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sábado, 31 de março de 2012
OS OVOS DAS COBRAS
Os Ovos das Cobras
Carlos A. Lungarzo
Na década de 60 se consolida a
transformação de uma sociedade herdada do fascismo, da teocracia e do
absolutismo, num novo Ocidente que se propôs realizar os projetos de
emancipação, igualdade e solidariedade tão caros aos iluministas. Uma parte
ainda pequena desse projeto foi realizada, mas o preço foi muito alto: beirou-se
a guerra nuclear, se desenvolveu a guerra de Vietnam, e milhões de pessoas
sofreram repressão, tortura e morte. A chamada Guerra Fria promoveu golpes de estado e ditaduras em quase todo o
continente americano e, naqueles países onde os golpes não foram viáveis, como
o México, a brutalidade militar se fez sentir através do genocídio. (Refiro-me
à chacina na praça de Tlatelolco, na cidade de México, em outubro de 1968)
A América Latina e o Caribe tiveram
dúzias de golpes de estado e ditaduras desde o século 19, mas na década de 1960
triunfa no Brasil o mais paradigmático golpe da Guerra Fria e a mais influente
de todas as ditaduras da região. O papel do Brasil como principal aliado do
imperialismo americano confluiu, no dia 1º de abril de 1964 com tudo o mais
reacionário e truculento da sociedade: a herança integralista, a escravocracia,
o começo do Opus Dei, o coronelismo e
o sonho subimperialista, entre outras mazelas.
Não é que o golpe brasileiro tenha
sido o mais cruento. Em média, ele cobrou menos de 2 vítimas fatais por cada
100.000 habitantes no período 1964-1985, contra cerca de 130 na Argentina de
1974-1983, e por volta de 15 no Chile de 1973-1990.
Tampouco foi o primeiro dos grandes
golpes. A geração de meus pais sempre lembrou o golpe da Argentina de 1955, em
que aviões com a cruz católica e a expressão “Cristo Vencerá” atacaram as
favelas da periferia de Buenos Aires com “tapetes” de bombas que foram ouvidos
durante dias, e produziram um número de vítimas nunca calculado. O bombardeio
massivo da própria população é algo que só tinha sido visto antes em Guernica,
durante a Guerra Civil Espanhola. Mas este golpe não foi muito conhecido no
exterior, porque suas vítimas foram exclusivamente membros das classes
populares, e os intelectuais o apoiaram.
A ditadura brasileira, sem ser a mais
cruenta, foi a mais organizada, a mais longa e a que conseguiu maior suporte
dos países capitalistas e dos civis. Também foi a primeira amplamente conhecida
no exterior pela aplicação sistemática da tortura, embora o uso de tormentos
fosse já totalmente corriqueiro na Argentina, ao ponto que, em agosto de 1962,
o uso de máquinas de choque elétrico gerou um apagão na rede elétrica de Buenos Aires. Mas a direita brasileira
tornou a tortura uma espécie de profissão, estimulada pelos instrutores
americanos, o que, combinado com a grande resistência da esquerda, criou uma
imagem mundial altamente visível do terrorismo de estado brasileiro.
Brasil teve um movimento popular que se
organizava desde antes da Segunda Guerra, e uma onda riquíssima de cultura de
protesto que gerou peças de grande beleza, como os poemas de Chico Buarque.
Entretanto, a ditadura e seus aliados conseguiram se consolidar por causa da desmesurada
estratificação social e da vigência dos valores e praxes de uma sociedade
escravagista que nunca renunciou a sua matriz.
Novamente, o Brasil não foi o pior
cenário das Américas, e há quem diga que outros países da região têm ainda mais
miséria e injustiça, mas foi o modelo mais apurado de uma sociedade com uma
população pobre invisível. A ditadura
deu concreção e viabilidade ao desejo das oligarquias feitoras e das classes
médias emergentes: construir uma sociedade modernizada onde os projetos são
pensados para uma minoria branca, européia, formalmente educada, com forte
identidade monoteísta, que não ultrapassa o 15% do país.
Na Argentina, você sai à rua e pode
descobrir, procurando ao esmo, que uma pessoa de cada 6 ou 7 teve um amigo, um
parente, um ancestral, um colega, um vizinho desaparecido. A ditadura é uma ferida
sempre aberta que permitiu que quase 1% dos genocidas tenha sido julgado e
condenado. (Isto parece pouco, mas perfaz um grupo de mais de 100 altos
oficiais militares e policiais, e relevantes agentes civis e eclesiais). O
mérito de julgar os crimes militares foi de uma minoria corajosa de defensores
dos DH (As Madres e Abuelas de Plaza de
Maio e alguns outros), que lutou duramente contra políticos covardes ou
fascistas que queriam esquecer.
O esquecimento que se propôs na
Argentina entre os anos 1986 e 1990 foi ainda pior que o do Brasil. Políticos
de direita, mas também de centro, santificaram a amnésia dos crimes de estado
com um dos mais iníquos documentos conhecidos, a Lei de Obediência Devida. Esta não apenas mandava esquecer, mas
também tornava legítimas as atrocidades cometidas sob a disciplina militar,
premiando, além da crueldade, a covardia sempre inserida nos atos de
obediência. A situação começou a mudar em 2003, porque aquele grupo de
ativistas manteve viva sua luta durante duas décadas de escuridão, e conseguiu
influenciar o judiciário em 2005, quando estas anistias foram declaradas
inconstitucionais.
Não pode dissimular-se que, quase
sempre, um exército só é realmente derrotado
quando sofre um colapso nas mãos de outro exército ao qual considera “adversário”
na luta pelo poder. A ditadura argentina se desgastou, mas poderia ter
ressurgido de alguma maneira, aproveitando a tradição fascista da sociedade. Mesmo
sem apoio americano e com a oposição dos grupos de DH, poderia ter-se
“reciclado”. Isso não aconteceu porque os militares foram derrotados na Guerra
do Atlântico Sul. Embora eles fossem, após sua saída, julgados por iniciativa
de uma minoria, a maioria da sociedade
apoiou esse julgamento porque guardava enorme rancor pela perda das Malvinas, e
não pelas vidas humanas. Os observadores esclarecidos afirmam que, se os
militares tivessem obtido as ilhas, as grandes massas os teriam idolatrado
durante décadas, teriam repudiado a memória de suas vítimas, e teriam linchado
todos os defensores de direitos humanos.
No Brasil, uma singela comissão de
verdade, que apenas quer construir a historiografia correta e desfazer os mitos
e mentiras das gangues armadas, assusta os dignitários, melindra os partidos e
estimula a insolência castrense.
Negar o direito à memória é uma ação
infame e equivale simplesmente à censura. A memória é a que nos permite recuperar
os fatos passados e, se formos suficientemente rigorosos e tivermos a
informação necessária, conseguir identificar os inimigos e criar defensas contra possíveis
ataques futuros.
A defesa dos ataques inimigos é
essencial, porque (salvo em menos de uma dúzia de casos, como o da Suíça e da
Suécia) não existem forças armadas, sejam capitalistas ou socialistas, liberais
ou fascistas, de países pobres ou ricos, que respeitem os direitos humanos. O
caso já mencionado de México é crucial. Durante décadas, o exército mexicano
foi considerado “civilizado”, porque nunca tinha dado um golpe e seus quadros
sempre tinham respeitado a democracia. Mas, isso não impediu que, durante a
noite de Tlatelolco, cerca de 20.000 manifestantes pacíficos fossem alvejados
desde todos os cantos numa chacina cujo resultado foram 300 mortos. Observem que
quase nenhuma ditadura do pós-guerra exterminou essa quantidade de pessoas numa
única operação.
O exemplo de Costa Rica, um país
quase desconhecido na América do Sul (que muitos confundem com Puerto Rico)
pode servir de elemento de comparação. Este pequeno país vive em paz absoluta
desde 1949, quase sem repressão, e com o relativo bem estar que permite uma
economia modesta, porém bastante igualitária. A explicação é simples: após a
guerra civil de 1948, o governo dissolveu totalmente as Forças Armadas, e nunca
se cogitou sua reconstrução.
Mesmo durante a Guerra Civil na
América Central (1980-1986), Costa Rica preferiu a resistência pacífica contra
os mercenários antissandinistas que a invadiram, e não cogitou nenhuma recriação,
mesmo limitada, de suas forças armadas.
Pelo contrário, após da paz assinada
na ilha panamenha de Contadora, o governo da Costa Rica estimulou a Panamá a
dissolver seu próprio exército. Hoje, já são 19 os pequenos países que têm
eliminado suas forças armadas e, salvo o Haiti, que sofre a ocupação militar de
tropas falsamente chamadas de “forças de paz”, todos os outros, apesar de seu
pequeno tamanho e recursos estão entre os mais igualitários do planeta.
Atualmente, há um forte movimento, com grandes possibilidades de sucesso, para
dissolver o exército da Suíça, que poderia tornar-se o primeiro país
desmilitarizado de porte médio.
Em todos nossos países, a luta contra
o passado ditatorial, em favor das Comissões de Memória e dos Tribunais
Humanitários é essencial, mas deve ser acompanhada pela campanha pela
desmilitarização que já possui em Ocidente milhões de ativistas. Sem dúvida, se
esse projeto tiver sucesso, não será no curto prazo. Mas ficará para dentro de
quatro ou cinco gerações que serão muito mais felizes do que foram as nossas.
Na Costa Rica, por exemplo, ninguém celebra uma “festa” tipo
1º de abril. Pelo contrário, o dia mais popular do ano é o 1º de dezembro, DIA
DA DISSOLUÇÃO DO EXÉRCITO.
A humanidade deve esforçar-se para
fazer um omelete com os ovos das cobras que ainda ficam, antes de que sejam
chocados.
PAIS DE VERDADE-MARCELO ROQUE
sexta-feira, 30 de março de 2012
NO DIA QUE A LIBERDADE FOI-SE EMBORA
Por Celso Lungaretti
Puxando pela memória, só consigo me lembrar de que a TV vendia o golpe de estado em grande estilo, insuflando tamanha euforia patrioteira que os cordeirinhos faziam fila para atender ao apelo "dê ouro para o bem do Brasil!".
Matronas iam orgulhosamente tirar suas alianças e oferecê-las aos salvadores da Pátria, torcendo para que as câmeras as estivessem focalizando naquele momento solene.
Desde muito cedo eu peguei bronca dessas situações em que a multidão se move segundo uma coreografia traçada por alguém acima dela, com cada pessoa tanto esforçando-se para representar bem seu papel... que acaba parecendo, isto sim, artificial e canastrônica.
De paradas de 7 de setembro a procissões, eu não suportava a falsa uniformidade. Gostava de ver cada indivíduo sendo ele próprio, igual a todos e diferente de todos ao mesmo tempo.
E, na preparação do clima para a quartelada, houvera a Marcha da Família, com Deus, pela Liberdade. Aquelas senhoras embonecadas e aqueles senhores engravatados me pareceram sumamente ridículos.
Aqui cabe uma explicação: duas fortes influências me indispunham contra o patético desfile daquela classe média abasta(rda)da, que detestava tanto o comunismo quanto o samba, talvez porque fosse ruim da cabeça e doente do pé.
Minha família era kardecista e, quando eu tinha oito, nove anos, me levava num centro espírita cujo orador falava muito bem... e era exacerbadamente anticatólico.
A cada semana recriminava a riqueza e a falta de caridade da Igreja, contrastando-a com a miséria do seu rebanho. Cansava de repetir que Cristo expulsara os vendilhões do tempo, mas estes estavam todos encastelados no Vaticano.
Vai daí que, cabeça feita por esse devoto tardio do cristianismo das catacumbas, eu jamais poderia aplaudir um movimento de católicos opulentos.
E devorara a obra infantil de Monteiro Lobato inteira. Com ele aprendera a prezar a simplicidade, desprezando a ostentação e o luxo; a respeitar os sábios e artistas, de preferência aos ganhadores de dinheiro.
Mas, afora essa rejeição, digamos, estética, eu não tinha opinião sobre a tal da Redentora.
Escutava meu avô dizendo que, se viesse o comunismo, ele teria de dividir sua casa com uma família de baianos (o termo pejorativo com que os paulistas designavam os excluídos da época, predominantemente nordestinos).
Registrava a informação, que me parecia um tanto fantasiosa, mas não tinha certeza de que Vovô estivesse errado.
O certo é que os grandes acontecimentos nacionais me interessavam muito pouco, pois pertenciam à realidade ainda distante do mundo adulto.
Na canção em que Caetano descreveu sua partida de Santo Amaro da Purificação para tentar a sorte na cidade grande, ele disse que "no dia que eu vim-me embora/ não teve nada de mais", afora um detalhe prosaico: "senti apenas que a mala/ de couro que eu carregava/ embora estando forrada/ fedia, cheirava mal".
Da mesma forma, o dia que mudou todo meu futuro -- seja o 31 de março do calendário dos tiranos, seja o 1º de abril em que a mentira tomou conta da Nação -- não teve nada de mais.
Gostaria de poder afirmar que, logo no primeiro momento, percebi a tragédia que se abatera sobre nós: estávamos começando a carregar uma fedorenta mala sem alça, da qual não nos livraríamos por 21 longos anos.
Mas, seria abusar da licença poética e eu não minto, nem para tornar mais charmosas as minhas crônicas.
Os mentirosos eram os outros. Os fardados, as embonecadas e os engravatados.
SOBRE O INFELIZ ANIVERSÁRIO, LEIA TAMBÉM (clique p/ abrir):
PARA OS JOVENS SABEREM E OS QUE VIVERAM, JAMAIS ESQUECEREM
A LUZ PROTEGIDA: SENADOR SUPLICY: PROPOSTAS SOBRE CUBA E OS EEUU (D...
A LUZ PROTEGIDA: SENADOR SUPLICY: PROPOSTAS SOBRE CUBA E OS EEUU (D...: SENADOR SUPLICY: PROPOSTAS SOBRE CUBA E OS EEUU (Documentos relacionados)
quinta-feira, 29 de março de 2012
quarta-feira, 28 de março de 2012
O CIENTISTA MIGUEL NICOLELIS, SUBSTITUTO DE CRODOWALDO PAVAN NA ACADEMIA DO VATICANO, GANHOU MAIS UM PRÊMIO; Glória Kreinz
Cumprimentamos o cientista neurocirurgião Miguel Nicolelis, brasileiro aceito pela ACADEMIA DE CIÊNCIAS DO VATICANO para ocupar o lugar deixado por Crodowaldo Pavan. Sabemos que a poderosa e milenar entidade é norteada por conceitos práticos, filosóficos e científicos.Tem ganho vários prêmios, laboratório aqui e no Estados Unidos, e do Globo dia 27 de março recebeu "Faz Diferença".É justo estar na Academia do Vaticano, como Pavan.
Parabéns, senhores do Vaticano, parabéns Miguel Nicolelis. Cada passo seu é uma vitória do Núcleo Jóse Reis, de Crodowaldo Pavan, e derrota daqueles que compararam Crodowaldo Pavan aos mediocres, pensando que o que ele deixou pudesse ser substituído por insignificâncias.
Agora entendemos a frase bíblica: "Pai, perdoai, porque não sabem o que fazem". O Pai nem deve ligar, todos iguais, em nada diferentes, e nós só agora percebemos que também não pertencíamos ao mesmo nível. Pavan nos reconhecia. Parabéns Dr. Nicolelis.
terça-feira, 27 de março de 2012
MEU CORAÇÃO E MEU TECLADO ESTÃO AO LADO DOS JOVENS MANIFESTANTES
No início de 1970, quando a repressão do ditador Médici estava desembestada, foi-me passada uma nova aliada, que nem me lembro quais serviços andou prestando para nós da VPR.
O inusitado era a figura da mulher, uma idosa simpática e robusta, com ânimo invejável. Voz forte e calorosa. Gestos desinibidos, espalhafatosos. Jeitão de quem lidava ou lidara com as artes.
Simpatizei muito com ela. Mas, não tinha, nem de longe, a forma de ser e o discurso de quem apoiava a luta armada. Conseguia imaginá-la em passeatas, nunca na resistência clandestina.
Por mera curiosidade --dela não tive um pingo de suspeita-- indaguei o motivo de ter decidido nos ajudar. A resposta me deixou arrepiado, foi algo mais ou menos assim:
"Meu tempo de discutir linhas políticas já passou. Agora, tenho de acreditar nos jovens e apoiar o que eles estão fazendo. Vocês são nossa única esperança".
É como me sinto em relação às manifestações de protesto contra antigos torturadores, articulados pela internet e levadas a cabo pelo movimento Levante Popular da Juventude em sete capitais brasileiras, nesta 2ª feira (26).
Carregamos o bastão há décadas, era mais do que tempo de passá-lo às novas gerações. Devemos encarar sua entrada na luta como sopro renovador, coroamento dos nossos esforços e estímulo para perseverarmos: sabemos agora que o sacrifício dos resistentes dos anos 60 e 70 continuará servindo de inspiração para os que travam o bom combate e que nossos mortos continuarão sendo honrados quando nós mesmos já não o pudermos fazer.
Então, deploro a rabugice de Ivo Herzog, diretor do Instituto Vladimir Herzog, que fez questão de rechaçar os invasores de sua praia numa declaração, pra lá de infeliz, que deu ao jornal da ditabranda:
Então, deploro a rabugice de Ivo Herzog, diretor do Instituto Vladimir Herzog, que fez questão de rechaçar os invasores de sua praia numa declaração, pra lá de infeliz, que deu ao jornal da ditabranda:
"Sou contra esse tipo de protesto. Quem tem que dizer quem torturou é o poder público. A sociedade deve se manifestar, mas pichar a calçada das pessoas é vandalismo".
Era exatamente o que o pessoal do PCB dizia de nós em 1968, quando tudo fazia para convencer sua militância a manter a compostura, não se misturando com baderneiros.
Acontece que o poder público vem se omitindo covardemente, vergonhosamente, repulsivamente, desde 1985. Agora mesmo, é patética a demora para serem definidos os membros e empossada a Comissão da Verdade.
Então, meu coração e meu teclado estão ao lado dos jovens manifestantes.
E vou rir muito quando eles se posicionarem diante do Clube Militar do RJ em pijamas, debochando desses golpistas de outrora que insistem em enaltecer até hoje o despotismo.
Também aí o poder público está sendo extremamente omisso. Nos países civilizados, quem exalta o nazismo e nega o Holocausto é merecidamente processado e chega a cumprir pena de prisão.
Aqui se permite que exaltem quarteladas, façam apologia do terrorismo de estado e achincalhem heróicos resistentes com a maior sem cerimônia. (por Celso Lungaretti)
OUTROS POSTS RECENTES (clique p/ abrir):
A COMISSÃO DA VERDADE E AS CABEÇAS DA HIDRA
CUBA ENVERGONHA A REVOLUÇÃO. O PAPA ENVERGONHARÁ O CATOLICISMO?
CHICO ANYSIO, SONHOS E PERDAS
TUCANOS BATEM CABEÇA EM SP
O CRIME DO LUXEMBURGO NÃO FOI TÃO PERFEITO QUANTO O DO SARNEY
Um Novo Livro de Cesare Battisti
Carlos A. Lungarzo
No dia 12 de abril, Cesare Battisti e sua editora (a casa Martins Fontes), apresentarão a
primeira versão em português de seu novo livro, Ao Pé do Muro, no Rio de
Janeiro.
O evento contará com um painel de
debates, no qual estarão vários convidados, entre eles a tradutora Dorothée de
Bruchard (responsável também pelas outras duas traduções ao
português).
O encontro será realizado no dia 12
de abril, na sucursal da Livraria da Travessa
situada no Shopping Leblon (Av.
Afrânio de Melo Franco, 290, loja 205 A). O CEP e o telefone são,
respetivamente 22430-060 e (21) 3138 9600. A reunião está prevista para as
19:00 horas.
O livro já foi apresentado na versão
francesa no dia 7 de março, com o título Face au Mur, uma expressão que pode
referir, igual que em português, a uma situação na qual uma pessoa que vinha
fugindo de algo bate num muro que corta sua fuga. A expressão completa, que foi
cunhada no século 16 é “estar de cara ao muro e sem escala” ou, como é mais
comum em português, “estar contra a parede”.
Em minha opinião, isto possui um
significado especialmente interessante na obra de Battisti: agora será
necessário voltar à cara na direção do inimigo e lutar. Como sabemos, até o
final de 2010 não sabíamos se o escritor sairia vitorioso da luta contra os inquisidores
que o acossavam.
Tereza Cremisi, a presidente da
editora Flammarion, que lançou o
livro em francês, disse que ficou fascinada de que o autor tenha tido a
capacidade de falar do Brasil através dos prisioneiros brasileiros. Esta
representação da sociedade através de seus reféns jurídicos encontra sentido
num comentário que o próprio Battisti fez no Fórum Mundial Temático, em Porto
Alegre, no final de janeiro passado, quando se referiu à frase de Nelson
Mandela, de que a melhor forma de conhecer a sociedade é através de seus presídios.
Surpreende a coerência narrativa e
outros valores que eu menciono no prefácio, tendo em conta que esta obra foi
escrita em duríssimas condições: durante dois anos e meio, salvo em algumas
circunstâncias, Battisti deveu escrever a mão, escondido dentro da cela,
ocultando as folhas de papel e a caneta, porque, como é natural para a
mentalidade dos cérberos, ler e escrever tornam as pessoas mais dignas e, portanto,
mais perigosas.
Um comentador da edição francesa se
refere ao autor como um grande escritor, e indica o que considera os pontos
fortes do livro. Um é encontrar um Battisti inesperado; nas palavras do
resenhista, estamos longe do romance policial ou do relato de fuga; é uma
“história de amor e de trevas sob alta tensão”.
O segundo ponto é a visão rica e
vivente do Brasil, através de homens e mulheres considerados “inesquecíveis”. Suas
histórias são como “janelas abertas ao Brasil”.
O conteúdo do livro já foi relatado
duas vezes em eventos brasileiros (uma em Fortaleza e outra em Porto Alegre),
mas nunca tinha sido formalmente mostrado ao público porque, em ambas as
situações, a obra não tinha sido ainda impressa.
Para a vindoura apresentação,
Battisti gostaria de enviar convites pessoais a todos os que colaboraram na sua
libertação, e Cesare me pediu a mim a lista dos que assinaram contra a
extradição. Um traço muito forte do autor (traço pessoal, sem dúvida, mas que tem
a ver com a enorme solidariedade que caracterizou a real esquerda européia dos
anos 70) é seu profundo sentimento de gratidão, mas faço aqui um convite geral.
Com este livro, Battisti retoma
plenamente a fase de escritor de seus melhores tempos, interrompida pelo
sequestro policial de março de 2007. Esta não é exatamente uma nova etapa, mas
um estágio posterior da contínua obra cultural e literária do autor.
A fase do escritor e ativista
cultural e social substituiu o lutador armado há muito tempo, no começo de
1982. Ainda assim, nem os chacais italianos nem os brasileiros podiam
reconhecer isso, porque admitir que um homem é perigoso por seu pensamento, significa
reconhecer que o alvo atingido por esse pensamento é tão inconsistente que não
resiste a crítica.
segunda-feira, 26 de março de 2012
Chico Anysio Show
Chico Anysio, por todo seu talento e genialidade, merece
todo o nosso respeito e admiração.
Num universo de mediocridade televisiva, ele era uma das
raríssimas estrelas de primeira grandeza que reluzia ante
este cenário dominado pelas trevas
E foi provavelmente este seu intenso brilho que cegou
os olhos daqueles não acostumados a tamanha luminosidade
E por esta razão, o genial Chico foi afastado da Rede Globo
Os "burrocratas" alegaram na ocasião que a emissora deveria
passar por um processo de renovação, e isto significou o fim
do humorístico de Chico Anysio, pois segundo a visão estreita
desta gente, tudo que vem de longa data, é ultrapassado
O que eles não entendem é que o talento é atemporal
Se não fosse assim, hoje não mais admiraríamos as obras
de Charles Chaplin, Beethoven, Shakespeare, dentre tantos
outros
Mas não apenas a falta de sensibilidade dos executivos da
Globo foi responsável por sua saída, também pretendiam
transformar a televisão num entretenimento para acéfalos
E infelizmente, pelo que acompanhamos atualmente na maioria
das emissoras, eles conseguiram
Por fim, após sua morte, as inúmeras homenagens prestadas
pela Globo em seus telejornais e outros programas, me soaram
totalmente fora de contexto
Feito um filho que deixa a casa dos pais e passa anos sem dar
ou se preocupar em receber notícias dos mesmos. Mas ao saber
do falecimento de um deles, desmancha-se em lágrimas sobre
o caixão, tentando mais é convencer à todos ali presentes
do enorme amor que sente pelo pai
Como disse, Chico merece sim todo o respeito e homenagens
daqueles que o admiram como grande artista e pessoa, e não
as lágrimas de crocodilo de quem tentou ofuscar seu brilho
Brilho este que, felizmente, os engoliu
Marcelo Roque
domingo, 25 de março de 2012
sexta-feira, 23 de março de 2012
quinta-feira, 22 de março de 2012
MISTÉRIOS DE PINHEIRINHO
Mistérios de Pinheirinho
Carlos A. Lungarzo
Denúncia e Negativa de Mortes
Durante e após o massacre de Pinheirinho, foi difundida por um tempo brevíssimo a notícia de que haveria desaparecidos e mortos entre as vítimas da barbárie governamental.
O advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São José dos Campos, ARISTEU CÉSAR PINTO NETO, disse, no dia 23 de janeiro, que havia vítimas mortais da chacina policial.
Na entrevista a TV Brasil, Aristeu fez uma manifestação de grande força e consistência; não era, evidentemente, um simples “palpite”. Ele denunciou que várias crianças tinham sido mortas quando a policia entrou nas pequenas barracas onde as famílias estavam empilhadas, e jogou no interior o poderoso gás pimenta. Este gás, usado pelas polícias de vários países (especialmente o gás mais agressivo, o OC spray da marca MACE, que é algo como a Cola-Cola dos jagunços), já produziu a morte de algumas pessoas adultas e robustas. Lançado em grandes doses em ambientes fechados e mínimos produz irritação imediata e, se houver pessoas com alergias ou transtornos apneicos, pode ocorrer morte por asfixia ou por choque. No caso de crianças, pesquisas feitas em outros países mostram uma quantidade expressiva de mortes.
É insultar a inteligência das pessoas dizer que a polícia não sabe disso. No Brasil, onde o investimento em repressão policial é um dos maiores do mundo, as escolas de polícia conhecem o poder de todos os agentes “não letais (?)” usados, já que, como vocês podem ver no link acima, há numerosos estudos sobre os casos.
A declaração do doutor Aristeu ainda ecoava no ar, quando a seção da OAB de SJC apressou-se a refutar. Foi incrível neste caso a velocidade das burocracias, que sempre são chamadas de “lentas”. A entidade foi bem rápida: disse que só o presidente, Julio Aparecido Costa Rocha, podia falar em nome da OAB/SJC.
Rocha afirmou que, após a fala de Pinto Neto, foi conferir informações sobre mortos, mas não encontrou qualquer tipo de registro. Ele poderia ter deduzido esta disjunção: ou não existem os registros, ou ele não procurou não local certo, ou, então, os possuidores dos registros lhe negaram informação.
Ele não pensou na tríplice possibilidade, o que confirma minha suspeita da baixa qualidade dos cursos de lógica nas faculdades de direito. Ele tirou esta “dedução”: "A informação não tem fundamento”. Não preciso dizer que o presidente não disse quais foram os lugares onde tinha procurado os “registros”.
Outro detalhe curioso (porém menos que a súbita crise de pânico da OAB) foi a declaração da Agência Brasil de 6 de fevereiro. Seja por ação do governo federal que é o suposto “proprietário”, seja por decisão da EBC (ou de ambos), os diretores da agência apresentam uma retratação detalhada e muito extensa, sobre a notícia das mortes, publicada em 23 de janeiro, onde difundiam a denúncia do advogado Aristeu.
O leitor pode ler esta retificação com cuidado aqui. O estilo polido e culto da escrita torna mais fácil perceber várias coisas. Uma é que as satisfações dadas pela AB parecem muito exuberantes, tendo em conta que eles se limitaram a difundir uma notícia cuja fonte era conhecida, e era essa fonte, totalmente pública, a que assumia a responsabilidade.
No entanto, na metade do texto, lê-se o seguinte:
Neste caso, a denúncia estava publicizada (sic), não apenas em redes sociais, mas até na imprensa internacional, que, antes mesmo da Agência Brasil, já mencionava a suposição de mortes. No entanto, a gravidade da denúncia requeria ao menos outra fonte fidedigna que a corroborasse.
No primeiro parágrafo da matéria (vide no link) se deixa claro que a notícia esteve baseada na informação de Pinto Neto. Então... a autocrítica da agência é por não ter sido rigorosa, ou por ter sido enganada? Afinal, o que a notícia diz é que “segundo Pinto Neto, houve mortes”, e não que “é assertivo que houve mortes”. O curso de lógica de jornalismo é melhor que o de direito, mas mesmo assim não chega ainda a David Hilbert.
Outra coisa que se percebe, é uma fina e requintada intenção de ridicularizar a mídia social, tudo isso sem exageros nem palavrões; afinal, estamos lidando com um órgão federal. Os grifos são meus. Veja:
“Ao longo do domingo [22], sites de mídia social estavam cheios de relatórios APOCALÍPTICOS de um SUPOSTO "massacre" na comunidade. Um e-mail, enviado aos meios de comunicação internacionais, afirmou que havia relatos de que pessoas haviam sido mortas. A maior rede de TV do Brasil, a TV Globo, descreveu o despejo como "uma operação de guerra", publicou o jornal britânico, na segunda-feira (23), às 15h27.”
Essa mesma noite, depois de ter publicado a denúncia de Pinto Neto, a AB (segundo repete nesta longa retratação) esclarece que o prefeito de SJC negou a existência de mortos.
Como se isto fosse pouco, uma extensa e algo redundante matéria do dia seguinte insistia em que as autoridades negavam a existência de mortes. Então, era uma opinião contra outra, ou a opinião dos executores era a fonte “fidedigna” procurada pela Agência?
Bom, mas, então, o contraditório tinha sido feito. Pinto Neto fez uma denúncia e polícia, governo, prefeitura todos caíram encima. Não é suficiente amostra de escutar “a outra parte”, ou, melhor, “as múltiplas outras partes”? Mas, a AB seguiu com peso na consciência durante duas semanas.
Poderia esperar-se que, no dia 25 já tudo estava esclarecido. Então, porque em 6 de fevereiro se publica esta espécie de curso de ética jornalística, com grande e cuidadoso ênfase no mea culpa?
Obviamente, ninguém faria tanto alvoroço se o erro não tivesse sido comprometedor. A AB publicou singelamente a denúncia de Pinto Neto (que qualquer psicólogo de boteco percebe que provêm de uma pessoa angustiada que não acredita que em seu país se chacinem crianças como em Sudão).
O máximo que faria uma agência isenta, como o próprio Guardian que eles citam, é acrescentar à notícia do advogado a advertência de que “não apareceram provas matérias” ou coisa que o valha. Mas, a AB está acometida por uma exibição de honestidade inusitada nos melhores veículos o planeta. Não parece difícil conjetura o que aconteceu:
Ao falar em mortes, a AB atuou como qualquer agência que difunde a denúncia de uma celebridade, mas, por razões que desconhecemos, deve ter aberto os olhos das vítimas que perceberam que alguns vizinhos haviam desaparecido.
É bastante natural inferir que as altas esferas que controlam a informação devem ter ficado furiosas com a criatividade da AB, e exigiram uma super-retratação, para que a palavra “morte” sumisse da cabeça dos leitores. A manobra foi inteligente: vários líderes de movimentos sociais baseados em SP reconhecem que a publicação inicial da AB e seu posterior “arrependimento” criou uma sensação de insegurança e confusão entre os militantes.
Ainda mais chocante é que o Instituto Médico Legal, onde eventualmente poderiam estar os registros buscados tanto pela OAB como pela Agência Brasil, recusou não apenas a informação, mas também o ingresso de qualquer um que não fosse membro do aparato repressivo. Já mencionamos que (embora por outros motivos) o promotor público Jairo foi tratado com balas de borracha, e que o deputado Diogo, quando foi a um hospital a buscar vítimas, foi prendido pela policia que, finalmente, o deixou em liberdade.
Voltando à OAB, observemos que Costa Rocha ainda se deu ao luxo de sugerir uma ameaça: “[a OAB] vai analisar se algum tipo de procedimento será tomado contra Pinto Neto”.
A OAB só pode aplicar punições administrativas, mas ninguém sabe se estavam pensando nessas punições ou nas outras. Por sinal, os movimentos de DH aconselhamos sempre às pessoas proteger-se cuidadosamente e correr o mínimo possível de riscos. Ainda pessoas conhecidas (cujo assassinato seria mais difícil que o de um desconhecido habitante de uma comunidade) devem cuidar-se. Não apenas pelo bem de sua pessoa, mas pelo bem de sua causa.
Precisamos que dentro de algum tempo, se tivermos sorte, muitas dessas pessoas declarem junto ao Tribunal Penal Internacional e ante da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A imprensa se apressou a dizer que Aristeu não mencionou nomes de mortos nem lugares onde estes estariam. É óbvio: se você vê alguém morrendo num lugar onde há 6 mil pessoas, é difícil que você adivinhe seu nome, sobrenome, RG e CPF.
Quanto ao local dos cadáveres, talvez a maior parte do público possa formar-se uma idéia de clima de caos, terror e confusão de Pinheirinho, assistindo aos vídeos cuja difusão até agora não pôde ser impedida. Um campo de extermínio é um monte de corpos feridos, gritos, casas destruídas, objetos esmigalhados, animais mortos. Uma catástrofe humanitária é um fato de enorme brutalidade. Pedir que alguém diga: “havia um cadáver aqui, com coordenadas x e y, sendo às h horas pelo meridiano de Brasília” é uma infame provocação.
O advogado Aristeu Pinto Neto também denunciou que a polícia e a Guarda Municipal tinham lançado bombas ao esmo ao interior de uma igreja onde havia pessoas refugiadas. Obviamente, os jagunços estaduais negaram e, como há 20 séculos, a polícia acusou provocadores, vândalos, criminosos e outros.
O que foi possível saber, especialmente, depois de passados alguns dias, quando algumas pessoas saíram da região de Pinheirinho e estavam relativamente mais seguras, é que:
· A polícia ameaçou qualquer um que “contasse” algo do acontecido. Os detalhes das ameaças se ignoram porque, ainda 50 dias depois, as vítimas estão profundamente assustadas.
· A polícia sabe perfeitamente quais são as pessoas que viram os detalhes da carnificina. Lembrem que a PM tinha infiltrado alcaguetes em Pinheirinho. Esses espiões são usados para identificar as pessoas mais ativas e lúcidas e, sobretudo, as que agem como líderes comunitários.
· Após ter suas casas destruídas, seus familiares feridos e, em alguns casos, ter assistido a massacres, é natural que ninguém possa controlar o pânico. Nenhum de nós poderia. Portanto, quando a prefeitura foi “generosa”, oferecendo passagens para que as vítimas fossem embora da cidade, era evidente que deviam aceitar. Então, as pessoas que realmente viram as eventuais mortes devem estar bastante longe e, como bom critério, evitam falar no assunto.
Desaparições
De maneira difusa, vítimas do medo, dispersas, longe do que foram suas casas, algumas vítimas desta carnificina mencionam que algumas pessoas se “perderam” ou “desapareceram”. Não sabemos quem são nem onde estão essas pessoas, da mesma maneira que não sabemos quais são os mortos (nem mesmo quantos).
Vejamos o caso de JULIANA DANTAS, sobre o qual postei uma matéria curta e urgente em meu blog A Luz Protegida.
Juliana Dantas é (ou, quiçá, era) uma jovem afrodescendente, cuja idade exata se desconhece. Entretanto, diversamente a que eu pensei num primeiro momento, ela era maior de idade e, de acordo com as versões difundidas, ela era responsável por seu filho, e morava em Pinheirinho, longe de seus pais. Talvez tenha sido uma retirante de outro estado. Isso não está claro.
O que sim está muito claro é que teve uma criancinha, um garoto, pouco antes do massacre. Ou seja, no dia 22 de janeiro a criança poderia estar, no máximo, com alguns dias de vida, uma fase em que o corpo é extremamente vulnerável.
No dia 22 de janeiro percebeu-se que a criança tinha entrado em crise por causa do gás OC com que a polícia tinha saturado a região. Não é claro dos relatos se o bebê morreu na viagem ao hospital ou depois, mas há quem pense que já estava morto quando foi chamada uma ambulância.
A criança e a mãe foram transportados num veículo cuja placa não conhecemos, até o HOSPITAL MUNICIPAL DA VILA INDUSTRIAL, onde não se permitiu ninguém entrar. Juliana não ficou registrada na entrada ao hospital, mas isso aconteceu com todos os feridos de Pinheirinho. Aliás, nenhum dos feridos de Pinheirinho que estavam no hospital podia ser visitado, quem quer que fosse a visita.
As razões são, novamente, brutais:
· Ao não ter os registros, ninguém poderia depois dizer: “Os feridos de Pinheirinho eram 200, ou 300, ou 500”. Sem os registros, os algozes dizem que os dados sobre feridos são falsos. Mas, isto talvez não seja a razão principal. Afinal, no Brasil (especialmente, mas não unicamente, em SP) os jagunços têm todo o poder, e podem mentir à vontade. Mas, há também outro motivo.
· Entre os feridos, haveria, sem dúvida, pessoas mais irritantes que outras para a gangue estadual/local. Por exemplo, poderia haver pessoas mais informadas, que funcionam como líderes, com conexões com políticos e advogados progressistas. Se essas pessoas eram registradas ao entrar, mas depois não saíam, sua desaparição podia causar um incómodo (mesmo que fosse pequeno) à gangue repressora. Ora, se a pessoa entrasse sem registro e não saísse, ninguém perceberia nada. Fazer desaparecer um cadáver é especialidade de policiais e militares, embora pareça tarefa de coveiros.
Nunca mais se soube nada de Juliana Dantas. Será que, aterrorizada, abandonou a região com o cadáver de seu filho? Improvável. A polícia não permitiria o último conforto de uma mãe que é o de ter o corpo de seu bebê. Os nazistas faziam isso: separavam as mães de seus filhos mortos.
Será que deixou o cadáver de seu filho e fugiu? Pode ser. Todavia, há uma dúvida: numa ação tão brutal, por que a polícia teria poupado a vida de Juliana, que foi testemunha da morte de seu filho? A PM não é do tipo do lendário cowboy Hopalong Cassidy, que dizia ter uma marca na consciência por cada morte.
É fundamental que, mesmo com uma base mínima de dados, o caso se investigue ao máximo. É provável que os cadáveres não possam ser encontrados. Mas, as pessoas com maior imunidade, dentro do clima de terror desatado por estes psicopatas do Opus Dei, deveria oferecer alguma forma de proteção às testemunhas.
Sabemos que a cúpula do governo federal tem reagido com frieza a esta truculência. No máximo, usaram, em voz bem baixa, as palavras “barbárie”, “cenário de guerra” e “é um absurdo”, e alguns pediram desculpa em seguida. Mas, é possível que em escalões mais baixos a situação seja menos triste.
Uma nota final: a igreja católica e a protestante se recusam a aceitar doações para Pinheirinho. Temos, mais uma vez, a aliança entre a cruz e a suástica, como nos anos 30, 40 e 50. Como mostrarei numa matéria próxima, estamos em presença de um caso nítido de nazismo. A suástica não foi uma metáfora literária.
quarta-feira, 21 de março de 2012
AS DUAS PETIÇÕES PARA O CASO PINHEIRINHO
Pinheirinho: Duas
Petições
Carlos A. Lungarzo
Em alguns posts que enviei a minha rede nos últimos tempos, eu pedia aos
amigos que assinassem a petição pública encaminhada por um grupo de juristas
progressistas. Não os menciono nominalmente porque são vários e temo cometer
alguma injustiça.
Vocês podem ver os detalhes, e
assinar em
Também é importante que distribuam em
todos seus sites, blogs, ou mesmo aos amigos, conhecidos e outros contatos,
para obter o máximo de apoio possível.
O objetivo dos magistrados e dos
políticos e militantes de DH que os apoiam, é encaminhar uma denúncia por causa
dos crimes do Pinheirinho, à COMISSÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (CIDH)
da OEA, que, em caso de aceitar a denúncia (ou que é quase certeza), entrará
com uma denúncia na CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS de San José de
Costa Rica.
Ela fixará punições contra o Estado
responsável desta catástrofe.
Neste momento, a petição tem quase
9.000 assinaturas, mas os autores desejam chegar aos 50.000, que acredito seja
fácil, diante da repercussão do estrago, e as numerosas violações aos direitos
humanos registradas.
No começo de Fevereiro, quando foi
convidado à audiência pública da ALESP pelos deputados GIANNAZI e DIOGO, falei
com vários militantes, manifestando a minha convicção de que, além de levar o
caso á CIDH, ao Conselho das Nações Unidas,
e ao Conselho Nacional de Justiça, era importante levar uma denúncia
personalizada contra os PRINCIPAIS ATORES, ao TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
(TPI), que fica em Haia, mas não deve ser confundido com o Tribunal
Internacional de Justiça.
Junto com outros ativistas de DH,
abri uma petição pública no link http://www.peticaopublica.com.br/?pi=CRIM2012
na qual se pede apoio para pedir uma
investigação especial e o indiciamento das que parecem ser as 5 principais
figuras de repressão (embora haja outras muitas)
O Governador. O Presidente do TJSP. O
prefeito de SJC. A juíza de SJC. O secretário de segurança do estado.
Algumas pessoas me perguntaram se
abrir uma nova petição não significaria dividir esforços restando peso à
anterior petição.
Essa preocupação é muito natural e
por isso pensei sobre o assunto e estou respondendo aqui:
1) Dentro de minhas possibilidades, estou divulgando a petição dos juristas.
Como ativista internacional não tenho no Brasil, obviamente, o mesmo grau de
relacionamento dos atores locais que, além disso, são juristas. Por isso, estou
me limitando a acompanhar e ajudar a divulgar esse manifesto.
2) A idéia de abrir outro manifesto é porque o julgamento pelo TPI é COMPATÍVEL
com o julgamento da CIDH e da Corte-IDH.
3) A Corte-IDH condena os Estados. Por sinal, o Brasil já foi várias vezes
condenado por diversos atos. Por sinal, a Lei Maria da Penha foi aprovada
graças a pressão colocada pela CIDH.
4) O TPI condena pessoas, ou seja, emite um mandato de captura, e se o réu
passasse por um país que respeitasse o direito internacional e estivesse
filiado ao TPI, ele seria detido.
5) Aliás, na época em que eu propugnei essa possibilidade, vi que havia
opiniões condizentes de vários juristas de reconhecida erudição e até de
ideologias diferentes. Inclusive, um deles postou minha proposta no site dele.
6) Não há contradição entre as duas coisas. Você pode condenar o Estado por
permitir ou favorecer um crime, e condenar algumas pessoas por ter
planejado e executado esse crime.
7) Se, para algumas pessoas, for complicado assinar duas petições, PEDIMOS
QUE SEJA DADA MÁXIMA PRIORIDADE Á PETIÇÃO DOS
JURISTAS.
8) O motivo para ter aberto uma nova petição é este: pessoalmente, acredito
que os crimes de Pinheirinho justificam uma ação PENAL forte. Nem sempre os
denunciados ao TPI são grandes genocidas, responsáveis pela morte de milhares
de pessoas. Por exemplo, neste momento, os mexicanos estão enviando ao TPI o
Presidente do México, por causa dos ataques contra várias populações que ele
poderia ter proibido, segundo parece. (Até onde eu sei, Calderón se limitou a
permitir esses ataques, e não sabemos se realmente os planejou. Por tanto,
talvez sua responsabilidade seja menor que a dos atores do caso Pinheirinho).
9) Quero deixar claro que nossa petição só será preparada para
encaminhamento APÓS que a petição dos juristas seja considerada pronta.
Se os juristas aceitarem encaminhar ambas em conjunto, nos sentiríamos muito
honrados. Se não, a nossa será encaminhada apenas depois que tenha sido
encaminhada a dos juristas.
10)
De qualquer maneira, se houver alguns
assinantes da petição ao TPI que não estão incluídos, por algum motivo, na
petição à CIDH, nos sentiríamos muito felizes de transferir esses nomes à
petição dos juristas.
11)
Não quero criar a imagem de que os
ativistas internacionais nos regemos por critérios diferentes ao direito
humanitário normal. O que acontece é que a catástrofe de Pinheirinho tem várias
facetas, e cada grupo de pessoas pode variar na escolha daquela face que
prefere privilegiar. Pessoalmente, acreditamos que o objetivo da justiça não
deve ser “castigar”, nem, muito menos, vingar, mas EVITAR NOVAS TRAGEDIAS.
O direito humanitário não quer que o réu “sofra” como punição. Quer que ele
seja afastado de suas vítimas. Em SP há vários milhões de pessoas que vivem em
comunidades precárias, e pedir a captura dos autores deste crime pode ajudar a
moderar a barbárie em novos casos. Todos desejamos, obviamente, que NÃO haja
novos casos, mas não podemos ser ingênuos.
12)
Demorei muito antes de lançar esta
petição e me comuniquei com numerosas pessoas do Brasil e outros países para
trocar idéias. Nossa convicção é que uma ação do TPI pode ajudar a criar
“moderação” nesta verdadeira onda de brutalidade que sofre ou estado de São Paulo
(e outros, em certa medida).
Agradecemos a todos a boa vontade
dispensada a estes pedidos, enfatizando que os ativistas internacionais
consideramos a petição dos juristas à CIDH como prioritária neste caso.
Fraternalmente
Carlos A.
Lungarzo
AIUSA 2152711