superstição

Para sustentar uma vendetta poderosa e duradoura, os de­tonadores devem ser valores “sagrados” e, por isso, a massa lincha­dora é messiânica e supersticiosa. Defende a ordem es­tabelecida e combate qualquer alteração nas relações sociais, pois, embora estes valores tenham sido criados para proveito das elites às quais poucos pertencem, o prazer dos linchadores é uma realização masoquista: a de sentirem-se usados por amos poderosos.
O linchador místico pretende “fechar” as feridas abertas pelo criminoso (reais ou imaginadas) aplicando o linchamento. Por sua vez, o feitor sentirá a mesma catarse destruindo a “vida inútil” do escravo. Como fez no­tar o general Roméo Dallaire em 1994, durante sua desesperada tentativa de proteger Ruanda do genocídio[iii], o gosto pela vingança “parecia um tônico” ingerido pelo linchador que, depois de matar um inimigo, sentia-se “tonificado” para matar o se­guinte[iv]. Esta relação entre vingança mís­tica e aniquilação é intrincada e aparece em proporções diversas no nazismo, nos exércitos convencionais e nos sacrifícios rituais.
Amy Louise Wood[v] relata que os linchamentos no sul dos EEUU (o cinturão da Bíblia) estavam rodeados de preces, cânticos, e conselhos ao lin­chado para que se arrepen­desse e ficasse menos tempo no purga­tório. Mas, padres e pas­tores se assustavam de que a vi­são da agonia alimentasse a luxúria dos assistentes. Sabia-se que a maioria dos linchadores é incapaz de um coito normal, mesmo que seja rápido e sem qualquer afeto. Então, eles precisam do estupro ou, em sua falta, da masturbação. Pessoas com estas disfunções podem sentir certo tesão quando veem outras sofrerem, embora existam muitas disfunções que nada têm a ver com isto. Há um fato conhecido da famosa atriz Sarah Bernard que coincide com esta explicação: a atriz sentia-se muito excitada por fatos de sangue e era frequente que pedisse para assistir a execuções de condenados à morte, para o qual viajava a qualquer lugar da Europa onde sabia que haveria esse tipo de “diversão”. Outro caso famoso são as touradas, que usualmente têm um efeito afrodisíaco nas mentes doentias dos faenadores e do público.
Cota-Ma­ckinley, Woody e Bell[vi], numa experiência com estudantes universitá­rios, anali­saram com detalhe a influência da religiosidade no sentimento de vingança. Note-se que isto não é um acaso. Não há nenhuma religião, salvo as pagãs, que estimule a prática do sexo por prazer. Embora nem todos os sexófobos sejam religiosos, uma enorme maioria (possivelmente, acima de 90%) é crente de algum rito. Então, o linchador acumula a insatisfação sexual com a crença numa proteção divina para sua vida doente e vulnerável.
Nos estudos de autores americanos sobre o linchamento, há numerosos diálogos de linchadores que disseram que “achavam um dever com Deus matar um bandido”. Aliás, não parece um acaso que os linchamentos que se realizaram nos Estados do Sul, fortemente cristãos, tenham significado mais de 80% dos linchamentos totais no país. Nos estados mais seculares, como os do norte, o linchamento era quase desconhecido.
O linchador não acha relevante saber se seu alvo é inocente ou culpável, porque apenas precisa da convicção de que sua presa deve ser linchada[vii]. Vejam: os monstros que mataram Fabiane nem pararam para pensar: “será que é ela?”. O mais provável é que eles mesmos não se importaram. Ela é uma das pessoas lincháveis. Se ela não cometeu nenhum crime, não importa. A justiça baseada na superstição e a impotência não precisa culpados reais: apenas precisa satisfazer sua sede de sangue.
Finalmente, é bom mostrar que o linchador alienado pode ter um tutor intelectual frio, que o guia para que encontre o alvo certo. Como já vimos, quase sempre o linchador é modesto e pouco exigente; ele quer alguém para linchar, dentro de um certo contexto, mas não importa muito como seja exatamente o linchado. Já o tutor tem algum objetivo; ele quer promover seu programa de TV, sua carreira de magistrado, ou, nos casos mais humildes, aparecer como o herói de uma coletividade.

E Agora?

Pode parecer injusto que esta massa linchadora que matou Fabiane, seja responsabilizada por algo que nem eles mesmos entendem. São pessoas brutais, sádicos enlouquecidos , que banalizam totalmente a existência dos outros. Algumas são pessoas minadas pelo álcool, a miséria, a droga, e foram empurrados a esta condição sub-biológica (acho ofensivo para os animais dizer que são subhumanos), pela própria sociedade, pelas instituições, pelas elites que os condenam à miséria, pelos magistrados que passam sua togada vida diferenciando entre o Bem e o Mal, de acordo com o código de Zaratustra. Por outro lado, existem muitos linchadores na classe média, que são bem integrados socialmente, trabalham, têm posses, mas compartilham com os outros uma idéia difusa de vingança. O criminoso, ou, ainda, aquele que se supõe que é o criminoso, mesmo que não seja, é o outro, é alguém fora do sistema. Já que o linchador não consegue linchar subversivos ou guerrilheiros, um suposto criminoso é bom. Então, entre a massa pobre de linchadores e a ralé pequeno burguesa há uma afinidade: o messianismo, a crença no bem e o mal absolutos, e a compensação física para suas frustrações.
Alguns relatos da década de 50 mostram que fazendeiros do Mississipi se sentiam mais calmos depois de ter assistido a um linchamento de negros e suas esposas apanhavam menos que outros dias, ou, eventualmente, tinham uma relação sexual menos violenta com elas.
 Voltando ao Brasil:
Já que o Estado no consegue dar educação,  civilidade e valores que ensinem às pessoas a monstruosidade contida nestes atos, é necessário evitar que estes atos proliferem. Atualmente, estamos numa época delicada, em que os atos de violência se multiplicam. Com efeito, depois de 11 anos do governo do PT, a direita tem poucas esperanças em conseguir um triunfo eleitoral, e deve recorrer ao golpe branco, como já se fez várias vezes (denuncismo, calúnia, falsas investigações, etc.).
A direita sempre promoveu a violência, desde o império Romano até o nazismo, e no Brasil não é uma novidade. Pessoas que destroem bens públicos, que são usados pelos populares, certamente não estão propondo uma sociedade mais justa. Já foi comentado várias vezes, que muitos dos mascarados que vandalizam as cidades são pagos. Mas pagos por quem? Será que não há algum nexo entre financiar hooligans para que façam estragos e financiar grupos de “justiceiros” para tornar a sociedade cada vez mais selvagem?
O linchamento, além de bárbaro e desumano, é um excelente método para promover o ódio social. A direita diz continuamente que “o governo federal no promove a segurança”. Aliás, exatamente a mesma coisa se diz na Argentina e na Venezuela. Coincidência???
Já citei acima a interpretação dado por um “sociólogo(?)” da PUCMG defendendo os linchadores. Temos várias dúzias de apresentadores de TV especializados em sangue, entre eles, a mulher que fez propaganda da tortura de um jovem negro, e foi denunciada por mensagem de ódio.
Em fim, o linchamento conduz ao caos social, e nada melhor para criar um clima de golpe que esse caos.
A prisão, como castigo, é inadequada na imensa maioria das vezes. Só aumenta o ressentimento do preso e sua maior degradação. Isto é ainda maior quando a pessoa não têm recursos para sair da miséria. Portanto, os linchadores mais marginalizados devem ter um sistema de seguimento que faça possível sua recuperação. Como o linchamento requer certos sentimentos de crueldade, de servilismo com as instituições e de desprezo por pessoas igualmente marginalizadas que ele, sua recuperação pode ser muito difícil, mas deve ser tentada.
Além disso, é necessário neutralizar este tipo de ações, tendo em conta que elas encorajam a brutalidade em escala reprodutiva. Não se pode esquecer que a direita especula com uma espetacular baderna geral para os jogos da Copa, o que poderia colocar a democracia em xeque.
Sobre a relação entre política e linchamento, recomendo este artigo. Ele é interessante do ponto de vista de etiologia do fenômeno.
http://www.brownpoliticalreview.org/2014/04/lynching-in-latin-america-crime-or-popular-justice/


[i] Reich, Wilhelm: Psicologia de Massas do Fascismo (São Paulo, Martins Fontes, 2008). Vide especialmente o capítulo 7.
[ii] Nos EEUU, percebe-se desde os anos 90, um acúmulo de abusos sexuais  por parte de militares, extremamente superproporcional ao que existe entre civis com as mesmas características. Entre os muitos estudos estatísticos, este é um dos mais expressivos, apesar de estar algo envelhecido.
Marshall L.: The connection between militarism and violence against women. Copyright February 26, 2004.

[iv] Recomendo veementemente a leitura de:
Dallaire, Roméo: Shakes Hands with the Devil. The Failure of Humanity in Rwanda (Carroll & Graf, NY, 2003). O livro do tenente geral Dallaire, chefe da missão da ONU em Ruanda em 1993-1994, descreve aquele genocídio com um incrível calor humano. Embora sendo um tema diferente ao de nosso livro, ninguém têm dado uma visão mais sincera e profunda do cinismo das grandes potências e da forma em que os imperialistas desprezam os direitos humanos.
       
[v] Wood, Amy L.: Lynching and spectacle: witnessing racial violence in Amer­ica, 1890-1940 (UNC Press, 2009)
[vi] Cota-McKinley et al.: Vengeance: Effects of gender, age, and reli­gious background. Aggressive Behavior; 27, 5, sept. 2001 (341- 403)
[vii] Schulz, William F.: The phenomenon of torture: readings and commentary (University of Pennsylvania Press, 2007), passim.

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