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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

MALVINAS 03: A GUERRA DE 1982





Malvinas 03:

A Guerra de 1982

Carlos A. Lungarzo

Em 2 de outubro de 1982, estando a Argentina sob o mando do ditador Fortunato Galtieri, foram enviadas tropas para atacar as Malvinas, após de algumas semanas de tensão ao redor do arquipélago. Episódios confusos, protagonizados aparentemente por civis que tinham hasteado bandeiras argentinas na área oficialmente controlada pela GB, criaram uma clima de hostilidade e insegurança que culminou com o desembarco de infantaria argentina, auxiliada por aeronaves e navios de guerra.

Sem ter uma verdadeira força defensiva, o governador se rendeu imediatamente. A infantaria argentina, estimada em uns 10.000 homens se estendeu por toda a ilha, e tomou posições que visavam conter qualquer tentativa de contra-ataque. A complicada e abrupta topografia das ilhas, unidas ao clima frio e aos ventos do outono austral, favorecia a disposição da infantaria em condições de baixa vulnerabilidade. Este fato fez com que alguns oficiais britânicos e norte-americanos advertissem que a recuperação das ilhas por GB seria uma “missão impossível”.

A opinião pública internacional, que tinha mostrado indiferença pelos crimes dos militares argentinos, começou a preocupar-se ao perceber que os planos da ditadura não poupavam nem os grandes líderes da ultradireita mundial: o presidente americano Ronald Reagan e a premiê britânica Margaret Thatcher.

A Ditadura Militar


A 6ª e última ditadura argentina do século 20, que dominou o país de 1976 a 1983, foi um processo de singular truculência, que admite comparação com poucos fenômenos similares recentes nos países ocidentais. Com efeito, se excetuarmos o nazismo entre 1933 e 1945, e o franquismo espanhol em toda sua história, este processo é o mais sanguinário, violento e destrutor do século neste hemisfério.

Pela proporção de vítimas (cerca de 18 por 10.000 da população nos primeiros 5 anos), esta ditadura excede qualquer outra das Américas ou a Europa, incluídas as de Guatemala e El Salvador dos anos 80, e obviamente a do Chile (cerca de 3 por 10.000 nos primeiros 11 anos). Quanto à  crueldade de seus procedimentos (mortes por torturas lentas, eviscerações de mulheres grávidas, mutilações, desaparição de crianças, estupro de cadáveres e outras atrocidades) ultrapassa as sevícias aplicadas oficialmente pelas SS, e até as de alguns grupos nazistas independentes.

Seu sadismo impressionou a pessoas de ultradireita, como o atual chanceler argentino, Héctor Timerman, que em 1976 estreou como jornalista com uma campanha de bajulação aos militares que acabavam de dar o golpe. Entretanto, quando, um mês depois, os algozes sequestram e torturaram seu pai, o atual paladino das Malvinas na ONU se converteu bruscamente num militante de Direitos Humanos.

A clave da crueldade dos militares argentinos, desconhecida em Ocidente salvo durante a Inquisição, parece ter suas raízes no fanatismo religioso, nacionalista e racial de uma sociedade que não experimentou miscigenações significativas como no resto do continente, e com frequência se proclamou como uma nova geração de cruzados, a última reserva de um exército cristão no mundo.

É sobretudo o exacerbado chauvinismo o que explica uma invasão e uma resistência tão violenta, como não se tinha visto durante o século no caso de reclamações territoriais puramente simbólicas. Com efeito, disputas banais (porém, menos que esta) sobre fronteiras ou soberania houve mais de 300 no século 20, e nenhuma foi abordada dessa maneira.

Equivocam-se os que comparam o ataque às Malvinas com a ocupação dos Sudetes por Hitler. Essa região tcheca tinha milhares de habitantes alemães que realmente queriam a fusão com a Alemanha, enquanto os falklanders repudiavam a idéia de ser governados por argentinos.

Forçando o Conflito


O ataque a Malvinas de 2 de abril foi totalmente forçado. A teoria mais comum entre os analistas políticos é a conhecida fórmula de que estes atos bélicos são manobras diversionistas para ocultar problemas internos. Neste caso, isso teria sentido, pois a ditadura estava afundada numa grande crise econômica, mas esta crise não era pior, porém, da que tinham acontecido durante outros governos, militares ou civis, como, por exemplo, a devastadora hiperinflação de 1976.

 Acredito que essa necessidade de diversionismo faz parte relevante da explicação, mas também deve considerar-se a convergência de outros motivos.

Em 1982, os militares argentinos já tinham passado por todo tipo de delirium tremens. Na política exterior, tinham ameaçado o Chile com uma invasão, o que ninguém duvida que teria acontecido se não fosse pela intervenção do Papa, que não queria uma luta entre suas duas pombas de estimação: a ditadura argentina e a chilena. Além disso, a Argentina tinha rejeitado a colaboração militar com EEUU, como repúdio à política de Direitos Humanos de Jimmy Carter, apesar de que as críticas de Carter as ditaduras, embora sinceras, eram muito tímidas.

No plano interno, os militares tinham feito desaparecer milhares de pessoas, e gerado entre 800 mil e 1,4 milhão de exilados. Em 1978, as organizações de direitos humanos começaram a difundir o número de 30.000 desaparecidos e essa estimativa se tornou um lugar comum nas estatísticas informais. Entretanto, cruzando diversos documentos desclassificados desde essa época, e comparando relatórios americanos, europeus e até dos serviços de inteligência chilenos, se conclui que esse número deve ser muito maior, talvez acima de 40.000.

Entre os desaparecidos, havia centenas de crianças, mulheres grávidas, doentes, e também estrangeiros e até altos funcionários. Mas, o mais surpreendente era a tortura, morte e desaparição de jovens filhos de altos oficiais e de civis que tinham sido subservientes importantes da casta militar. Como entender que aquelas castas que se consideravam sagradas destruíssem seus próprios filhos e os filhos de seus principais aliados?

Para uma gangue nutrida no opus dei e nas formas mais sórdidas da superstição e o misticismo, foi um grande exagero fazer desparecer alguns religiosos e freiras, dentro da ínfima minoria da Igreja (aproximadamente, entre 15 e 2%) que discordava com os valores e/ou procedimentos da ditadura. Supõe-se que o Papa e seus colaboradores tinham autorizado esses procedimentos.

A escolha de vítimas não se deteve ante o sequestro de estrangeiros e, apesar de que alguns países se mostraram indiferentes e outros colaboraram, alguns dos estados mais democráticos consideraram a desaparição de seus cidadãos uma afronta radical. Dos 32 países que tiveram vítimas produzidas pela ditadura argentina, a Alemanha, a Itália, a França e até (tempo depois) a Espanha perseguiram judicialmente a ditadura. Já a Suécia, que teve sequestrada e morta uma adolescente de 16 anos, Dagmar Hagelin, filha de um cidadão sueco, se empenhou durante anos para punir os assassinos e ainda hoje mantém ordem internacional de captura contra eles.

Mesmo que guerras e problemas territoriais sejam assuntos políticos, nem sempre relacionados com a doutrina dos DH, sua análise em nosso contexto se justifica observando as estreitas conexões que existem entre a invasão e o terrorismo de estado praticado pelos militares, num leque que abrange todos os sentidos possíveis: a invasão foi a extensão do processo de repressão do ambiente nacional ao espaço internacional, foi uma eclosão de delírio de linchamento da enorme maioria da população contra os ingleses, e foi também uma refutação da errada crença de que os políticos e a massa argentina eram sensíveis aos DH.

De fato, salvo a organização das Mães de Praça de Maio, que foram ameaçadas de morte pela ralé enraivecida, e alguns pequenos partidos de esquerda sem representação eleitoral, todas as forças de centro e de direita (na Argentina não existe esquerda significativa desde 1945) apoiaram a invasão como se fosse o grande orgasmo coletivo que a puritana vida do país não permitir ter normalmente.

Dos chamados radicais, membros de um partido da classe média acomodatícia, famosos por seu histórico de cambalachos, apenas uma seção (a dirigida pelo futuro presidente Alfonsín) se mostro contrária a guerra. Mas, não foi por nenhum sentimento democrático. Quase vinte anos após, Alfonsín disse: “eu sabia que íamos perder”. Os peronistas, dos quais os militares se diziam inimigos (embora, realmente, só uma parte o fosse) foram os mais exaltados defensores do “feito”.

Um fato importante é que a guerra coloca em evidência um antigo projeto argentino, cuja concretização teria significado uma violação ao artigo 15 da Declaração Internacional de DH: outorgar nacionalidade coercitiva aos ilhéus. Dos 1830 habitantes das ilhas, apenas 31 tinham passaporte argentino. Os outros falklanders eram de linhagem britânica, e mais da metade provinha de ancestrais radicados havia seis gerações.

Além de racista, a frase “população artificial”, usada na Argentina contra os falklanders, está desprovida de sentido: o arquipélago é o único local da América do Sul onde nunca houve indígenas, o que descarta que a ocupação por colonos no século XIX fosse um ato de agressão imperialista, embora fosse uma violação ao direito colonial, ou, como gostam dizer os juristas, ao uti possidetis juris.

De acordo com a Declaração Universal dos DH de 1948, ninguém pode ser privado de sua nacionalidade nem do direito a mudá-la. Deduz-se disto que nenhuma nacionalidade pode ser compulsória. A atribuição de uma cidadania não consentida é um ato de terrorismo de estado e, no caso de que Argentina ganhasse a guerra, seria duvidoso que os falklanders pudessem conservar a sua.

No governo da Grã Bretanha, nem todos eram hostis a uma mudança gradual da nacionalidade dos falklanders. Na reunião na vila de Coppet (Suíça), em 08/1980, entre as delegações argentina e britânica, as partes concordaram na transferência de soberania para a Argentina, se permitindo à segunda geração de ilhéus a dupla cidadania, e outorgando obrigatoriamente a nacionalidade argentina aos da terceira geração.

Os interessados podem ler o extenso Relatório Ratenbach, doravante RR, redigido após a guerra por uma equipe de militares que tentou analisar seus próprios “erros”. Entre os números links, vide, por exemplo, este. Os parágrafos 38 e 39 são os mais relevantes.

O acordo encontrou algumas resistências moderadas em setores do UK, mas, em 02/1982, na reunião entre representantes da Argentina, do UK e dos falklanders em Nova Iorque, os britânicos ofereceram uma “Proposta de Reativação”, para retomar as negociações sobre as bases anteriores, que contemplavam uma transição moderada para a mudança de cidadania [RR, §67]. ]

Parecia que a transferência de soberania acompanhada de um acordo sobre nacionalidade obrigatória seria viável. Todavia, cinco semanas depois, a abrupta invasão mostrou que a Argentina estava apenas ganhando tempo.

Atrocidades Durante a Guerra


Um detalhe pouco observado no caso do militarismo argentino (mas bastante investigado no fascismo e nos imperialismos espanhol e francês) é a necessidade dos exércitos agressivos treinados com grande violência de manter seu ritmo, sob o risco de desmoralização no caso em que parem sua atividade. Esta é a síndrome que na gíria diplomática se chama guerra em quente.

Assim como os veteranos franceses de Dien Bien Phu, e até alguns resistentes contra o nazismo, foram eficientes opressores do povo da Argélia, os militares argentinos, treinados para o terrorismo de estado interno, encontraram na invasão às ilhas uma continuação de suas atividades.

Isto se evidencia na exagerada humilhação imposta aos falklanders: provavelmente guiados pela crença comum entre os militares (cujo nível intelectual e de informação na Argentina é muito baixo e constitui motivo da chacota das classes ilustradas) de que o espanhol é uma língua “cristã”, tentou-se sem sucesso que os ilhéus aprendessem “el castellano” logo em seguida. O resultado não foi bom, porque ninguém aprende uma língua em algumas horas, e menos ainda sob a mira de armas de guerra.

Outras medidas foram a mudança da direção do trânsito, que nas ilhas obedecia ao sistema britânico, a troca de nomes de ruas, cidades e acidentes geográficos por nomes de “heróis” argentinos, e moderadas ameaças contra os ilhéus em caso de desobediência. Relata-se que oficiais menores advertiram sua tropa que deveriam abrir fogo contra quaisquer habitantes que se recusassem a cumprir ordens dos invasores. O recruta Santiago Carrizo do Regimento 3º relatou como o sargento que dirigia seu pelotão, ordenou invadir as casas dos ilhéus, e mandou atirar em qualquer um que negasse obediência. (Ver, sobre este ponto, Max Hastings & Simon Jenkins, The Battle For The Falklands, p. 307. Não conheço versão na Internet.)

Na prática, porém, não houve vítimas civis produzidas pelos argentinos. As três mulheres mortas foram alvo de balas perdidas dos britânicos. Entretanto, as tropas e os oficiais tinham recebido ordens dos comandantes, antes da invasão, de não atirar contra os civis nem os submeter a torturas ou tratos violentos. Como se soube anos depois, a oficialidade superior não tinha a certeza da vitória que proclamavam com tanto alvoroço, e imaginavam que lesões contra os ilhéus poderiam ser objeto de fortes represálias britânicas.

Nos primeiros dias de maio, pelo menos 128 ilhéus foram tomados como prisioneiros de guerra, apesar de serem civis, e confinados num camp durante 4 semanas. Todavia, não foram relatados maus tratos nem torturas. Acabada a guerra, a contagem de habitantes das ilhas não revelou nenhuma desaparição e nenhuma morte civil adicional às 3 senhoras vítimas de fogo amigo.

Um fato do qual existem bastantes documentos é a aplicação de torturas violentas dos oficiais argentinos aos próprios recrutas. O fato não é nada raro: os militares argentinos vinham aplicando torturas a civis durante golpes de Estado desde, pelo menos, 1930. O viciamento em sangue é um fenômeno intenso, como pode apreciar-se nos relatos escritos durante a Inquisição Medieval. (Veja o artigo “Soldados Argentinos Processam Oficiais, Alegando Tortura” neste link.)

Alguns recrutas relataram mortes de colegas que foram pendurados no pau de arara com  temperaturas glaciares, ou fuzilados pelas costas por não conseguir avançar durante os ataques. Outros foram estaqueados sobre o gelo, privados da roupa de agasalho, ou presos nas picotas, sem água nem comida. O número de mortos por este procedimento é desconhecido e o destino dos cadáveres se ignora, mas em tempos recentes, foram abertos cerca de 80 processos por causa daqueles fatos.

Além disso, os oficiais argentinos sempre foram muito “cuidadosos” com suas vidas, e as poucas vezes que deveram arriscá-las, o fizeram sempre sob extrema intoxicação alcoólica. Isso fazia com que a crueldade e o sadismo se tornassem mais intensos.

O Ataque e seus Apoiadores


No dia 03/04, o UK conseguiu uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, que aprovou a Resolução 502. Esta exigia da Argentina a imediata retirada de suas tropas, e aconselhava a negociação pacífica entre ambos os países, porém subordinada à reversão da invasão. O texto era, claramente, uma condenação da ocupação argentina.

É importante ter em conta que: (1) Boatos de uma futura invasão tinham circulado em círculos fechados da diplomacia ocidental antes de que acontecesse. (2) A GB, não obstante, não tinha certeza de que o ataque se concretizara e foi tomada por surpresa.

O ditador Galtieri tinha visitado Reagan em março de 1981, em cujo círculo de relações foi recebido com grande entusiasmo. A direita americana considerava a Argentina como seu mais eficiente e decidido apoio na expansão do terrorismo de estado na América Central durante a Operação Charlie contra os povos (Guatemala, El Salvador e, especialmente, Nicarágua) que pretendiam liberar-se do genocídio americano e dos latifundiários. De fato, os argentinos foram instrutores dos rangers em tortura e ataques contra civis, e forneceram a experiência de seus parapoliciais em tarefas de sabotagem e sequestro. Além disso despregar na região suas melhores tropas, que rapidamente foram treinadas pelos americanos no uso de armas de última geração.

Após longas conversas com Galtieri, o presidente dos EEUU entendeu que seu colega argentino estava disposto a usar a força contra as Malvinas. Numa carta a Margareth Thatcher, publicada por um jornalista em 1991, Reagan dizia que Galtieri não tinha dado garantias de negociações e que ele [Reagan] ficou com a impressão de o ditador usaria a força (vide). Ainda, Reagan advertiu que os EEUU eram neutros em relação com a soberania das Falklands, mas que não seriam neutros em relação com o uso da força, e apoiariam a GB.

Entretanto, a posição dos EEUU em relação à Guerra não era homogênea, como pretenderam fazer acreditar o Partido Comunista Argentino e os pequenos partidos “nacionalpopulistas” que se autoconsideravam de esquerda. Estes pretendiam que a ação contra a ocupação argentina era um ato imperialista conjunto de GB, a UE e o imperialismo americano.

Mas, enquanto Reagan, a maioria de seu governo, a CIA, e o setor OTAN do Pentágono apoiavam (forçadamente) a GB, o Comando Sul do Pentágono, a ultradireita republicana e setores diversos entendiam que os EEUU deviam convencer GB de render soberania e permitir que a Argentina saísse vitoriosa. Todos eles consideravam que os militares argentinos eram indispensáveis na América Central, pois ninguém mais era capaz de montar operações destrutivas e violentas com tanta eficiência. Uma prova disto foi que, após a derrota da Argentina nas Malvinas, os militares se viram obrigados a reduzir seus efetivos na América Central, e a luta começou a ser ganha pelas forças progressistas.

Jeane Jordan Kirkpatrick (1926 –2006), uma fanática falconette, embaixadora na ONU, com um grau de prestígio e influência no governo americano só comparável à que tivera Kissinger, empreendeu uma campanha de apoio a Argentina, mas fracassou. Durante a votação da R 502 no CS, tentou subornar alguns membros do conselho, como o embaixador da Jordânia, mas desistiu após ter sido repreendida pelo governo. De qualquer maneira, China e a URSS, que tinham feito numerosas manifestações contra a GB, e que ameaçaram com dar a Argentina até apoio armado, no momento de votar mostraram que aquilo era tudo um bluff típico da Guerra Fria, e se abstiveram. A moção contra Argentina foi aprovada pelo voto dos EEUU, GB, França e todos os membros não permanentes, salvo Panamá, que votou contra, e a Espanha e a Polônia, que se abstiveram.

A invasão a Malvinas teve enorme apoio popular em Buenos Aires, e o entusiasmo da massa era igual ou maior que o demonstrado durante a vitória na Copa do Mundo. Também a maior parte da América Latina apoiou Argentina, com exceção da Colômbia e do Chile, que ajudou logisticamente os britânicos, já que a ditadura de Pinochet, apesar de sua afinidade com os argentinos, sabia que se estes ganhavam da Grã Bretanha sobraria para eles. De fato, entre os planos dos militares estava a anexação dos territórios de fala hispana aos quais se consideravam com direito. México guardou uma posição neutral, mas fez jus a seu cumprimento da lei internacional e acatou a R 502.

Nicarágua, apesar de estar acossada pelos rangers argentinos que trabalhavam para os EEUU na operação Charlie, apoiaram a Argentina de maneira oportunista, como se o confronto com os EEUU significasse uma “virada à esquerda” da ditadura sul-americana. Como sempre, Cuba ofereceu seus préstimos a qualquer um que se confrontasse com os americanos. Uma delegação juvenil do direitizado Partido Comunista Argentino foi recebida por Fidel Castro, quem explicou aos “muchachos” como deviam aconselhar a seus militares para uma boa condução da guerra das Malvinas (sic!). Os mini stalinistas ficaram admirados dos conhecimentos estratégicos que o Comandante tinha adquirido na guerrilha de Sierra Maestra, que parecia tão diferente da Guerra das Malvinas!

O Sonho Vira Pesadelo


O ex chefe da NATO, o militar americano Haig, e o chefe da CIA, o futuro presidente Bush (pai de George W.) investiram grande esforço em encontrar uma solução negociada. Alguns dias eles viajaram várias vezes entre Washington e Buenos Aires, levando e trazendo mensagens da GB sobre uma possível negociação.

Ao que parece, a GB se comprometia a não contra-atacar, se os argentinos se retiravam pacificamente, mas Galtieri e seus militares consideraram isso um insulto a sua “honra militar”. De qualquer maneira, os britânicos esperaram algum tempo antes de começar a contraofensiva, mas a posição da Argentina não variou. O general Galtieri, falando pela rede nacional de TV, enquanto carregava seu copo com uma garrafa de whisky disse que “Argentina não se renderia, mesmo se tivessem que morrer 20.000 recrutas ou mais”. A frase impressionou até a duríssima Iron Maden Margaret Thatcher, que não era considerada nada sentimental.

Recém no dia 20 de abril, o gabinete de guerra britânico autorizou o começo da contraofensiva. O primeiro ataque foi aeronaval e foi lançado sobre a capital das ilhas só no dia 1º de maio. GB tinha esperado 28 dias antes de agir. No dia 5 de maio o gabinete pleno da GB aprovava um plano de paz do Peru, mas no dia seguinte a Argentina o rejeitaria.

No dia 31 de maio, com a Argentina totalmente enfraquecida, o presidente Ronald Reagan dirigiu uma mensagem a Mrs. Thatcher, pedindo que a vitória sobre Argentina não colocasse em risco o governo de Galtieri. Mas, as coisas não aconteceram dessa maneira. No dia 14 de junho os argentinos se renderam, e no dia seguinte um shopping tradicional da capital das Malvinas foi incendiado.

Com o mesmo fanatismo com que as massas aclamaram Galtieri quando começou a guerra, e ofereceram o sangue de seus filhos em prol da vitória, assim também essas mesmas massas saíram às ruas para repudiar os militares por covardes e improvisados. De fato, os recrutas não tinham equipamento adequado para o clima, nem armas efetivas, nem o treinamento necessário. Entretanto, os militares foram repudiados por algo que era uma novidade em sua conduta: decidiram colocar um fim ao matadouro dos adolescentes que tinham enviado a essa aventura insana. Qualquer que fosse sua motivação, essa renúncia a continuar com a morte (dos outros) deveria ter sido elogiada.

O que o povo chamava covardia, talvez foi o único ato de piedade militar: render-se muito antes de enviar ao sacrifício os 20.000 solados que Galtieri ofereceu a Deus. Mas tinham morto mais de 600 e muitos ficariam transtornados, feridos, deformados, com alterações mentais e físicas, até o dia de hoje, com a vida destruída pouco após de começar.

Esse foi o resultado de uma guerra que foi mais irracional e cínica do que são usualmente as guerras. Os que estão dando apoio a que essas insanidades se repitam, por um mesquinho cálculo político, estratégico, energético, ou simplesmente por sadismo, são seres que envergonham os que, por desgraça, pertencemos a mesma espécie biológica... ou quase.

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