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segunda-feira, 5 de março de 2012

Malvinas: Um Setor da Direita Britânica Apoia Entrega





Malvinas: Um Setor da Direita Britânica Apoia Entrega

Carlos A. Lungarzo
O cotidiano britânico The Daily Telegraph, fundado em 1855, com uma circulação diária de mais de 630.000 exemplares, publicou hoje (5 de março de 2012) uma pesquisa entre seus leitores cujos resultados se encontram em apuração no momento de escrever este artigo, mas que estão praticamente decididos. Nela (vide), entre 25.771 pessoas entrevistadas, 58% votaram que o UK deve render soberania em favor da Argentina, 28% disseram que deve conservá-la, e só 14% disseram que a decisão cabe aos ilhéus.
Há um detalhe interessante. Para quem não conhece o jornalismo britânico, é bom advertir que o Telegraph é considerado de maneira unânime um veículo informal do Partido Conservador inglês, a tal ponto que seu apelido na gíria londrinense é The Torygraph, ou seja, algo como “O Conservógrafo. Outros setores da direita contestam a fidelidade dessa pesquisa, mas, mesmo que ela não seja realmente científica, não há dúvida de que os leitores do Daily que apoiam a soberania britânica são minoria.
Isto pode parece esquisito. Acaso setores latinoamericanos que se percebem de esquerda (mas que, de fato, integram um tipo político que se pode chamar “social-nacionalista”), não dizem que o domínio britânico nas Malvinas é um ato de colonialismo? Por outro lado, todos sabemos que, salvo durante a curta transição do absolutismo monárquico à direita liberal no século 19, sempre o nacionalismo tem sido um distintivo da direita, uma forma de materializar a mística patriótica, como no Romantismo Alemão (Herde, Fichte, Schelling e outros), de atribuir concreção a formas de pensamento racista e excludente, como no fascismo, no falangismo, no nazismo e na direita violenta da Europa Oriental, e de encontrar um nexo sólido entre militarismo e religiosidade.
Entretanto, também sabemos que a direita não é homogênea. Aliás, é tão heterogênea que às vezes se fusiona com grupos que dizem ser de esquerda para formar frentes populistas e fascistoides. Embora as direitas tenham em comum um modelo autoritário e darwinista, nem todas elas são “principistas” ou “metafísicas”. Alguns setores da direita mais moderna são extremamente pragmáticos e não se importam com os símbolos e fetiches de sua própria ideologia, mas preferem privilegiar o lucro e o benefício pessoal.
Os leitores do Daily são da classe média e de um setor conservador do proletariado, que deseja maior bem-estar, e tem poucas preocupações por valores humanitários. Aliás, o leitor típico é um “conservador popular”, que considera os habitantes das Falklands como “cidadãos de segunda categoria”, o que, aliás, foi a tradição da direita britânica em muitos momentos, inclusive quando foi criada a expressão racista kelper (“comedor de algas”), hoje abandonada, para se referir aos Falklanders.
De fato, salvando talvez a distância do nível cultural, boa parte dos leitores do Telegraph têm muito a ver com a população “para-fascista” dos países subdesenvolvidos. A explicação é trivial: para um grupo populista na Europa, uma palavra de ordem que pode gostar a seus seguidores é: “não percamos dinheiro ajudando os ilhéus”. Para eles, os direitos dos “kelpers” são desprezíveis, e os conservadores se tornarão muito mais populares pedindo ao governo que feche o buraco na bolsa do orçamento das ilhas, e abandone um sonho de soberania típico da ultradireita mais rançosa e fanática. Com efeito, até agora e ressalvando o possível futuro “brilhante” do petróleo malvineiro, as ilhas só foram perda de dinheiro e de vidas para os britânicos.
Por sua vez, as massas fascistizadas da América do Sul, fascinadas pelos líderes carismáticos, o culto a personalidade, e a ilusão de uma identidade dada através do “heroísmo”, manifestam o mesmo desprezo, embora não por razões práticas: apenas por fanatismo e racismo. Ambos têm em comum a idéia de que os falklanders são lixo humano, como quase explicitamente disse o governo argentino.
Para os demagogos e a direita em geral da América do Sul, a criação de um foco de ódio contra alguém poderoso (hoje é o UK, mas poderia ser a França ou a Holanda, ou até o Japão) é uma maneira de distrair a atenção, de criar outra hipótese de conflito, e de manter a massa sob os efeitos de uma Emotionale Pest, como dizia a Escola de Frankfurt.
Fora da Argentina, as grandes massas parecem totalmente alheias as pretensões de seus governos de formar um grande eixo com Buenos Aires. Em particular, não se percebe nenhum interesse no assunto nos populares brasileiros, exceto, em alguns casos, de perplexidade pelas características algo “exóticas” do problema.
É claro que a razão não se demonstra por maioria, e por isso quase todos os plebiscitos são apenas atos de demagogia. Mas a maioria sim tem o direito de cuidar seus interesses. A maioria das pessoas esclarecidas suspeitam que a mobilização pró-Argentina no Brasil não passa de um circo (romano, não “du Soleil”), mas, se por acaso se tornasse realidade, o conflito poderia afetar também os populares brasileiros, que já são vítimas de excessivas injustiças como para arcar também com as alheias.

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