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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

OS CINCO CUBANOS NÃO SÃO HERÓIS MAS, SEM DÚVIDA, INJUSTIÇADOS

Por Celso Lungaretti
Linchamentos judiciais devem ser sempre combatidos,
mas heroicizar agentes secretos é um exagero nocivo
O companheiro Jacob Blinder, principal divulgador das políticas bolivarianas em nosso país, pede-me que "aborde o tema dos Cinco Heróis cubanos, presos injustamente nos Estados Unidos", pois, segundo ele, eu possuiria "grande penetração junto à opinião pública".

A última afirmação é exagerada, claro. "Grande penetração", por enquanto, só tem quem dispõe das tribunas da grande imprensa, que estão cada vez mais fechadas para mim --tanto como profissional quanto como personagem histórico até hoje envolvido com os assuntos impactantes do noticiário.

A existência do território livre da internet impede o  macartismo que não ousa dizer seu nome  de nos reduzir à invisibilidade --é o caso também do próprio Jacob, do Laerte Braga, do Rui Martins, do Carlos Lungarzo e de tantos outros articulistas de esquerda com trabalhos marcantes. Mas, confinados no espaço virtual, nossa defesa das boas causas repercute bem menos --e é isto que almeja o sistema.

Quanto aos agentes da inteligência cubana presos nos Estados Unidos desde 1998, foram mesmo injustiçados, daí ser desejável que a presidente Dilma Rousseff interceda por eles junto a Barack Obama.

No recente Fórum Social Mundial, o senador Eduardo Suplicy se comprometeu a tratar do assunto com Dilma e a fazer um pronunciamento no Senado; com a penetração que eu tiver, grande ou pequena, coloco-me inteiramente ao lado do Suplicy quanto a que eles devem ser libertados o quanto antes, para retornarem a seu país sem restrições de nenhuma espécie.

Os EUA, que tanto faturam com o filão dos filmecos de tribunais, passam a vida estuprando a Justiça, como fizeram no Caso Sacco e Vanzetti: mesmo sabendo que os anarquistas italianos eram inocentes de um assalto com duas vítimas letais cometido por criminosos comuns, levaram até o fim a farsa judicial e até deram sumiço nas provas contra os verdadeiros culpados. [O governador do Massachussetts, 50 anos depois de sua execução, proclamou oficialmente a inocência de Sacco e Vanzetti.]

ACUSAÇÕES INVENTADAS PARA AGRAVAR O CASO

O que realmente havia contra os cinco era estarem espionando os exilados cubanos e tentando infiltrar-se nos seus círculos, para prevenir os atos de terrorismo que os gusanos  estabelecidos em Miami desfechavam contra Cuba. A resposta costumeira a tal delito é a mera expulsão.

Mas as autoridades estadunidenses, com sua habitual tendenciosidade, agravaram o caso inventando outras acusações, que foram ruindo como castelos de cartas ao longo do tempo.

O primeiro a ser solto, René Gonzales, encontra-se há quatro meses em regime de liberdade supervisionada; depois de haver passado 13 anos no cárcere, ainda ficará impedido de voltar ao seu país até outubro de 2014.

Espero que, desta vez, os EUA não façam sua  mea culpa  só cinco décadas depois que eles tiverem morrido. A palhaçada já foi longe demais; tem de acabar.

Só não concordo com o rótulo de  heróis  aplicado a policiais que vão dissimuladamente a outros países para atuarem como agentes infiltrados. Mesmo inexistindo sangue em suas mãos, fazem lembrar demais a Operação Condor, o assassinato de Orlando Letelier e outras abominações dos  anos de chumbo.

Para mim, seja qual for o regime que a utilize e o fim objetivado, a espionagem é uma atividade vil.

E, ao contrário dos utilitaristas (para os quais os fins justificam os meios), os revolucionários acreditamos, isto sim, na interação dialética entre fins e meios. Há expedientes que não podemos utilizar, mesmo que o inimigo os empregue contra nós, sob pena de aviltarmos nossos ideais.

Para não deixar a impressão de que considero tralha cinematográfica a totalidade da produção de Hollywood, lembro um filme no qual o dilema foi bem  colocado: Perseguidor implacável (1971), o primeiro da série  Harry, o sujo.

O inspetor interpretado por Clint Eastwood baleia um sequestrador e, para obrigá-lo a confessar o local no qual mantém encarcerada uma adolescente ameaçada de morrer por asfixia, pisa em seu ferimento.

O grande diretor Don Siegel vai distanciando a câmara daquela cena hedionda, até que ambos se tornem pontinhos na tela; foi sua maneira de expressar o repúdio das pessoas civilizadas à tortura. E, adiante, ficamos sabendo que de nada adiantara, pois a jovem já estava morta.

Há sempre uma justificativa ou uma atenuante qualquer para se ultrapassar a fronteira entre a civilização e a barbárie, o certo e o errado, o digno e o indigno.  

Então, a regra de ouro foi expressa pelo velho juiz protagonizado por Spencer Tracy, noutro filme que se constituiu em louvável exceção: Tribunal em Nuremberg (d. Stanley Kramer, 1961). Indagado sobre quando começou o desvirtuamento da Justiça alemã  sob o nazismo, ele responde: "Foi no dia em que o primeiro juiz condenou o primeiro réu que ele sabia ser inocente".

É imperativo voltarmos a ser os que não abrem o precedente dúbio, ao qual segue-se a banalização da dubiedade. Por maior que seja o preço a pagar, cabe a nós personificarmos a alternativa à geléia geral na qual conveniências amorais e imorais são colocadas à frente dos princípios. Ou não haverá para o cidadão comum nenhum símbolo visível de que outro mundo seja possível.

Concluindo: os agentes secretos cubanos foram injustiçados, então têm de ser libertados e devemos nos mobilizar em favor de sua libertação.

Mas, não representam exemplos que devamos louvar e nos quais possamos nos espelhar. Muito pelo contrário.

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