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sábado, 25 de agosto de 2012

CORREA & ASSANGE: PRIMEIRA VITÓRIA MAS NÃO ÚLTIMA








Correa & Assange: Primeira Vitória, mas não Última
Carlos Alberto Lungarzo
Prof. Tit. (r) Univ. Est. Campinas, SP, Br.
25 de agosto de 2012
Na reunião da Organização dos Estados Americanos de ontem, o governo de Rafael Correa e todas as forças progressistas da América Latina e do mundo, tiveram a primeira vitória no que pode ser uma longa e árdua corrida para liberar Julian Assange da caçada de bruxas lançada pelos Estados Unidos.
Equador não conseguiu, porém, que o termo “ameaça” (em referência ao ato de terrorismo verbal dos britânicos de sugerir que atacariam a embaixada) fora incluído no texto. Mas, esse detalhe semântico é menor, pois todos os países, incluso os EEUU, porém não Canadá, aprovaram o segmento onde se lembra a inviolabilidade das delegações diplomáticas e se insta ao UK e ao Equador a continuar as negociações. Os EEUU não votaram o ponto 4 no qual os países da América Latina declaram seu apoio ao Equador, mas ele foi aprovado por todos os latinos.
Jean-Luc Mélenchon, ex-candidato marxista à presidência da França foi fator decisivo no triunfo de Hollande, ao desequilibrar a balança da direita com 11,1% dos votos que ganhou no primeiro turno e repassou a Hollande no segundo. Ele propõe que a França se some aos países que apoiam a Equador contra ao Reino Unido. Este é um assunto complexo, pois a brava França sempre esteve dividida entre direita e esquerda, e  hoje o governo progressista é uma ilha no mar do neofascismo de uma Europa genuflexa aos EEUU. Mas é fundamental que os brilhantes ativistas franceses mantenham vigilância sobre o que acontece em Londres.
Embora a decisão da OEA possa parecer um triunfo pequeno, é importante que, após a reunião desta organização, o Reino Unido tenha diminuído suas brutais ameaças de invasão, que se apoiavam no Diplomatic and Consular Premises Act de 1987. Este ato foi aprovado para conter os ataques das embaixadas contra a sociedade britânica, e não para justificar a ação do UK contra as embaixadas que defendem os Direitos Humanos.
A motivação deste Ato foi o ataque de 1984 dos funcionários líbios da embaixada de seu país, contra uma passeata pacífica, durante a qual mataram uma jovem policial disparando jatos de metralha por uma janela. Curiosamente, os indignados ingleses nunca invadiram a embaixada líbia, e até Tony Blair teve a falta de decoro de reatar relações com Gadaffi algum tempo depois, sob a enorme crítica dos sobreviventes dos atos terroristas do demencial jagunço islâmico.
Agora, o UK não fala mais do famigerado Ato, e reforça seu interesse no caminho da negociação. Mas, isso não deve fazer levantar o alerta, com certeza. Hoje mesmo, um plano traçado para sequestrar Assange apenas assomasse um átomo de seu corpo fora da embaixada, vazou dos escritórios de Scotland Yard. Não era um plano muito secreto nem bem protegido, é claro, mas mostra que a imprensa não está disposta a se deixar amordaçar e não tem interesse em fritar Assange.
Mas, existem vários interrogantes que só podem ser respondidos por aproximação, com base em conjeturas:
1.     Por que William Hunt se apressou a pressionar Equador com ameaças tão truculentas e desconhecidas na história diplomática (salvo no caso de Irã) como a de invadir a Embaixada?
É quase certo que Hunt, Cameron e suas equipes tenham pensado, com bastante motivo, que os governos de América Latina são, em sua maioria, fracos e acomodados. Talvez eles lembrassem o caso de um refugiado político que deveu esperar quatro anos para que o governo do país em cujo território (e não embaixada) estava prisioneiro, recusasse sua extradição. Os ingleses devem ter apreendido que governos ambiciosos e sem escrúpulos não tem problema em negociar vidas humanas por vantagens econômicas e estratégicas, ás vezes ínfimas.
Mas eles erraram, porque Correa, junto com Evo Morales, Daniel Ortega e talvez algum outro, são exemplo de dignidade e humanismo.

2.     Por que os EEUU apoiaram parcialmente a resolução da OEA?
Os EEUU tentaram se opor à convocação da OEA com diversos pretextos, mas não tiveram sucesso. Quando, em 2007, Correa convocou a Organização por causa do ataque a seu próprio território pelos Estados Unidos e seus servos colombianos, os americanos se opuseram, porque aí eles estavam implicados de maneira óbvia. Aliás, argumentaram, naquele momento, que se tratava de uma ação antiterrorista.
Mas eles não podiam acusar Assange de terrorismo. Mesmo para a barbárie e cinismo da Casa Branca existe um limite. Eles não podem dizer que já têm um Grande Júri formado em Virgínia para condenar Assange, embora todo mundo saiba, e que há um forte movimento para executar o ciberativista. Votar em favor de Equador significa simular neutralidade e aguardar, na esperança de que os equatorianos relaxem e abram uma brecha para que algum comando britânico possa retirar o perseguido do edifício da embaixada de maneira silenciosa. Talvez possam usar o poderoso agente 007, mas temo que ele já esteja um pouco velho para ações que requerem muita ação e acrobacias.
Jornais e blogues financiados pela CIA e “companhias” fraternas se deleitam observando que a OEA não decidiu nada sobre o asilo de Assange. Mas, ninguém colocou a questão do asilo, e esse problema jamais esteve em pauta. Embora o asilo seja uma instituição universal do direito humanitário, as leis internacionais sobre asilo não obrigam o UK, porque os países Europeus não são signatários de nenhum acordo sobre proteção diplomática.
Mas, o Equador já disse que recorreria às Nações Unidas e ao Tribunal da Haia. Se, como esperamos, essa decisão é forte, e o governo Equatoriano resiste as veladas ameaças de parte da imprensa britânica (como o comentário do jornalista Will Grant da BBC Latino América, para quem “colocar mais gente no problema complicaria a situação”), ela pode ter um resultado de pressão. A Comissão de DH da ONU deveria condenar a ação do UK. Embora os imperialistas se importem pouco das condenações morais, também devemos reconhecer que o imperialismo não tem agora a mesma força que há 40 ou 50 anos, e que este neofascismo globalizado não pode ignorar totalmente as normas, como fez o 3º Reich nos anos 40.
No que diz respeito à International Court of Justice, de Haia, ela poderia tomar como referente o caso de 1950, Peru contra Colómbia, por causa do asilo de Víctor H. de La Torre.
A negação de salvo-conduto para Assange não é uma infração diplomática, já que a UK não está submetida à jurisdição internacional nesse ponto. Mas é um crime contra os direitos humanos, já que viola a Declaração Universal em seu artigo 14, onde garante que toda pessoa tem direito a pedir e desfrutar do asilo.
A Declaração não obriga a nenhum país a dar asilo. Contudo, se o perseguido conseguir o asilo de um país, esta lei outorga o direito a usar esse asilo. Mas, o UK está obstruindo o disfrute desse direito. Logo, o UK está se opondo a uma norma Universal (e não apenas regional) dos Direitos Humanos.
O único argumento que o UK poderia usar é que Assange está perseguido por supostos “delitos comuns”. Bom, mas então provem que existem esses delitos!
Até um estado fascisto-stalinista-delinquencial como a Itália pediu a extradição de Battisti acompanhado um enorme dossiê. As “provas” apresentadas no dossiê eram todas falsas, mas, pelo menos, teve a gentileza de “enganar” os que queriam ser enganados.
Nos próximos passos, várias entidades e pessoas tem um papel fundamental:
1.     A esquerda sueca, especialmente as feministas de esquerda. Elas podem ajudar muito se seguirem o caminho de Hellen Bergman, que é consciente de que  o embuste do estupro manuseia e deturpa a longa luta das feministas pelos direitos de gênero. Ela moveu um processo contra a misteriosa promotora Marianne Ny, cujo resultado é incerto.

2.     Os grupos de defensa cibernética, como o próprio Wikileaks e, especialmente, Anonymous. Eles têm mostrado bastante eficiência (que, no entanto, deve ser aprimorada). Esta réplica dos ciberativista é estritamente defensiva e pacífica, pois ninguém pode dizer que a destruição de bits ou instruções seja uma violência contra alguém. Não existe, que eu saiba, o genocídio de elétrons. (Que deveria chamar-se “eletrocídio”). Todos os dias, em nossos computadores “matamos” trilhões de inocentes bits. Por que não mata-los nos computadores que armazenam dados para matar seres humanos e destruir povos?

3.     E, obviamente, os países latinoamericanos. Em particular, a Argentina deveria pagar uma forte dívida que tem com o Equador. Apesar de ser um pequeno país, que não tira nenhum lucro de sua política externa, como fazem outros estados da região, o Equador apoiou a reclamação territorial da Argentina. Se o país austral moveu até um boicote contra o UK por uma causa mais do que discutível, sem repercussão alguma sobre os direitos humanos, deveria envidar um esforço pelo menos duplo para ajudar a tirar de sua prisão a pessoa que mais preocupa ao imperialismo em todo o planeta.

4.     Os seis prêmios Nobel da Paz, que pretenderam inutilmente serem recebidos por Cameron, para reclamar sobre as Malvinas. Eles deveriam pensar que a causa da transparência, a verdade, e a luta pelos direitos humanos são bem mais importantes que qualquer disputa por ilhas, penínsulas ou continentes inteiros. Salvo para os místicos do Blut und Boden, nunca a matéria inanimada pode valer o mesmo que as vidas.


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