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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Somos Cegos nas Mãos de Monstros



Somos Cegos nas Mãos de Monstros

Carlos A. Lungarzo

Até  as pessoas melhor intencionadas, os ativistas mais dedicados, os intelectuais mais lúcidos sofrem às vezes de miragens. Vemos erradamente (ou não vemos) a verdadeira dimensão das atrocidades contra a humanidade e contra a natureza que as pessoas que nos dominam cometem, os que nos governam com base no poder corrupto, no terror, em leis infames feitas para beneficio próprio, em tribunais chefiados por obscuros inquisidores e covardes linchadores.

     Quantas vezes temos falado, com sincera indignação, do massacre de Ruanda, do antigo genocídio nazista, do mais atual matadouro de palestinos? Quantas vezes juntamos contribuições, escrevemos artigos, demos palestras, encabeçamos passeatas, protestamos nas ruas?

     Mas... quantas vezes pensamos que as maiores atrocidades poderiam explodir perto de nossas casas, no estado mais cheio de dinheiro da América Latina, numa das cidades com maior riqueza per cápita do continente, numa sociedade snobe onde todos os dias se fabricam as engenhocas mais sofisticadas para uso de quem tem dinheiro?

     Pessoas sérias e pacatas choram no cinema ao assistir velhos filmes sobre Auschwitz, filmes mais modernos sobre a Palestina, filmes recentes sobre África, como Hotel Ruanda. Mas, agora, neste fatal final de janeiro e começo de fevereiro de 2012, para nós, que vivemos em São Paulo, todas as excelências do cinema 3D parecem antiquadas. Estamos num cenário infernalmente real:

     Durante anos, quase décadas, pessoas pacíficas e pobres, trabalhadores, mulheres e crianças, que foram lançadas na miséria pela voracidade das empresas construtoras, encontraram uma maneira de viver pacífica, construtiva, procurando a felicidade para sua família, levando seus filhos à escola, brincando com seus animaizinhos de estimação. Para tanto, transformaram uma região abandonada por um bando de mafiosos de alto poder, cujos terrenos ficaram esquecidos no meio a milhares de falcatruas de investidores e suas empresas fantasmas. Transformaram esses terrenos abandonados numa modesta, porém muito digna cidadela chamada Pinheirinho.

     Dentro das duríssimas condições de sua vida esse povo vivia tranquilo, quase feliz. Mas então acontece um fato... não é o primeiro, não é o que cobrou mais vidas: antes dele estão El Dorado, Carandiru, Vigário Geral, Candelária, as muitas Febéns...

     Mais perto ainda, formando uma sinistra corrente de ódio está:

O ataque á USP, governada por um burocrata medíocre, místico e vingativo, que só pensa em salvar sua alma, trucidando os corpos da juventude.

O massacre de dependentes químicos, vítimas das drogas produzidas pelo grão capital, distribuídas por redes com a participação e conivência de policiais e políticos corruptos, financiadas por Bancos que aparecem em várias listas das da DEA, para os quais nossos bancos públicos foram vendidos, a preço de banana, pelos governos falcões (quem insulta esses simpáticos pássaros chamados “tucanos”?)

E, agora, entre os muitos despejos que já houve no Brasil, dos mais intensos e devastadores que em qualquer outro lugar de Ocidente, o broche de sangue e de barbárie de Pinheirinho.

Pinheirinho expõe várias coisas: o lucro de empresas mafiosas para as quais uma onça de cimento vale mais do que milhares de vidas; os acordos espúrios entre prefeitos, governadores, juízes, unidos por interesses batizados com os nomes pomposos de “democracia”, “direito”, “livre empresa”, “determinação judicial”, etc.; e o enorme desrespeito à vida e aos direitos de milhares de homens, mulheres, crianças, idosos, doentes, enfim, de famílias, de seus animais de estimação, e de seus bens duramente conquistados ao longo de suas vidas. É uma enorme lição de brutalidade, contra movimentos de esquerda, que tentam levar até os pobres a consciência de seus direitos, para arrebentar essas lideranças até que não reste mais ninguém que possa falar.

     É um drama que só difere dos grandes crimes contra da humanidade no tamanho, mas isso é apenas questão de tempo. São Paulo não é ainda o Sudão, a Palestina, o Congo, mas chegará aí logo, se a humanidade não consegue deter esses monstros, sob cujo poder infame estamos indefesos como cegos, surdos, paralisados.



Os Atores


     Algumas centenas de bravos militantes, de políticos corajosos, de comunicadores alternativos têm decifrado o que está acontecendo, mas é necessário juntar as peças para entender o conjunto do panorama.

     Na imensa maioria dos países, a lei está feita para defender o direito de propriedade, os privilégios das elites e para dar-lhes armas para dissuadir, impedir ou arrebentar os excluídos. Mas, a democracia, conquistada historicamente a duras penas, foi permitindo que muitas pessoas se incluíssem e que essas leis fossem contemplando também o direito das pessoas comuns.

     Entretanto, isso não acontece no Brasil:

Há  uma lei contra a tortura, mas milhares de pessoas são torturadas todos os dias em delegacias, sem que ninguém deva responder por isso.

Há  uma lei contra o racismo, mas as condenações por discriminação racial podem contar-se nos dedos de uma mão.

Há uma lei que protege a mulher, mas quando uma esposa espancada vai oferecer queixa na delegacia, é abusada pelos policiais.

     Usando leis infames, aprovadas sem que a minoria honesta do parlamento possa pará-las, obtidas graças ao cambalacho e troca de favores entre os que decidem, aparecem agora os templários do Opus Dei. Mas eles não usam cilício: eles colocam o cilício nos outros.

     O governador invoca a lei. Os inquisidores dizem que deve se cumprir a lei. Os esbirros armados, sedentos de sangue, intoxicados pelo cheiro da pólvora e do sangue e também por suas péssimas condições de vida, saem nas ruas para cumprir a lei. Eis as consequências:

    • Durante 4 meses planejaram a maneira mais implacável de arrancar Pinheirinho da face da terra, no estilo típico do governo israelense, que passa máquinas sobre o terreno em que os palestinos têm suas casas.

o    O governo, a prefeitura de São José dos Campos, vários juízes, a patética juíza da vara cível, políticos mercenários, todos eles movidos por fios como marionetes dos banqueiros e incorporadores, fingem negociar. Estão ganhando tempo. Enquanto isso, os tribunais superiores abrem o caminho para eles.

o    Mas atacam antes, enquanto parlamentares se empenhavam e  conseguiam soluções adequadas que acreditavam estar em negociação. Os algozes não queriam e não querem negociação. Querem sangue daqueles miseráveis, cuja existência repugna aos carniceiros que habitam as luxuosas mansões paulistas.

o    O plano é destruir tudo, e destroem:

As pessoas são expulsas a bala: de borracha (da PM?) e de chumbo (da Guarda Municipal?);

Moradores são baleados pelas costas e feridos indiscriminadamente por coronhadas e cassetetes;

AS CASAS DE MAIS DE 1.500 FAMÍLIAS SÃO DESTRUÍDAS POR TRATORES E INCENDIADAS COM TODOS OS BENS, MÓVEIS, DOCUMENTOS, ROUPAS, MATERIAL ESCOLAR, MEDICAMENTOS, ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO, ETC. DESSAS 7.000 PESSOAS;

O defensor público é  recebido a bala;

Os juízes ignoram as negociações, rasgam os documentos, cospem no rosto dos defensores e ordenam os policiais que sigam o massacre.

     A polícia não precisa de estímulo: sua adrenalina cairá se não for alimentada por novas nuvens de pólvora e violência descontrolada contra seres humanos. É  o high speed síndrome que tanto preocupa nos países civilizados.

     Então, aquela ridícula e covarde caricatura das SS nazistas fere moradores, espanca crianças, estupra famílias, destrói tudo o que encontram. Sua demência assassina não se detém nem perante crianças, doentes e idosos, nem pessoas com dificuldades, nem indefesos animais de estimação. Eles têm síndrome de abstinência e todo ser vivo sacrificado servirá para saciá-los. Centenas de cachorros vagam famintos e feridos pelo cenário infernal de Pinheirinho. Milhares de brinquedos enlameados aparecem por todos lados, como aconteceu com os brinquedos que deixavam a crianças do Ghetto de Varsóvia.

São dois mil jagunços equipados como na guerra de Iraque, para combater 6000 pessoas desarmadas, vulneráveis, muitas delas doentes e impedidas, numerosas crianças e bichinhos domésticos. Os covardes mercenários descarregam o ódio de suas miseráveis almas (se é que têm) em pessoas indefesas. Para eles, é como uma equipe de químicos colocando veneno num formigueiro. É uma reedição do nazismo, do terrorismo de estado do oriente médio, de Ruanda e outros cenários que imaginamos afastados, que pensamos que são de outro lugar e de outro tempo.

E aqui aparece a sombra do mais pérfido e oculto dos atores: o fabricante, comerciante, traficante ou idealizador de armas. Esse resíduo da humanidade é o que se enriquece com o surgimento de uma banda de assassinos legais cada vez mais feroz e sem limites.

Alguém pode descrever o que sentiu ao assistir ao vídeo em que uma juíza bajula a ferocidade da ROTA e se orgulha de sua eficiência letal? Quem pode conter a ânsia na frente de tamanha insanidade?

O corajoso legislador Adriano Diogo é detido por ordem de... um médico que o quer punir por tentar saber o estado dos numeroso feridos. Porque ele não trabalha para a saúde, mas para manter o terror entre os feridos pela polícia, e fazer com que eles apanhem o máximo possível. Nega-se assistência médica aos doentes, nega-se o contato com as famílias, obriga-se a comer alimento podre aos desabrigados, chovem pancadas e ameaças.

Como cume do cinismo, oferece-se às vítimas, uma esmola para pagar o aluguel dos buracos onde deverão viver, após ter sido destruídas suas casas.

Até uma semana atrás, havia quase 700 denúncias de abusos. Não sabemos quantas são hoje. As denúncias de Suplicy sobre abuso sexual, cinicamente negadas pelo secretário de segurança e a PM, aparecem cada vez mais concretas, mais palpáveis.

     Estamos, agora sim, cara a cara com a realidade. Muitas vezes falamos de “elite”,  “capitalismo”, “imperialismo”, “exploração”. Agora temos, em nossas cidades, junto de nós, massacrando seres humanos e rindo de nossa cara, o verdadeiro nazismo, que, como já disse o genial economista Paul Samuelson, reaparece sob a forma de fascismo de mercado, ou seja: o neoliberalismo.

     Pinheirinho não é massacre de Gênova 2001, nem a resistência de estudantes do Chile, nem a brutalidade policial da Colômbia.

     Pinheirinho é um modelo do verdadeiro crime contra a humanidade, numa sociedade cuja democracia, puramente nominal, puramente literária, reduzida a alguns símbolos e chavões em juridiquês, esconde uma sociedade escravocrata, dirigida por verdadeiros monstros, bajulada pela mídia que se aproveita da ingenuidade e estimula a ignorância dos leitores e expectadores para convencê-los das maiores mentiras. É uma mídia mercenária, mentirosa, vulgar, que em sua maioria semeia o ódio, que coloca o país do pré-sal entre os maiores produtores de lixo impresso.

     Para que existe a democracia? Não é para as pessoas? Ou é apenas um sistema para que, protegida por leis forjadas pela própria elite, a parte mais violenta dessa elite possa trocar vidas por moedas!

     Pinheirinho não está nas Américas. Pinheirinho é Gaza, é Soweto, é Sudão, é Somália. E evoluirá como elas se não juntarmos forças para impedir esse processo.

A Resistência


Nossas armas são puramente morais. Se em Pinheirinho alguém tivesse disparado, apenas por desespero, uma bala de festim, os monstros fardados não teriam deixado nada vivo: nem adultos, nem crianças, nem animais, nem plantas. Teria sido o pretexto perfeito. Aliás, eles tinham todo o estímulo de juízes, de tribunais, de desembargadores, dos carrascos que não usam capuz nem machado, mas toga e computador.

Mas, nossas armas morais são fortes. O problema é que não as estamos usando. Temos uma grande sorte: embora o Brasil viva no século 19, há muitos países que vivem no século 21. Não importa se eles têm ou não “pré-sal”, se têm ou não as maiores fontes de água doce. Mas, eles possuem, apesar da corrupção e cambalacho que, em diversa medida, existe em quase todos os lugares, o respeito à legislação humanitária internacional, que não é pouca e que protege as vítimas de Pinheirinho e poderia julgar seus algozes.

Por isso, se quisermos que esta catástrofe não aumente, se quisermos evitar crimes cada vez maiores, levemos todos estes criminosos de lesa humanidade ao Tribunal Penal Internacional. Afinal, todo humanista, toda pessoa progressista, toda verdadeira esquerda, é internacionalista.

Os réus não são muitos: as cabeças do governo, do judiciário, da prefeitura, da policia, e os juízes que interviram de maneira direta na catástrofe. Seus servos e aduladores virarão impotentes se seus patrões são rendidos.

Temos a Internet: façamos campanhas de boicote contra a mídia de esgoto. Convençamos a nossos parentes e amigos menos esclarecidos a suspender sua assinatura àqueles veículos coprófagos.

Os adultos brasileiros têm o voto. É óbvio que não é uma pequena elite de 5% da população que vota na direita. Muitos populares enganados o fazem. Abram os olhos daqueles populares.

Boicotemos as drogas: os entorpecentes são o grande negócio de algumas lideranças políticas que apoiam estes massacres.

Aumentemos a propaganda Internacional. Hoje já ultrapassamos o milhão de páginas de Internet em inglês que denunciam o caso de Pinheirinho. O governo federal quer elevar a nível mundial a imagem do país, mas é importante que existam valores reais, méritos autênticos para justificar essa imagem. Se quiserem que o Brasil prevaleça, devem tomar lado definido (e não apenas murmurar temerosamente palavras de crítica) contra os esgotos políticos que há em seu interior. Que país quer ser famoso e respeitado por proteger crimes contra a Humanidade?

Formemos esquadras de resistência pacífica. É verdade que isso é um risco, mas sabemos que temos a coragem, o amor pela humanidade e a solidariedade. Ninguém é eterno, e é melhor morrer por uma causa nobre que viver como coelhos assustados por um bando de místicos sanguinários.

As petições para processar o governo, a justiça, a prefeitura e a polícia devem aumentar. Se realmente nos preocupa a questão, façamos o mínimo: assinar petições!


Este texto não é um desabafo. Pretende ser um esquema de programa de ação.

Construamos um frente contra o terrorismo de estado, antes que seja tarde demais.


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