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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O CASO NORAMBUENA






O Caso Norambuena
Carlos A. Lungarzo


Contexto Geral


Mauricio Hernández Norambuena (MHN), nascido no Chile em 1958, membro de uma família de cientistas e professores, é um antigo militante dos movimentos de esquerda que lutaram no Chile contra a segunda mais cruenta ditadura do Ocidente, a de Augusto Pinochet. (A primeira foi a de 1976 na Argentina). Era formado em educação física, trabalhou como professor e ganhou vários prêmios por suas atividades desportivas.
MHN viajou por vários países da América Latina e colaborou com os movimentos antiditatoriais desses lugares. Durante a segunda parte da ditadura chilena, em 1983, fundou-se no Chile o Frente Patriótico Manuel Rodríguez (FPMR), com membros da esquerda alternativa e alguns antigos membros dissidentes do Partido Comunista, do qual MHN seria o vice-chefe pouco depois. Usualmente, o FPMR é chamado apenas “El Frente” pelos setores mais genuinamente de esquerda, pois a expressão “Frente Patriótico” tem um ranço nacionalista e estalinista incompatível com o marxismo e o internacionalismo.
Como sempre, os comunicadores do PIG internacional, políticos e magistrados de direita qualificam o movimento de terrorista, mas os verdadeiros cientistas sociais se referem ao Frente como far-left urban guerrilla. (vide) É fundamental ter em conta que grande parte dos membros do frente foram presos, torturados e alguns até desaparecidos nos anos seguintes. O Frente abandonou a luta armada no final da década de 80, e passou a integrar a aliança frente Juntos Podemos Mais, a coalizão de esquerda que disputou as eleições e considerou encerrada a luta armada.
O Frente fez suas primeiras ações desapropriando bens de supermercados e distribuindo-os nas favelas e também vulnerando recursos do aparato repressivo (corte de corrente nos quarteis, destruição de armas do Estado, etc.)
Em 07/09/1986, o Frente atacou Pinochet, executando cinco membros da sua comitiva e deixando o tirano levemente ferido. Pode ser discutível se isso foi um ato de “vingança revolucionária”, que, como toda vingança, é indesejável. Mas, também pode pensar-se que a morte de Pinochet naquele momento, dado o caráter personalista da ditadura, poderia ter apressado a transição para a democracia. Ambas as conjecturas são contrafactuais e, portanto, nunca saberemos qual era a posição correta, mas não há dúvida de que, pelo menos, merece reflexão.
Cabe dizer que todas as ações em que participou Norambuena no Chile, e, mais geralmente, todas as ações do Frente (mesmo aquelas nas quais não participou), consistiram em ataques e execuções contra alvos militares e figuras significativas da ditadura, torturadores e genocidas. Não houve vítimas inocentes, isso que a milicada chama com desprezo “danos colaterais”.
Também cabe indicar que, durante esse período, produziram-se em todo Chile nutridas manifestações de centenas de milhares de pessoas pedindo a queda da ditadura, o que significa que as ações do Frente não iam contra a vontade popular, como aconteceu em outros países com os grupos armados.
Quero deixar claro que estes argumentos que mostram o lado político e social do Frente não são necessários para exigir o fim da tortura de Norambuena no Brasil, mas os utilizo para que o leitor esteja informado. Os direitos humanos valem para todos, atores de crimes políticos ou comuns, pessoas apolítica, membros da esquerda ou da direita, pessoas de qualquer idade e nacionalidade (a ideia de que um estrangeiro é um criminoso pior que o nacional é um preconceito do século XV, muito forte nos estados germânicos).
(Lembrem que os ativistas de DH protestamos contra o linchamento de Gaddafi e Saddam Hussein, apesar de ser os tiranos mais parecidos aos nazistas. Também consideramos um abuso a execução de Ben Bin Laden sem prévio julgamento, por um comando de assassinato dos EUA no Paquistão, especialmente quando al-Qā‘idah já era independente e ramificada e a figura de Laden não tinha mais influência.)
Embora este comentário seja irrelevante para este texto, parece claro que a luta armada de esquerda não deve oficializar-se, constituindo uma espécie de exército popular, porque a violência progressista só pode emergir de situações defensivas e organizar-se em movimentos democráticos, como fizeram os anarquistas na Espanha em 1936. Embora “El Frente” foi defensivo ao neutralizar vários torturadores e genocidas, ele formou internamente um sistema de quadros sujeitos a disciplina militar. Isto, como se vê em muitos outros países, leva aos que lutam pela liberdade a tornar-se formalmente parecidos com os militares profissionais, embora não cometam as mesmas atrocidades. Esta degradação da esquerda, se colocando no mesmo plano que as FFAA tradicionais, foi bem clara na Argentina, sem desconhecer que muitos de seus membros eram lúcidos e corajosos. Portanto, a defesa de Norambuena, que é caso típico de DH, não implica que aceitemos nem rejeitemos sua orientação política.

A Vingança das Elites

MHN foi a Cuba nos anos 90, onde teve algumas desavenças com Fidel Castro por causa do desvio do antigo roteiro socialista, e a falta de participação popular no governo. Finalmente, voltou ao Cone Sul e se radicou no Brasil.
Em dezembro de 2001, Norambuena, junto com um grupo de chilenos, colombianos, argentinos e brasileiros sequestraram um dos maiores magnatas da publicidade do continente, com o objetivo de obter um resgate que seria aplicado à luta guerrilheira em alguns países. O prisioneiro esteve em cativeiro durante 53 dias e ficou livre o 2 de fevereiro de 2002, quando a polícia assaltou o local onde estava sequestrado em São Paulo.
O artigo 148 do CP brasileiro estabelece uma pena máxima de prisão de 5 anos para autores de sequestro. Isto inclui até o caso de sequestro de crianças e doentes, e casos em que o sequestrado é ferido durante sua captura. Alguns raptores têm sido condenados a penas maiores, por outros motivos: por exemplo, porque o sequestrado morreu no ato de sequestro. Qualquer um que veja TV sabe que o sequestrado por MHN não morreu.
Apesar da animosidade da mídia, dos inimigos da esquerda brasileira, e da elite empresarial, nunca foi dito que o magnata tivesse recebido coação física, salvo a de estar encerrado quase dois meses num pequeno quarto. Quando foi liberado, deu uma breve entrevista à imprensa, e seu estado físico, pelo menos de longe, parecia normal. Em sua entrevista, o mais substantivo que disse é que descobriu que os raptores não eram brasileiros, porque ninguém falou nunca do Corinthians.
Apesar disso, Norambuena foi condenado a 30 anos. Não apenas a condenação é ilegal e desproporcional, como cruel e desumana, pois ela transcorre no que, com cínico eufemismo, se chama Regime Disciplina Diferenciado (RDD). Este é um método indireto de tortura sobre o qual já falei  aqui brevemente, e também está citado no artigo recente de Celso Lungaretti. O RDD é um método insano utilizado especialmente nas teocracias orientais, mas também em estados maniqueístas como os EUA e a Itália.
O RDD brasileiro é possivelmente o pior de Ocidente, se comparado com o sistema 41 bis da Itália e os outros conhecidos nas Américas. Ele foi resultado da modificação do artigo 52 da Lei de Execuções Penais pela lei nº 10.792
O RDD viola os acordos assinados pelo Brasil contra as penas cruéis, e contra a própria Constituição que proíbe os tratos degradantes. Além disso, ele só pode ser aplicado por até 360 dias, e no caso de Norambuena já se passaram mais de 3000.
Os interessados em manter o sistema, e negam a violação da Constituição dizem que manter uma pessoa isolada (incluso com limitação de suas capacidades cognitivas) não é cruel. (!!)
Além disso, o RDD foi instalado em 2003, portanto, MHN teve uma pena que não existia na data do crime.
Quero fazer algumas reflexões.
1.   Por que, se no Brasil se exalta aos que lutaram contra a ditadura com os mesmos métodos e eles/elas podem aceder aos cargos mais altos do Estado, seus equivalentes de outros países são perseguidos e torturados?
2.   O que faria o Brasil se tivesse um caso como o de Anders Behring Breivik, que matou quase uma centena de pessoas, mas a justiça norueguesa o está submetendo a um tratamento de restituição psicológica e, em vez de estar num fétido buraco, habita um apartamento dentro de um sistema prisional moderno, onde poder ler, escrever, usar Internet, etc.?
Bom...  pensando bem, talvez no Estado de São Paulo, Brevik receberia um prêmio. Ele é neonazista.

Sugestões

1.   A pressão jurídica e política no Brasil deve continuar, como se fez no caso de Cesare Battisti. Embora haja fortes interesses na tortura e eventual morte de Norambuena, como uma advertência aos que se insubordinam contra as elites, também é verdade que há vários juristas que lideram uma campanha contra o RDD. Nesse sentido, é importante manter contatos com um significativo setor progressista da OAB que combate o RDD e também com juízes progressistas.
Há consenso de que são os tribunais superiores os que devem julgar se esta moderna e indireta forma de tortura é constitucional.
2.            Uma prova de que o caso de MHN é uma vingança extrema é que nenhum chefe do Narcotráfico sofreu RDD por tempo tão longo.
3.            Portanto, junto com a pressão interna, deve ser feita pressão externa e buscar apoio.
1)  Pressão sobre a Comissão de DH da OEA e a Corte de Direitos Humanos da OEA (em San José de Costa Rica). Também denúncias circunstanciadas de tudo isso perante a ONU e outros organismos e ONGs internacionais.
2)  Procurar ajuda em Grupos independentes de direitos humanos no próprio Chile e na Argentina, pois ambos têm experiência em atrocidades do Estado.
3)  Redigir e publicar manifestos nas cinco principais línguas de Europa Ocidental.

Finalmente, a ajuda que o grupo reclama para MHN deve estender-se aos outros culpados por esse sequestro, que ainda amargam penas de prisão, mesmo que não seja num regime tão brutal.

Seria bom que os carrascos e neonazistas pensassem uma coisa bem singela: se a tortura, o genocídio e as masmorras medievais fossem eficientes, a Igreja teria dominado totalmente o mundo já no século XIII, e os ateus teriam desaparecido. Mas, aconteceu o contrário: surgiu a revolução Francesa, os Direitos Humanos e o socialismo. Um bumerangue. Talvez eles decidam continuar experimentando até que a população mundial acabe.

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